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Falta gestão aos tribunais

30 de novembro de 2009

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A administração inadequada do Judiciário está diretamente relacionada a problemas tais como a morosidade judicial e a falta de investimentos para atender melhor ao cidadão. É o que revela pesquisa da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), divulgada durante o XX Congresso Brasileiro de Magistrados, promovido pela entidade em São Paulo, entre os dias 29 e 31 de outubro último. Segundo o levantamento, as unidades da federação com alto índice de desenvolvimento foram as que mais desembolsaram com a Justiça em termos absolutos. Maria Tereza Sadek, professora da Universidade de São Paulo, especialista em Judiciário e autora da pesquisa, compilou os dados consolidados pelo Conselho Nacional de Justiça nas publicações do ‘Justiça em Números’ e os comparou com outros de natureza socioeconômica, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos estados e a participação do Judiciário local no Produto Interno Bruto (PIB). A pesquisa “Justiça em Números: Novos Ângulos” evidenciou que não é automática a correlação entre carga de trabalho e lentidão no Judiciário dos estados e apontou a necessidade de uma administração mais qualificada das cortes judiciais. De acordo com a pesquisa, o volume de trabalho poderia ser um fator a explicar o desempenho das cortes. Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina e Distrito Federal — estados com maior IDH — registraram mais processos em 2007 que os outros 14 que compõem o grupo com baixo e médio/baixo desenvolvimento. O número de casos novos por 100 mil habitantes nessas unidades da federação foi 13.833, enquanto nos estados com baixo e médio/baixo IDH foi 10.790. A mesma situação se verificou no ano passado: foram 14.232 processos nos estados com alto desenvolvimento contra 11.118 nos de menor desenvolvimento. Também em 2007, segundo o estudo, a carga de trabalho dos juízes de 1º grau nos estados com alto desenvolvimento foi 2,20 vezes maior que nos de menor desenvolvimento. Em 2008, o índice foi 2,56 vezes maior. Na segunda instância, a taxa era parecida em todos os estados, mas, no ano passado, alterou-se, passando aqueles com maior desenvolvimento a registrar carga de trabalho 93% superior a das outras unidades da federação menos desenvolvidas. Isso se explica pelo volume de processos, que aumentou em 45%. “A maior crítica que se faz ao Judiciário diz respeito à sua morosidade. No entanto, será que existe alguma explicação que possa ser encontrada na própria máquina? Ou seja, o número de juízes, a despesa, a quantidade de computadores, a carga de trabalho e o número de casos novos interferem na taxa de congestionamento? O primeiro indicador que usei é o número de juízes e a taxa de congestionamento. Vimos que nada bate, que nenhum dos fatores externos explica a lentidão, o que nos leva à conclusão de que o desempenho do Judiciário depende fortemente da administração interna“, afirmou Maria Tereza. De acordo com a Professora, as mazelas do Judiciário decorrem da incapacidade de muitos gestores em alocar os recursos de forma adequada. Nesse esforço em prol da administração mais qualificada, Maria Tereza destaca a importância de todos os magistrados participarem da gestão. Nesse sentido, a AMB lançou a campanha “Gestão Democrática do Poder Judiciário”, como forma de incentivar os juízes e servidores a participarem da elaboração e administração do orçamento das cortes as quais integram. O Presidente da Associação, Mozart Valadares, afirmou que 99% dos magistrados desconhecem os valores que a administração dos tribunais destina anualmente para a comarca em que atuam. Segundo afirmou, a transparência na aplicação dos recursos é necessária para evitar problemas relacionados à falta de estrutura, tais como ausência de segurança nos fóruns, carência de pessoal e pouca informatização. A campanha prevê o oferecimento de cursos à distância aos magistrados pela Fundação Getúlio Vargas, e presenciais pela Escola Nacional da Magistratura, assim como outras 16 escolas no âmbito dos estados. A AMB também irá promover seminários sobre o tema nas associações regionais e disponibilizará um site, já a partir de novembro, com informações sobre o assunto. A entidade também realizará pesquisas de opinião junto a juízes e serventuários sobre quais seriam as prioridades nas comarcas em que trabalham. E, por último, irá propor ao Ministério da Educação a inclusão da disciplina Gestão do Judiciário na grade curricular dos cursos de Direito. Mozart Valadares lembrou que a gestão precária do Judiciário decorre principalmente do fato de os magistrados não terem tido formação para desempenhar essa função. “Nossa formação é jurídica. Antes da Constituição Federal de 1988, não tínhamos autonomia financeira nem administrativa. O cargo de presidente de tribunal era algo honorífico, para o coroamento da carreira. Essa campanha é histórica. Visa a preparar melhor o juiz. Vamos exigir do magistrado que comece a se interessar pela gestão do Judiciário”, afirmou. A iniciativa da AMB recebeu elogios do Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça, Gilmar Mendes. “O que percebemos nas inspeções do CNJ é uma concentração de gastos nos tribunais e falta de investimento na Justiça de primeiro grau, exatamente aonde o cidadão vai procurar justiça. A partir dessa postura, acredito que vamos mudar esse quadro”, disse o Ministro, no Congresso. Na avaliação de Gilmar Mendes, a participação dos magistrados na preparação do orçamento é fundamental. Ele lembrou que o Judiciário é cada vez mais demandado. Somente no ano passado foram 70 milhões de novas ações. “Tenho a impressão de que é fundamental a participação do juiz no que tange à formulação do planejamento estratégico”, afirmou o Ministro, destacando a preocupação do CNJ, órgão de fiscalização e estratégia do Judiciário brasileiro, com a questão do planejamento. Ele destacou a Resolução número 70 do Conselho, editada com o intuito de fixar um prazo de cinco anos para a aplicação dos planos de gestão dos tribunais. O objetivo da medida é garantir a continuidade das iniciativas desenvolvidas entre uma administração e outra, tendo em vista que o mandato nos cargos diretivos dos tribunais não ultrapassa dois anos. Gilmar Mendes ressaltou ainda a importância de os magistrados, de um modo geral, se empenharem para desenvolver uma boa gestão. “Participar da gestão não significa apenas ter ingerência nessas definições globais. O juiz será um bom gestor se mantiver a sua vara atualizada; se tiver vencido a Meta 2, que prevê o julgamento das ações distribuídas até dezembro de 2005 até o final deste ano; se não tiver processo em prescrição. Ser um bom gestor não significa apenas estar bem informado sobre o orçamento de sua unidade judicial, mas gerir bem a sua própria vara”, afirmou.