Fonajus debate soluções para reduzir a judicialização na saúde

8 de dezembro de 2022

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Foi realizado em novembro, em São Paulo, o 1o Congresso do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde (Fonajus), produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). O evento contou com a participação de médicos, pesquisadores, operadores do Direito e representantes de diversas entidades do setor de saúde que debateram, em 18 painéis, diferentes propostas para reduzir os altos índices de judicialização relacionada à Saúde. 

Principal responsável pela organização do evento, o Conselheiro do CNJ Richard Pae Kim, supervisor do Fonajus no CNJ, expressou sua intenção de que o Congresso produza resultados concretos para a melhoria das políticas judiciárias e de saúde. “Pretendemos cumprir nossa missão constitucional, de cada um dos órgãos e entidades participantes, e contribuir para que o sistema de Justiça dê tratamento adequado às demandas de saúde”, declarou.

O Judiciário hoje é tomado por questões importantíssimas da área de saúde, tanto no setor privado quanto público. Tenho certeza de que esse debate será muito profícuo para todos nós, seja da área da medicina, da administração, da saúde ou do Direito. Pensar em novas possibilidades de solucionar os problemas é o que todos nós estamos buscando aqui”, declarou a Presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), Vanessa Ribeiro Mateus, Juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

Por sua vez, Mario Sarrubo, Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo, ressaltou a importância do caráter de interdisciplinaridade do evento. “Esse encontro, tenho certeza, consagrará o Brasil como um Estado Democrático de Direito. Na medida em que a saúde, que é um direito social, passará a ser um direito acessível a um número cada vez maior de pessoas”. Para o Desembargador Wanderley José Federighi, Presidente da Seção de Direito Público do TJSP, o Fonajus traz uma discussão necessária sobre diversos temas referentes à judicialização, à competência e ao fornecimento de medicamentos e disponibilização de tratamentos. 

“A quantidade de demandas de questões de saúde que chegam ao Judiciário federal é avassaladora e tem nos causado muita angústia, muita dificuldade”, reforçou a Desembargadora Marisa Santos, Presidente do Tribunal Regional Federal da 3a Região (TRF3). O Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Paulo Dias de Moura Ribeiro, também enalteceu os objetivos do Fonajus. “O que estamos fazendo aqui é exatamente procurar um nível de segurança jurídica, porque as pessoas precisam ter garantias, principalmente quanto à saúde”.

Incorporação de novas tecnologias – O painel “Evidências na incorporação de novas tecnologias em saúde”, coordenado pelo Ministro Moura Ribeiro, trouxe a posição da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), na palestra de seu diretor de desenvolvimento, Maurício Nunes da Silva. Ele abordou os principais desafios do setor, que passam pela limitação de recursos para acompanhar a evolução tecnológica, indispensável para o trabalho Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conintec), que incorpora novos medicamentos, procedimentos e tecnologias médicas ao rol de eventos em saúde da ANS.

O assunto voltou a ser abordado no painel “Atualização do rol de procedimentos”, que contou com a participação da advogada do Programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Marina Paullelli, e do diretor de Normas e Habilitação dos Produtos da ANS, Alexandre Fioranelli. Marina abordou os aspectos jurídicos no que se refere à cobertura e ao acesso pelos consumidores aos procedimentos e medicamentos que fazem parte do rol. Alexandre esclareceu que  rol é periodicamente atualizado e tem como premissa a defesa do interesse público e a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do setor. “A incorporação do rol tem como base ferramentas de avaliação de tecnologia em saúde e os princípios da saúde baseada em evidências”, esclareceu.

Já o painel “A judicialização da saúde na visão do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Federal de Farmácia” colocou em lados opostos dois dos mais importantes organismos do setor da saúde no País. Para a Procuradora do CFM Giselle Gracindo a composição é sempre o melhor caminho para equilibrar possíveis impactos da judicialização. “A lei da composição tem como necessário um conhecimento técnico médico-científico específico sobre as matérias levadas ao Judiciário no tocante aos dilemas da saúde. Já para o assessor de Relações Institucionais do CRF-RS, Everton Borges, para reduzir a judicialização é preciso garantir que os medicamentos que são de distribuição obrigatória pelos municípios precisam “estar de fato na farmácia pública, sem negativa de fornecimento”.

Saúde suplementar – A Diretora Executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), Vera Valente, destacou a relevância do segmento no Brasil. “As operadoras têm um papel muito importante no País. Elas hoje cuidam de 50 milhões de beneficiários de planos médicos e de 30 milhões que contam com planos odontológicos. São quase 700 operadoras que respondem por 3% do PIB e por 4,8 milhões de empregos”, esclareceu. Ela também deixou registrado um dos desafios do setor. “Não só no Brasil, mas no mundo, acontece a escalada dos custos em saúde, estamos vivendo mais, temos tecnologias cada vez mais sofisticadas e caras, há uma mudança importante do perfil epidemiológico, com doenças crônicas, que exigem cuidados prolongados continuados”, disse, para introduzir a questão dos modelos de pagamento atuais e as mudanças necessárias para equalizar a balança do setor.

No painel “Reajustes e demandas judiciais”, com a apresentação da Gerente Econômico-financeira e Atuarial de Produtos da ANS, Danielle Rodrigues, foram detalhados os quesitos que envolvem o reajuste dos planos de saúde em suas diferentes modalidades. O Juiz de Direito do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) Luiz Mário Moutinho, complementou o tema com uma perspectiva jurídica dos valores cobrados pelos planos de saúde. A professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e colaboradora do Idec, Ligia Bahia, finalizou o painel com a apresentação de pesquisas realizadas pelo órgão, segundo as quais o valor médio que se paga por um plano de saúde aumentou no Brasil em 600% entre 2002 e 2021.

Saúde pública e participação dos ministros – Para falar no painel “Financiamento do SUS” foram convidados o Secretário Executivo do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Mauro Junqueira, a Secretária-Adjunta de Atenção Especializada à Saúde do Ministério da Saúde, Maria Inez Gadelha, e o assessor técnico do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, Leonardo Moura Vilela. O tema envolve todas as questões já abordados no Fonajus, uma vez que boa parte dos problemas e das dificuldades a serem equacionadas, assim como as discussões sobre tratamentos e oferta de medicamentos, se voltam para a estrutura de financiamento do SUS. Mauro Junqueira defendeu e apontou como prioritária a necessidade de aumentar os recursos em saúde, melhorar a capacitação na formação médica e fortalecer as redes municipais de atenção básica. Segundo ele, o gasto federal com o SUS está estacionado em 1,6% do PIB há duas décadas, sendo que os municípios passaram de 0,8% para 1,26%.

Além do ministro Moura Ribeiro, o Fonajus contou com painéis coordenados por outros ministros do STJ, como o ex-presidente do Tribunal Humberto Martins, do Corregedor Nacional de Justiça Luis Felipe Salomão e do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, todos membros do Conselho Editorial da Revista JC.

“Sempre pensei na necessidade de interlocução entre a sociedade e o Poder Judiciário, para que possam compreender a grandiosidade e a dinâmica do complexo Sistema de Saúde”, comentou no encerramento o ex-conselheiro do CNJ e atual Diretor Presidente da Fundação Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e membro do Comitê Executivo Nacional do Fonajus, Arnaldo Hossepian.

De tudo o que foi debatido em dois dias de Fórum, restou a certeza de que um rico acervo de informações foi consolidado para apontar caminhos capazes de solucionar a alta demanda de judicialização. Segundo o CNJ, atualmente, há 520 mil processos referentes à saúde em tramitação na Justiça.

“Vivemos uma sociedade capitalista, mas queremos uma sociedade capitalista que tenha alma, que seja de fato minimamente fraterna. O SUS sofre, os planos de saúde sofrem com a questão dos medicamentos, mas temos direito a ter direitos e, com isso, os debates são intensos e necessários”, pontuou o Ministro Moura Ribeiro.