Eficiência na prestação jurisdicional

7 de janeiro de 2022

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Desembargador Ricardo Anafe comenta os planos para presidir e modernizar o TJSP, o maior tribunal do País em volume de processos

O novo Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Desembargador Ricardo Mair Anafe, acumula 36 anos de experiência como magistrado. O ingresso veio em 1985, apenas quatro anos após concluir o bacharelado em Direito pela PUC-SP, nomeado para a 5ª Circunscrição Judiciária, com sede em Jundiaí. Nos anos seguintes, atuou nas comarcas de Santa Fé do Sul, Cruzeiro, Mogi das Cruzes e São Paulo. Em 2003, passou a atuar como juiz substituto em segundo grau, até 2008, quando foi promovido por merecimento ao cargo de desembargador. Eleito presidente da Seção de Direito Público do Tribunal para o biênio 2014-2015, foi eleito e reeleito para o Órgão Especial em 2016 e 2018. No ano seguinte, venceu a disputa para a Corregedoria-Geral de Justiça, posição na qual foi responsável por implantar, dentre outras inovações, o sistema de audiências por videoconferência para réus presos no sistema penitenciário paulista.

Nessa entrevista, concedida poucos dias antes de sua posse administrativa, o Presidente Anafe contextualiza os desafios para modernizar o Tribunal de Justiça, fala sobre os planos para, nos próximos dois anos, equilibrar as finanças, reduzir o acervo de processos e tornar mais eficiente a prestação jurisdicional da mais atarefada corte brasileira.

Revista Justiça & Cidadania – Quais são os projetos que o senhor pretende implantar em sua gestão? Quais são as prioridades e qual é a marca que o senhor pretende deixar na administração do Tribunal?
Desembargador Ricardo Anafe – A marca sem sombra de dúvida será a mesma que busquei dar à Corregedoria, que é a eficiência nos trabalhos da administração pública. Em relação às prioridades, para garantir essa eficiência, a primeira delas é o aprimoramento do sistema de fiscalização da arrecadação. Vai ser uma coisa fundamental para o Tribunal de Justiça, nós não tínhamos um sistema de fiscalização de arrecadação das taxas de custas, tanto que no ano de 2019 a média de arrecadação era de R$ 29 milhões por mês, o que representava à época o que nós recebíamos, que era 60% da taxa judiciária que vinha para o Tribunal. Depois isso mudou e passou para 100%, mas desses temos 40% vinculados e 60% livres. Iniciados o sistema de controle de arrecadação, só desses 60% nossa arrecadação foi de R$ 29 milhões para a média de R$ 72 milhões por mês. No total, a média ficou em torno de R$ 124 milhões por mês. Essa é uma prioridade da administração. O controle da arrecadação hoje existe apenas no primeiro grau de jurisdição, que é o âmbito de atuação do corregedor-geral. A primeira coisa a ser feita será implantar o sistema de fiscalização da arrecadação também no segundo grau, o que é importantíssimo para garantir o custeio estável do Tribunal e, com isso, estabilizar as relações de suporte do TJSP.

Outro ponto diz respeito à criação de mais um cargo de assistente jurídico no segundo grau, tanto para o desembargador quanto para o juiz substituto em segundo grau. Com isso vamos produzir mais e com mais qualidade, porque teremos o mesmo número de processos dividido por um número maior de pessoas, todos terão um tempo maior para pesquisar e fazer um trabalho menos açodado do que é hoje. Representamos 46,7% da movimentação nacional, com um volume de distribuição absurdamente alto, cuja média gira em torno de 2.800 processos por ano para cada integrante do Tribunal, entre Direito Privado, Público e Criminal. Não há nenhum tribunal no País que tenha essa movimentação judiciária em segundo grau, e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é o que tem o menor número de assistentes de todo o País.

Outra questão é que os juízes de primeiro grau têm direito a dois assistentes. Antigamente, uma vara pesada de primeiro grau tinha em torno de 2.500 processos. Hoje, uma vara com 2.500 processos é uma vara muito tranquila. Temos varas de Fazenda com 64 mil processos em andamento, com um número insuficiente de servidores e assistentes. Isso tem que ser focado, porque a prestação jurisdicional deve ser editada com proficiência sobre seus fundamentos e dispositivos, num tempo que seja o mais breve possível, na medida dos melhores esforços de servidores e juízes. Temos que colaborar com essa instrumentação dos juízes.

Outro ponto diz respeito ao TJSP ter 792 prédios. A primeira coisa a ser feita é remodelar prédios que são do Tribunal de Justiça e, com isso, aglutinar os serviços desses prédios para que possamos abrir mão de locações, todas imensamente dispendiosas, porque são prédios grandes. Com isso, faremos economia de custeio. É de fundamental importância o levantamento nas comarcas, algumas têm pouca movimentação judiciária, esse levantamento tem que ser feito amiúde e, eventualmente, se suceder a fusão de comarcas, em especial hoje, quando temos o teletrabalho e uma comunicação mais rápida e direta sob o sistema virtual, não havendo a necessidade de tantos prédios, como os que hoje se distribuem em todo o Estado de São Paulo.

Essas são coisas muito importantes, até para a adequação. Nesse período de pandemia, o Tribunal de Justiça se modernizou dez anos em um ano e meio, em razão da crise, que nos dá oportunidades. O Tribunal abraçou todas as oportunidades para garantir a eficiência do seu trabalho e para não deixar que aquele que precisa da solução de um conflito sob o sistema judiciário ficasse marginalizado. Com isso, melhoramos muito a prestação jurisdicional no que diz respeito aos processos eletrônicos, não em relação aos processos físicos. Por força da pandemia, os processos físicos acabaram sendo deixados de lado, efetivamente, durante quatro meses, que foi o período de home office puro. Salvo no que diz respeito aos atos urgentes, o Tribunal abriu um sistema de peticionamento eletrônico excepcional para processos físicos, para dirimir questões urgentes desses processos e para que não houvesse a estagnação absoluta dos processos físicos, não em relação aos andamentos formais, evidentemente, mas em relação aos andamentos urgentes.

RJC – Durante o período da pandemia, segundo estimativas, o TJSP economizou mais de R$ 70 milhões ao evitar o deslocamento de presos com o uso de audiências por videoconferência? Esse modelo será mantido?
DRA – Esse foi um termo de cooperação firmado entre o Poder Executivo e a Corregedoria, em fevereiro, que daria início a um processo-piloto na Comarca de Campinas, onde teríamos o sistema de videoconferência para réus presos, que depois seria estendido a todo o estado. Com isso, se evita o trânsito de réus presos, que é extremamente custoso ao Poder Executivo e que é extremamente desagradável para o réu, que fica horas e horas dentro de um veículo. Imagine que de Presidente Prudente para São Paulo são quase sete horas dentro do carro, chegando ao Fórum, dependendo da hora que chegar o veículo de transporte de presos, ele sai do carro e vai para o CDP, onde pode ficar por dois ou três dias até ser ouvido, para só então retornar ao sistema prisional de origem, e por vezes não voltar para a mesma cela, porque ela já está ocupada por outrem. Isso causava problemas dentro do sistema prisional, causava problemas para o Fórum, porque é uma quantidade grande de pessoas na escolta, é muita gente para cada preso, são quatro policiais por escolta. Com o sistema de videoconferência acabaram os riscos de fuga ou qualquer outra coisa, quer dentro dos prédios do Tribunal de Justiça, quer no trajeto. A economia foi obtida pelo Poder Executivo, esse valor de R$ 70 milhões foi dito pelo Governador João Dória (PSDB) quando firmamos o termo de cooperação lá em fevereiro, mas nos vimos surpreendidos pela crise sanitária.

Se não me falha a memória, no dia 16 de março baixamos o primeiro provimento e daí em diante não foi uma questão de projeto-piloto, foi uma questão de ousadia, de trabalho conjunto com a Secretaria de Administração Penitenciária, que foi instalando as salas com o sistema de videoconferência. Salas essas com um sistema de comunicação privativa do preso com seu advogado, câmeras de 360 graus e câmeras diretas, para que não ocorra nenhuma espécie de arguição de qualquer tipo de interferência nos depoimentos prestados ou no curso das audiências em que o réu participa.

Isso hoje existe em todo o Estado de São Paulo, com outra vantagem. Antigamente, as audiências de réus presos eram marcadas todas na mesma hora, como não se sabia quem vinha e de qual lugar, se marcava tudo para a mesma hora e as audiências aconteciam à medida em que os réus estivessem na carceragem do Fórum. Hoje isso já não existe mais. Na data certa e na hora aprazada as audiências se efetivam. É uma tranquilidade para presos, advogados, promotores, defensores públicos e para os juízes também. Com isso se garante a eficiência da prestação jurisdicional como um todo. É uma coisa que veio na pandemia e que vai permanecer além dela, é um ato absolutamente civilizado em relação ao preso e a todos que trabalham no processo judicial.

RJC – Houve questionamentos sobre prejuízos ao devido processo legal ou às prerrogativas dos advogados nas audiências por videoconferência?
DRA – Em primeiro lugar, a discussão das audiências por videoconferência foi iniciada em especial por alguns advogados e defensores públicos. Com o tempo, fazendo videoconferências, observou-se que não havia nenhuma mácula ao devido processo legal. Na sala de videoconferência o preso fica sozinho, não fica ninguém com ele, há a câmera de 360 graus, ele tem a comunicação privativa com o advogado, não há nenhum problema. De qualquer forma, se houver qualquer dúvida ou suspeita, o juiz pode fazer a audiência presencial, a audiência absolutamente tradicional. Nós garantimos não apenas que o ato em si cumpra todas as normas legais e constitucionais, mas também, com a finalidade de evitar qualquer arguição de nulidade, que o juiz possa marcar tranquilamente a audiência presencial. Tanto é que hoje, no sistema de videoconferência, tanto no Crime, quanto no Cível, ela pode ser uma audiência híbrida, parte por videoconferência, parte presencial. Já foram feitas aqui no Fórum João Mendes audiências por videoconferência com uma das partes em Londres e a outra presente.

A videoconferência trouxe uma agilidade muito grande. Imagine cartas precatórias para que uma pessoa seja ouvida em outra comarca ou em outro estado, ela vai ser ouvida por outro juiz, que não é o juiz do feito, por vezes o promotor também não é o do feito, o advogado também não é, terá que ser nomeado ad hoc. Quando é feito sob o sistema de videoconferência, é o juiz que vai julgar, é o advogado eleito ou já nomeado para aquele réu, que conhece o processo, e é o promotor, o dominus litis que promoveu a ação. É muito mais próximo a um sistema de verdade real do que qualquer outra forma. A videoconferência é eficiente.

RJC – Além da videoconferência, há outros investimentos previstos em termos de automação, novas tecnologias e inteligência artificial?
DRA – Hoje já trabalhamos com o sistema de robótica para a prática de atos usuais repetitivos, basicamente nas varas de execução, em que a quantidade é muito grande. A Vara de Execuções de São Paulo tem um milhão de processos. Seria impossível colocar servidores suficientes para dar conta de uma movimentação tão grande. Hoje mesmo eu estava tratando com a assessoria, terei uma reunião com o secretariado para tratar do sistema de inteligência artificial. Imagine que o senhor é juiz de uma vara criminal, julga o Código Penal inteiro e todas as leis extravagantes, uma quantidade imensa. Imagine um sistema que receba toda jurisprudência criminal do Superior Tribunal de Justiça, do Supremo Tribunal Federal e da Seção Criminal do TJSP, e que tenha todas as sentenças que o senhor prolatou. Quando o processo entra no fluxo, é um processo eletrônico, a inteligência artificial classifica aquele processo e oferece, de acordo com aquilo que você já julgou, em suas palavras exatas, qual seria em tese um modelo de sentença para aquele processo, além de apontar se houve alguma alteração da jurisprudência, se houve algum repetitivo julgado, para que o senhor possa se adequar. Isso faz uma triagem muito boa e nessa triagem já alimenta com toda a jurisprudência e exatamente como o senhor decide aquele tipo de matéria.

No Crime é mais complicado, porque há matéria de fato, e aí cada processo é um processo diferente, mas imagine o senhor em uma vara cível, julgando contratos, ou numa vara de Fazenda Pública, com uma enormidade de ações de funcionários públicos. Em relação à licença-prêmio, por exemplo, cada município tem leis diferentes, temos cerca de 360 leis municipais de licença-prêmio, cada qual com suas características, impedientes diferentes, casos diferentes de sua extensão. O próprio sistema, com a identificação do pedido e da causa de pedir, pode trazer toda a matéria de pertinência. Isso é muito importante, dá agilidade e mais garantia de que você vai proferir uma decisão correta, com a jurisprudência bem atualizada. É uma coisa na qual temos que investir.

Os escritórios americanos já trabalham com esse tipo de inteligência artificial há muitos anos. Nós precisamos começar com esse tipo de seleção. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região já tem esse sistema, acabou de ser elaborado, com o nome Sigma, e parece que funciona muito bem. Andei conversando com o presidente do Tribunal, trocando ideias exatamente sobre isso, porque é uma inovação necessária, que dá mais agilidade, torna os processos mais breves e mais seguros. Com isso, traz maior previsibilidade ao trabalhar sobre um modelo próprio, com as adequações que devem ser feitas. Não há nada mais dinâmico do que o mundo jurídico e o nosso legislador é pródigo, leis saem todos os dias, temos que nos adequar a elas.

RJC – Os presidentes anteriores enfrentaram restrições orçamentárias impostas pelo Tribunal de Contas do Estado. O senhor assume o cargo com uma situação financeira mais confortável?
DRA – Em novembro de 2019 a nossa gestão orçamentária estava muito tranquila, quando do dia para a noite apareceu o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que entrou no cálculo do índice da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF/ Lei Complementar nº 101/2000). Estávamos com uma folga muito grande no índice e do dia para a noite entramos no limite prudencial. Isso causou um prejuízo enorme não só ao Tribunal, mas ao Executivo, ao Legislativo e às autarquias, em razão do cálculo do Fundeb, que acabou gerando uma contenção enorme. Dentro dessa contenção tivemos um problema em janeiro de 2020, quando tivemos que puxar o duodécimo de fevereiro, porque começamos negativos em R$ 293 milhões, com a expectativa de somar mais R$ 293 milhões para o mês de dezembro do ano de 2020, porque ante o ocorrido, o pagamento do 13º salário teve que chamar o duodécimo de janeiro de 2019 para 2020.

Então, o ano de 2020 foi muito difícil para o Tribunal, o Presidente Geraldo Francisco Pinheiro Franco agiu com extrema cautela na contenção de gastos de toda ordem. Calhou de vir a crise sanitária em março de 2020, o que também diminuiu o nosso custeio, porque ficamos quatro meses completamente afastados. É só lembrar que quando andávamos pelas ruas naquela época de carro, parecia uma cidade deserta, não havia ninguém na rua. As pessoas trabalhavam de casa, os prédios ficaram com as luzes apagadas, não tínhamos gasto de água ou de energia. Essa redução de custeio ajudou nessa economia.

Esse ano a situação ficou mais equilibrada, mas de uma forma ou de outra, nós tínhamos cerca de 46 mil servidores, hoje temos 38.700, novas varas foram instaladas, ainda em janeiro tenho que instalar mais seis varas, e cada vez que instalo varas tenho custos maiores, com juízes e servidores. A situação é mais cômoda em relação ao Fundeb, que aconteceu em 2019, porque houve um trato de contenção em 2020, em 2021 menos, mas também houve, pelo nosso receio de que o índice da LRF subisse. Ele está hoje bem abaixo do limite jurisprudencial, mas precisamos repor servidores, é uma questão. Outra questão é que esse ano não houve aumento vegetativo da folha com os servidores que tinham direito ao quinquênio ou à sexta-parte por força da Lei Complementar nº 173/2020. Todo esse reflexo do aumento vegetativo de 2021 vem para 2022.

O que veio de aumento do orçamento satisfaz o aumento vegetativo, vamos conseguir admitir servidores para o interior e para a capital, em número muito menor do que precisamos, e também conseguir o quinto assistente, ou o quarto assistente do juiz substituto em segundo grau, e tentar fechar a primeira instância com dois assistentes, porque a primeira instância é o cartão de visitas de qualquer Poder Judiciário. O juiz é quem está à frente da parte, é ele quem julga os processos imediatamente, toma as medidas cautelares necessárias. Ele precisa ter instrumentação para fazê-lo da melhor forma possível, com a melhor adequação ao Direito. Precisamos dar agilidade a isso, sem prejuízos ao devido processo legal, evidentemente. A situação é cômoda? Ela é melhor, mas cômoda? Estamos um pouco distantes disso.

RJC – Qual foi o impacto da pandemia sobre a produtividade do Tribunal?
DRA – Produzimos nesse período, desde o começo da crise sanitária, 55,2 milhões de decisões. É um número absurdo, muito alto. Esse aumento é valioso, sem sombra de dúvida, houve a dedicação de servidores, juízes e desembargadores, o Tribunal de Justiça não parou durante a crise. Fizemos inúmeras modificações que íamos demorar pelo menos uns dez anos para fazer. O juiz é naturalmente um ser conservador, essa é uma visão absolutamente verdadeira, mas nós aproveitamos todas as oportunidades, modernizamos e conseguimos com isso manter a atividade jurisdicional a pleno vapor.

Salvo, evidentemente, em relação aos processos físicos, aos quais agora estamos dando um andamento muito grande, todos os atos editados pelo Conselho Superior da Magistratura reforçaram a prioridade dos processos físicos. Temos hoje cerca de 24 milhões de processos físicos que estamos tentando digitalizar, dos quais dez milhões em movimentação plena e 14 milhões entre sobrestados e suspensos. É um número realmente grande, que representa 34% da movimentação judiciária do Estado de São Paulo. Para se ter uma ideia da enormidade disso, representamos 46,7% da movimentação judiciária do País.

Quando falo em digitalizar, falo de novo em custeio, é um problema. Oferecemos para que os advogados digitalizassem, tivemos uma digitalização de cerca de dois mil processos, número muito pequeno perto dos dez milhões em movimentação. Os bancos, que são grandes litigantes, em especial, pela memória, o Itaú e o Safra, fizeram a digitalização de processos, eles colaboraram, mas, de um jeito ou de outro, o Tribunal está investindo muito na digitalização. O sistema da Upefaz (Unidade de Processamento das Execuções contra a Fazenda Pública), que é a unidade dos precatórios, com a digitalização pelas forças-tarefa da Corregedoria, em 2021 batemos o recorde de pagamentos de R$ 4 bilhões em precatórios. A ideia é que até o final de 2022 tenhamos liquidado todas as pendências dos precatórios, com isso seriam mais R$ 8 bilhões em pagamentos, dos valores recebidos, não daqueles a receber. O Tribunal tem investido muito nisso e vai continuar investindo.

RJC – Todos os tribunais brasileiros têm um congestionamento histórico de processos. Além do investimento em tecnologia, para efeito da diminuição desse acervo, que alternativas o senhor pretende priorizar? Mediação? Consolidação do sistema de precedentes? Ampliação do leque de serviços prestados pelas serventias extrajudiciais?
DRA – Com relação ao sistema de precedentes, é uma matéria estranha à Presidência, uma matéria jurisdicional, que compõem o instituto de resolução de demandas repetitivas (IRDRs), que são conhecidas perante cada seção do Tribunal de Justiça. As turmas especiais julgam os IRDRs e definem as teses, que fixam justamente o sistema de precedentes, igualmente ao que há no Supremo Tribunal Federal, com as repercussões gerais, e no Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos recursos repetitivos assim declarados. É matéria puramente jurisdicional, não é matéria da administração.

O que o Tribunal deve e pode fazer diz respeito ao sistema de conciliação e mediação. É um sistema alternativo, mas é muito importante na composição de conflitos e por vezes extremamente eficiente. Temos que investir nisso, mas investir num sistema que de fato funcione e não seja apenas uma passagem pelo Cejusc (Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania). Essa passagem tem que ser marcada por uma boa conciliação, uma boa mediação, o que não vai satisfazer integralmente nenhuma das partes, pois nos acordos cada qual abre mão de alguma coisa que considere não tão importante, mas, de uma forma ou de outra, os processos, por mais rápidos que sejam, são sempre desgastantes, são desgastantes psicologicamente, cria-se uma imagem em relação ao outro muito difícil. Esse sistema tem que funcionar, é um sistema no qual o Tribunal pretende investir muito, assim como no sistema da Justiça 4.0, na concentração de matérias de uma determinada área geográfica para julgamento por uma vara eleita, porque teremos uma uniformidade muito maior, previsibilidade de resultado, e com isso diminuiremos o número de ações ou de condutas que geram ações. Essa é a função dos repetitivos, dos precedentes e da Justiça 4.0.

Essa fixação é da Presidência e da Corregedoria, o julgamento não, não há nenhuma interferência, é evidente, mas a eleição de matéria, de vara e sua correspondência e julgamento garante a uniformidade e a previsibilidade. A partir do momento em que sei que se reclamar de alho, não vou ter bugalho, ou vice-versa, que se eu reclamar de alho terei bugalho, estou coibindo a conduta original que gera a ação. O problema da ação não é ela em si própria, mas sim a conduta que lhe dá origem. O sistema funciona para isso, para evitar as condutas. Já sei que o Estado não pagou alguma coisa, a gratificação, por exemplo, que foi julgada em sistema repetitivo e a tese fixou que é obrigação do Estado. Naquele momento há o efeito vinculante ao Estado, o Estado paga, aquelas ações são julgadas e você não tem novas ações. O sistema de precedentes, que veio da ideia do commom law, é para evitar a conduta original, diminuir o demandismo, e para isso ela é muito eficiente e todos os tribunais investem nisso. É uma coisa que o Tribunal vai fazer.

RJC – Qual é a sua opinião a respeito do sistema NatJus? Pensa em estender esse modelo?
DRA – O sistema do NatJus se tornou extremamente eficiente na área de medicamentos. A ideia é muito boa. O sistema do NatJus nasce na oportunidade da matéria. Ou seja, tenho uma repetição de ações sobre aquela matéria, vale a pena investir naquilo para termos uniformidade, previsibilidade e evitar novas ações. Na medida em que houver movimentação de ações em determinado sentido e em determinado volume, vale a pena investir. Temos que identificar a grande litigância para que se possa investir nesse tipo de sistema, mas é uma ideia absolutamente válida e viável.

RJC – Qual é o balanço que o senhor faz do seu período como Corregedor Geral da Justiça?
DRA – Meu relatório de gestão tem quase 200 páginas, vou resumir da seguinte forma, nós procuramos fazer o melhor possível, tudo o que pode ser instrumentalizado para facilitar o exercício da jurisdição, para facilitar o acesso à Justiça, muita coisa em conjunto com a Presidência do Tribunal de Justiça. Todos os processos que foram bloqueados foram julgados no extrajudicial. O balanço é muito bom. Conseguimos ajudar, instrumentalizar e orientar a primeira instância sem perder de vista o poder censório, que foi exercido quando necessário, um número mínimo em relação ao de juízes no estado. O melhor resultado se nota na melhor brevidade da prestação jurisdicional, na superação dos problemas do trabalho escalonado em home office, na facilitação para juízes, servidores, advogados, promotores e defensores públicos. É o melhor resultado que se apresenta para uma corregedoria frente a uma crise sanitária que, provavelmente, jamais veremos outra igual enquanto vivermos.