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Em foco: Horário unificado em tribunais não vingou

31 de agosto de 2011

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Não será desta vez que os tribunais do país funcionarão em tempo integral e em horário unificado. A resolução que estipulava o atendimento ao cidadão de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h, editada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de fiscalização e planejamento estratégico do Poder Judiciário, foi revogada pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), no fim do junho. A norma, que também estabelece jornada de oito horas diárias para os serventuários, deveria ter entrado em vigor no último dia 4 de julho.

A decisão do ministro foi liminar e ainda terá o mérito apreciado pelo plenário da mais alta corte do país. Foi tomada na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.598, ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). A entidade é a que mais congrega magistrados em todo o Brasil, com quase 14 mil associados.

No processo, a AMB questiona o artigo 1º da Resolução 130 do CNJ, que estabelece: “Respeitado o limite da jornada de trabalho adotada para os servidores, o expediente dos órgãos jurisdicionais para atendimento ao público deve ser de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h, no mínimo”. Além disso, segundo a norma, “no caso de insuficiência de recursos humanos ou de necessidade de respeito a costumes locais, deve ser adotada a jornada diária de oito horas diárias, em dois turnos, com intervalo para o almoço”.

A resolução foi relatada pelo conselheiro Milton Nobre. “O que se pretende com a Resolução 130 do CNJ é garantir ao jurisdicionado um horário de atendimento mínimo, regular e padronizado em todo o Judiciário brasileiro. Desse modo, sendo o jurisdicionado o beneficiário dos dispositivos acrescentados, não há dúvidas de que todas as unidades com atribuições tipicamente jurisdicionais estarão alcançadas pela norma”, afirmou o relator.

“Tem tribunal que, na sexta-feira, atende só pela manhã”, justificou o conselheiro Walter Nunes a aprovação da Resolução. “O objetivo é adequar a norma à realidade de algumas unidades da Justiça que possuem apenas dois ou três funcionários”, acrescentou.

Para a AMB, o CNJ praticou inconstitucionalidade formal e material ao editar a resolução, pois dispôs sobre matéria de lei da iniciativa privativa do Poder Executivo e sobre matéria de regimento dos tribunais. Em outras palavras, segundo a associação, a resolução do CNJ teria imposto às cortes condutas que somente elas próprias poderiam estabelecer ou exigências que somente a lei poderia criar.

Além disso, a resolução teria gerado duas fontes de aumento de gastos públicos. A primeira, decorrente do aumento da jornada mínima diária e a segunda, por causa da imposição do horário de expediente. “Para atender a essas duas obrigações, por mais que os tribunais consigam fazer ajustes internos, não há como negar que, se o servidor trabalhava seis horas, ao passar a trabalhar oito horas terá de receber a remuneração equivalente para as duas horas a mais que trabalhará”, diz a AMB na ação, ao destacar que esta jornada de trabalho é superior à mínima prevista no Estatuto dos Servidores Públicos aplicada aos tribunais federais.

A associação alegou, na ação que moveu no STF, que reconhece “a possibilidade de o CNJ recomendar aos tribunais a edição de lei que entendesse necessária, desde que fosse preservada a autonomia própria de cada corte para deflagrar, a seu próprio juízo e conveniência, o processo legislativo de sua iniciativa reservada”.

Dessa forma, a entidade argumentou que a matéria é de competência legislativa da União e dos Estados, sendo a iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo e do Poder Judiciário, conforme previsto na Constituição Federal, no artigo 61, parágrafo 1º, inciso II, alínea “c”, e artigo 96. Por isso, a determinação seria “inaceitável e inconstitucional”.

De fato, a resolução gerou protestos e outras entidades também questionaram a norma no STF. Entre elas, a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages).

Ao conceder a liminar pedida pela AMB, o ministro considerou a “iminência dos efeitos da Resolução nº 130 do CNJ”. O ministro foi enfático: “O que se impede, através da presente liminar, é a ampliação imediata do horário de atendimento, frise-se, horário de atendimento ao público do Poder Judiciário imposta pelo CNJ antes que o Plenário desta Corte decida definitivamente sobre o tema”.

O ministro argumentou que não há coincidência entre a jornada de trabalho e o horário de atendimento ao público, “especialmente porque, tal como ocorre com os empregados de bancos, por exemplo, juízes e servidores do Poder Judiciário também trabalham quando o atendimento não é aberto ao público. Jornada de trabalho e horário de atendimento ao público são temas que não podem ser confundidos”.

O presidente da AMB, Nelson Calandra, comemorou a liminar e disse que a decisão foi uma conquista da Justiça brasileira. “Com esta decisão, prevalece a autonomia dos estados, pois cada tribunal vai respeitar o fuso horário e as peculiaridades da sua região. Essa é uma vitória não apenas da AMB, mas sobretudo da Justiça brasileira”, disse. Segundo afirmou, com a ação direta de inconstitucionalidade, “a associação subscreveu a indignação dos presidentes de tribunais estaduais que, após a edição da Resolução do CNJ, tiveram subtraída a competência de decidir sobre o horário de funcionamento das cortes”.

Calandra explicou que a liminar do ministro Fux, além de garantir a autonomia dos tribunais, também resguardou a competência legislativa do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, assim como do próprio Supremo. “A edição de normas a serem aplicadas em todo Brasil é competência do Congresso Nacional, após iniciativa do STF, e posterior sanção do Presidente da República”, afirmou.

O Conselho Nacional de Justiça não se manifestou sobre a decisão do Supremo. Mas algumas entidades essenciais à administração da Justiça, conforme estabeleceu a Constituição, se manifestaram totalmente contrárias à liminar concedida pelo ministro Fux. Foi o caso da Ordem dos Advogados do Brasil, que classificou a decisão como um atentado contra o acesso à Justiça.

“A permanecer a interpretação de que cada tribunal pode fazer o seu horário, não se estará privilegiando o acesso à Justiça nem respeitando o princípio da isonomia entre os cidadãos”, afirmou o presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcanti, por ocasião da liminar. De acordo com ele, a prevalecer a regra atual, em que há tribunais que trabalham seis horas, enquanto outros trabalham sete ou oito horas, o país terá alguns estados em que cidadãos terão  tratamento diferente de outros, ferindo-se assim o princípio da isonomia.

Na avaliação de Cavalcanti, se perdurar essa situação, a independência constitucional entre os poderes também fica ameaçada. “A independência dos poderes tem por meta servir ao povo e não aos próprios poderes; se não houver a consciência de que a Justiça é um valor da sociedade, vamos continuar com essa lógica de que o poder é mais importante que o povo”, afirmou.

Apesar da liminar, alguns tribunais decidiram manter o atendimento ao público nos moldes determinados pelo CNJ. É o caso do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ-PE), que editou uma resolução própria estabelecendo o funcionamento de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h.