Em defesa do judiciário

5 de junho de 2003

Compartilhe:

A sociedade vive um grave momento, em que se impõe a necessidade de defender os princípios, prerrogativas e funções institucionais do Poder Judiciário, nos quais se incluem a inteireza, a eficácia, a autoridade e a independência desse poder, bem como os direitos dos cidadãos brasileiros.

Não obstante as dificuldades enfrentadas pelos órgãos julgadores, é inevitável reconhecer o esforço hercúleo empreendido para atender aos clamores sociais por justiça. Considere-se, a propósito, a atividade do Superior Tribunal de Justiça: com apenas quatorze anos de funcionamento, já ultrapassou a cifra de um milhão de julgados. Contudo não se pode ignorar que, em verdadeira distorção da ordem estabelecida pelo Estado democrático de direito, tem surgido vozes e pessoas estranhas ao Poder Judiciário dispostas a fazer as vezes do juiz. Fatos recentes confirmam a percepção de que está em curso uma verdadeira tentativa de intimidação do Judiciário, causada, de um lado, pela violência urdida pelo crime organizado; de outro, pela tentativa de coibir os juízes de conceder liminares ou de julgar imparcialmente e conforme as provas, como já alertara o professor Sacha Calmon em recente artigo.

Por certo não haverá democracia que valha a pena sem a existência de um Judiciário forte e independente, rápido e eficaz, atuante e prestante. Trabalhar no encalço do Judiciário e tarefa diuturna a qual não se tem furtado os seus órgãos fracionários.

Um exemplo é a comissão instituída no âmbito do Conselho da Justiça Federal para tratar de questões referentes aos crimes de lavagem de dinheiro. Instalada em setembro de 2002, já em fevereiro deste ano apresentou suas conclusões. É essencial ressaltar o caráter eclético dessa comissão. Sob a presidência do ministro Gilson Dipp, reuniu juízes federais, membros do Ministério Público Federal e representantes dos Ministérios da Fazenda e da Justiça, da Febraban, do Banco Central e da Receita Federal. O resultado foi a união dos poderes Executivo e Judiciário, bem como da sociedade organizada no combate a um sério problema que prejudica e inquieta a todos.

Das providencias sugeridas, o Conselho da Justiça Federal e os tribunais regionais federais já estão procedendo a especialização de varas federais criminais para processar e julgar crimes contra o sistema financeiro e de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores. Em razão dos danos incalculáveis que tal tipo de atividade criminosa causa a sociedade, justifica-se a providencia imediata.

Outras sugestões foram apresentadas, tais como a promoção de intercambio entre as instituições envolvidas, a criação de um cadastro nacional de correntistas, a regulamentação do envio da documentação solicitada aos bancos, a investigação sobre os indícios de existência do crime antecedente e outras igualmente viáveis e importantes.

Isso mostra a importância da cooperação entre as diversas instituições para permitir a sociedade defender-se das organizações criminosas.

Na verdade, é necessário haver acordo em todas as esferas públicas, por meio do qual se atinja a paz social e se alcance o bem comum. A situação da reforma do Poder Judiciário é um exemplo emblemático. Quando cada setor limita sua perspectiva a algum aspecto em particular, vê-se o resultado: a reforma emperrou.

A atual proposta de emenda permaneceu oito anos na Câmara dos Deputados, caminhando lentamente. Há cerca de três anos se encontra no Senado Federal; teria lá vencido as comissões, mas estranhamente não foi a votação do plenário. Agora ressurge a idéia de retomada do projeto pelo Congresso, tudo indicando que, se vontade política houver e se interesses corporativistas não prevalecerem sobre os públicos, o mesmo caminho será refeito, aquele que já foi aberto nas salas da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Isso não importa, desde que ande a proposta e ande com vontade política, pois e inadmissível que se jogue numa lata de lixo uma década de estudos, trabalhos e debates como se Fosse algo imprestável.

De fato, nem os cidadãos nem o Judiciário podem arcar com esse ônus do retrocesso. É preciso dar passos a frente. A criação de uma corte constitucional séria, por exemplo, um passo importante no sentido de se eliminar o quarto grau de jurisdição, fator de morosidade e procrastinação da prestação jurisdicional.

Na Brasil, andam, de algum tempo para cá, a apregoar a estapafúrdia idéia de um controle externo, o que, obviamente, antes de conferir proteção a magistratura, pressupõe puni-la. Isto significa colocar-se na contramão da história; e mais: tornar-se dela objeto e não sujeito.

Nunca houve Judiciário do transparente quanto o Judiciário brasileiro. Os julgamentos sempre se fizeram a porras abertas, desde a nossa primeira constituição republicana. É preciso um controle, mas feito por pessoas ou membros do Judiciário, pois o controle externo fere os mais comezinhos princípios jurídicos.

Portanto, este é o momento adequado para trazer a lembrança oportunas palavras de Ihering: “Todos os direitos da Humanidade foram conquistados na luta ( … ) e todo o direito, direito de um povo ou direito de um particular, faz presumir que se esteja decidido a mantê-lo com firmeza”.

A luta pela manutenção da independência do Poder Judiciário é, sem dúvida, a luta pela preservação dos direitos dos jurisdicionados.