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Processo legal e morosidade

5 de abril de 2001

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“O tempo: os suíços o inventaram, os italianos o desperdiçam, os franceses o estocam, os americanos dizem que é dinheiro, na Índia ele não existe”.

Entre as garantias fundamentais asseguradas aos cidadãos, nas democracias modernas, duas adquirem excepcional relevo: livre acesso ao Poder Judiciário, previsto pela Constituição vigente no art. 5º, XXXV, e devido processo legal, contemplado no inciso LV do mesmo dispositivo.

A Constituição de 1967 e a Emenda nº 1/69 garantiam os mesmos direitos mas na realidade ninguém se encontrava efetivamente protegido contra violências em virtude de Atos Institucionais e Complementares que subtraíam do Poder Judiciário a possibilidade de apreciação de medidas praticadas em nome do movimento revolucionário.

O processo foi uma das grandes conquistas da civilização, embora não se deva ignorar a advertência de Georg W. Friedrich Hegel, o notável filósofo alemão, para quem, “com a sua divisão em ato sempre mais particulares e nos direitos correspondentes, segundo uma complicação que não tem limite em si mesma, o processo, que começa por ser um meio, passa a distinguir-se da sua finalidade como algo extrínseco. Têm as partes a faculdade de percorrer todo o formalismo do processo, o que constitui o seu direito, e isso pode tornar-se um mal e até um veículo de injustiça”.

Estabelece-se freqüentemente inaceitável confusão entre devido processo legal e exagerado formalismo processual, provocando a eternização de elevado número de demandas e sobretudo da fase de execução, causando prejuízos incalculáveis às partes e comprometendo a imagem e a credibilidade do Poder Judiciário.

A legislação trabalhista, por exemplo, nasceu revestida de tanta simplicidade que ao trabalhador que se sentisse lesado em seu direito se assegurava a prerrogativa de formular diretamente sua demanda, sem depender da assistência de advogado, permitindo-se ao empregador, a sua vez, defender-se pessoalmente ou se fazer substituir pelo gerente ou qualquer outro preposto “que tenha conhecimento dos fatos e cujas declarações obrigarão o proponente”. Na tentativa de impedir que o conflito evoluísse, a lei estabeleceu que os dissídios individuais e coletivos estariam sempre sujeitos ao esforço de conciliação.

Com o passar dos anos o processo perdeu as características originais de instrumento da aplicação do direito ao caso concreto para ser erigido à condição de ciência, mostrando-se sempre mais prolífico em matéria de recursos. Em vez do tradicional amplo grau de jurisdição, encimado por tribunal constitucional, passamos a dispor de várias espécies de judiciários, alguns com três, outros com quatro e até cinco instâncias.
No lugar da apelação, adotou-se o recurso ordinário, o extraordinário, que pode ser denominado de revista, embargos e agravos vários, declaratórios regimentais, de execução, o extraordinário propriamente dito e, quando indeferido, o seu agravo específico, medidas cautelares, nominadas e inominadas, liminares e outros incidentes, no processo de conhecimento ou de execução. Não bastasse, como últimas esperanças do vencido inconformado, ações rescisórias e anulatórias e até o mandado de segurança.

Todas as reformas que visem a reduzir o formalismo, sem lesar o princípio do devido processo legal, serão muito bem recebidas. Paralelamente, porém, medidas de cunho operacional deveriam ser estudadas e implantadas, com o emprego, por exemplo, dos meios oferecidos pela tecnologia da informática, em favor da celeridade. Desde que me encontro no tribunal, há 12 anos, a anotação das papeletas de julgamento é feita manualmente, embora se tenha notícia de que em outros tribunais foi adotado, para tarefa semelhante, programa de computador.

A morosidade, porém, não deve ser debitada invariavelmente ao processo ou a prática operacionais envelhecidas. São conhecidos casos de juízes que importância nenhuma dão ao fator tempo, comportando-se como se estivessem na Índia, onde, segundo Truman Capote, ele não existe, para se permitirem ficar à vontade sem constrangimento com autos retidos -alguns dizem engavetando – após concederem medida liminar ou à espera de despacho ou sentença.

A boa reforma do Poder Judiciário, tantas vezes tentada e quase sempre não tão bem-sucedida, esbarra em hábitos conservadores, práticas arraigadas, falta de verbas para aquisição de equipamentos, carência de pessoal habilitado para obter os melhores resultados. Poderá, também, encontrar obstáculo na inércia de magistrados – felizmente poucos – cujo amor à liturgia processual faz com que se esqueçam das necessidades e dos direitos dos jurisdicionados.