Formalismo e processo – Uma brevíssima visão

1 de julho de 2013

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1 – Introdução

Busco com o presente trabalho um brevíssimo estudo relativo a forma processual, tendo por base o exame os conceitos teóricos de instrumentalidade do processo e formalismo valorativo.

De igual maneira, busco analisar a importância e necessidade da forma.

2 – Panorama social e a norma jurídica

Recordando as lições de Calmon de Passos o comportamento humano é um fato social e como tal pode estar abarcado pela norma jurídica, com todos os seus regulares atributos e peculiaridades, previamente estabelecidos e com a impositividade que lhe é inerente1. Assim, a norma jurídica tem como arcabouço a conduta humana e a necessidade de regulamentá-la.

A produção do direito e o consequente surgimento da norma não decorrem, em regimes democráticos regularmente estabelecidos, da vontade arbitrária de um ditador ou do Estado autoritário, mas sim, obedecendo a toda uma ritualística previamente concebida pelo próprio ordenamento em conformidade com os anseios sociais.

Desta forma, verificamos a participação coletiva na formação do regramento, influindo, ainda que indiretamente na sua gênese.

A norma surge como reflexo dos anseios sociais, construída com base num regramento pré-estabelecido e democraticamente previsto, acolhido pela vontade de toda sociedade. Com isso, inevitavelmente, o rito e conteúdo da norma devem ter como premissas centrais os ditames constitucionais e as garantias fundamentais tão duramente alcançadas.

Concebermos qualquer regramento distanciado destes valores importaria na violação da ordem jurídica e comprometimento do Estado Democrático de Direito.

Assim, podemos afirmar que resta inviável a construção de um cenário jurídico distanciado das garantias fundamentais, sob pena de comprometermos nossa essência democrática.

O mesmo cenário deve ser buscado quando tratamos do regramento processual, com especial atenção as garantias fundamentais do processo.

O processo nasce de uma progressiva evolução histórico-social2, sendo fruto da nossa cultura, experiências sociais, mazelas e valores ligados ao homem. Não podemos conceber um processo surgido instantaneamente, concebido por um caminho arbitrário e impositivo.

Assim, falamos de uma construção calçada no decorrer dos anos e da experiência humana, marcada pelas peculiaridades de seu povo, por suas características culturais, educacionais e sociais3.

O procedimento previamente estabelecido carrega a certeza de cada passo percorrido no curso da relação processual. Afinal, no momento em que a norma identifica o procedimento a ser seguido, damos à sociedade a certeza e segurança das opções rituais a serem percorridas, com a previsão antecipada de cada passo, norteando as consequências eventualmente advindas.

Outrossim, doutrina Alvaro de Oliveira que, ao contrário de uma possível concepção inicial, o formalismo deflagra tanto a efetividade4, quanto a segurança do processo, tendo sofrido uma deturpada leitura no decorrer dos anos, apenas voltada para a sua vertente mais negativa5.

Deste modo, a forma processual desponta como uma necessidade ao processo, não podendo ser abolida sob pena de abrirmos espaço para um cenário ditatorial.

O julgador por sua despótica vontade não poderá criar ou estabelecer seus próprios rumos e efeitos não concebidos pelo ordenamento, com um condão claramente subjetivo. Teríamos uma seara de culto ao arbítrio, na qual tudo seria possível.

Portanto, a forma serve como mecanismo para minimizar os riscos da discricionariedade e do arbítrio, compelindo o julgador a caminhar conforme os passos que a sociedade o impõe por força da norma jurídica democraticamente estabelecida.

O julgador não verterá suas posições por cânones de cunho pessoal, ajustados por valores personalíssimos, ao contrário, deverá pautar-se por modelos pré-constituídos como decorrência do princípio da legalidade6, ínsito as estatizações normativas e aos valores basilares da democracia.

Devemos recordar que a lei não obsta a atividade criativa e intelectiva do magistrado. Tal condicionante não afasta o livre convencimento do julgador, e toda sua produção criativa (humana) que a conduz, já que produz seu entendimento modulado pelo ordenamento legal e constitucional, exercitando a atividade hermenêutica e dedutiva a cada passo.

Assim, temos um cenário em que a produção intelectual e a norma convivem em perfeita sintonia, do contrário teríamos uma ciência matemática e mecânica. Com isso, concluímos que a formação do convencimento difere do arbítrio, estando o julgador circunscrito e limitado à vontade estatal.

Assim, resta a sociedade a certeza de que a atuação estatal se baseia no ordenamento vigente e válido, reduzindo ao máximo o campo das decisões personalíssimas, convicções pessoais e incertezas, com isso, incitamos e promovemos uma cultura de confiança da sociedade na condução dos julgados.

Com o procedimento determinado por força legal, vivenciamos a submissão do juiz ao mesmo, com igual relevância a motivação das decisões judiciais desponta e permite a fiscalização social em torno da atuação do julgador, cenário que impede que cada juiz crie seu próprio procedimento, com toda riqueza de peculiaridades e invencionices, marginalizadas da lei. Do contrário, teríamos a deturpação de valores democráticos caros, maculando o Estado de Direito e as garantias fundamentais que lhe são inerentes.

Afinal, as pessoas esperam e confiam que seus julgamentos seguirão aos ditames da lei, não idealizando espaço para julgamentos estabelecidos e norteados por um critério individual, impregnado pelos mais diversificados valores.

Ressalta Leonardo Greco:

Penso que essa situação – de criação de um procedimento alternativo pelo juiz – não é desejável, pois impede que as partes arquitetem a defesa dos seus interesses, já que para planejá-la é necessário que haja uma previsão da sequência dos atos do processo e dos seus possíveis desdobramentos. A mudança de rumo do processo retira essa previsibilidade e pode causar prejuízo grave à ampla defesa das partes. Então, o procedimento legal bem-estruturado, seja sumário ou de maior amplitude, deve permitir às partes essa previsibilidade.7

O processo necessita de um mínimo organizacional para conduzir-se ao seu destino, com o claro estabelecimento das regras de distribuição de funções, atribuições e poderes daqueles que nele atuam.

Ou seja, não podemos conceber um processo sem nos pautarmos por um regramento mínimo, despido de qualquer forma, sendo inconcebível a ideia da entrega do rito a concepção individual de cada julgador8.

3 – Formalismo

Contudo, não existe formalismo por formalismo, oco, vazio. A forma processual não se justifica por si só, como um ser autônomo e distante da realidade posta em exame.

Neste sentido, temos a lição do já mencionado Alvaro de Oliveira:

A sedimentação desse modo de pensar obrou para que hoje se encontre pacificado o entendimento de que o procedimento não deve ser apenas um pobre esqueleto sem alma, tornando-se imprescindível ao conceito a regulação da atividade das partes e do órgão judicial, conexa ao contraditório paritário e ainda ao fator temporal, a fatalmente entremear essa mesma atividade9.

Dentro da ideia de que o procedimento não surge autonomamente, devemos construir um espaço crítico, de profunda análise da necessidade da forma diante do caso posto em exame, a legalidade não pode, em sua essência, ser vista como começo, meio e fim. O direito material não pode ser sacrificado por um viés irracional de perseguirmos a forma obsessivamente.

Dalmo Dallari ensina que o apego exagerado às formalidades, sem preocupação reflexiva com a justiça decorre de uma herança do positivismo jurídico desenvolvido no século XIX, tendo sua gênese numa aplicação destorcida e imprópria de um preceito muito antigo enunciado por Platão e desenvolvido por Aristóteles segundo o qual “um governo de leis é melhor que um governo de homens”. Afinal, com as revoluções burguesas e a ascensão do legalismo, ele passou a ser a única cura contra o arbítrio10.

Adverte Leonardo Greco que devemos ter a cautela necessária para que uma conduta exageradamente formalista não iniba o caminhar processual, sempre com a permanente atenção ao resguardo das garantias fundamentais do processo como o contraditório participativo e ampla defesa, nos ensinando:

O juiz pode e deve flexibilizar moderadamente o procedimento, por exemplo, quanto à rigidez dos prazos, quanto à forma de equacionar um incidente de maneira mais adequada possível para não prejudicar a continuidade do processo11.

O caminhar processual mostra-se plenamente concatenado, um sequenciamento ordenado e coligado entre si, marcado por normas que regulam cada passo de sua atuação. O tipo processual surge e é manejado como elemento para minorar incertezas, inseguranças e o arbítrio, como já mencionado.

Reforçando a visão de que o procedimento é um tipo complexo de formação sucessiva, com atos se sucedendo numa ordem necessária e preestabelecida, marcada não apenas por valores cronológicos, mas de relevo jurídico recordamos as lições de Calmon de Passos:

No interior do tipo complexo de formação sucessiva, ser pressuposto ou condição, portanto, depende da posição e da função do ato. Sempre relativa. Um ato pode ser pressuposto de um ato do procedimento e ter funcionado como condição de outro. O deferimento da petição inicial é pressuposto da citação, mas, ao mesmo tempo, a citação é pressuposto do decurso do prazo para a resposta e a citação é condição (fato necessário) para que o efeito revelia se produza. Quando, no processo, um pressuposto diz respeito a todos os atos do procedimento fala-se em pressuposto processual12.

O caminhar procedimental aponta-se como um sequenciado normativo ordenado, com cada ato tendo absoluta relevância jurídica em seu contexto, seja ao ato anterior, seja ao subsequente13.

Apesar disso, a segurança jurídica não pode ser usada como escudo para impedir o progressivo avanço do tempo e de suas consequências, afinal, não devemos perseguir a noção absoluta da imutabilidade, impermeável a ação do tempo, dos novos anseios sociais e do progressivo avanço dos valores e desejos coletivos. Ao contrário, a segurança deve servir a garantia da realidade e ao contínuo progresso dos anseios sociais, caminhando em direção da realidade que se revela14.

Alberto Luis Maurino nos faz relembrar que as mutabilidades das condições sociais têm profunda influência sobre a forma no processo, fato evidenciado na V Jornada Latino-Americana de Direito Processual:

Las bases propuestas em las V Jornadas Latinoamericanas de Derecho Procesal (Bogotá, 1970), destacan que el proceso moderno debe ser antiformalista, y que corresponde contemplar las formalidades sólo em cuanto tengan um contenido. La dificultad radica em encontrar um sistema formal lógico, o em hallar el término medio, “según las condiciones de vida y necesidades en un determinado momento.

Las formas, al igual que las nulidades procesales, no permanecen estáticas. Se dinamizan em función de las condiciones sociales y políticas de cada época y, en definitiva, dependen de la confianza que el orden judicial inspire a lós ciudadanos15.

Portanto, não devemos desconsiderar o progressivo avanço do tempo comprometendo a dinâmica processual estabelecida por uma norma estática, cunhada para uma realidade que pode não mais se justificar.

A mesma realidade do avanço do tempo e o dinamismo social, sempre tendo por arrimo a preservação das garantias fundamentais (especialmente ao direito fundamental ao processo justo), foi objeto de atenção de Alvaro de Oliveira:

Não se cuida mais de um genérico direito ao processo, assentado em direitos estáticos. Trata-se de assegurar, a partir de conceitos de equanimidade e de justiça, não apenas a suficiência quantitativa mínima dos ‘meios processuais’, mas também um ‘resultado’ qualitativamente diferenciado. Desse modo, a partir das premissas antes estabelecidas, é possível extrair as consequências de que, no quadro dos direitos fundamentais constitucionais, o ‘direito ao processo’ não é caracterizado por um objeto puramente formal ou abstrato (‘processo’ tout court), mas assume um conteúdo modal qualificado (‘direito ao processo justo’), que é exatamente a face dinâmica do ‘devido processo legal’16.

Se podemos deduzir algo de qualquer dogmática ritualística é de que ela é servil ao processo justo e a todas as garantias que lhe são inerentes, como fatores a preservação dos direitos fundamentais e da liberdade humana. Afinal, a forma serve ao processo na incansável busca de seu fim.

Vivemos um momento científico de profunda relativização das nulidades processuais no qual o processo é manejado como instrumento para a decisão meritória final, não sendo seus pressupostos autênticos obstáculos ao pleno exercício da jurisdição, sendo um motivo consistente que nos encaminha para o exame da aplicação mais racional da forma17.

Outrossim, na procura por um resultado mais efetivo, devemos buscar um fim mais adequado às pretensões sociais, culturais e profissionais dos personagens do processo, marcadamente pela necessidade de um feito alicerçado num viés cooperativo, fator primordial para o processo moderno. No mais recente cenário normativo testemunhamos uma forte tendência de valorização de uma participação mais cooperativa dos litigantes.

Neil Andrews, citando um julgado da Corte de Apelação, trata do papel que deve prevalecer, como decorrência do dever de cooperação:

A Corte de Apelação já afirmou que: “o equilíbrio entre o dever do advogado em relação ao seu cliente e o dever do advogado em relação à Corte deve refletir a mudança evolutiva dentro do sistema de Justiça Civil. Se as alternativas evolutivas são necessárias para corresponder às reformas da Justiça Civil, elas devem (…) ser dirigidas a reforçar o papel da corte”18.

Destarte, o comportamento humano é fundamental para um resultado mais efetivo do processo, evitando táticas oportunistas e combativas, marcado pela prudência e disciplina na formulação de demandas em juízo.

Têm os direitos e garantias fundamentais um papel de absoluta relevância já que se colocam como pano de fundo a domesticar o arbítrio estatal no processo, marcando a relação processual como um cenário vivo da democracia.

Ao definir o conceito de procedimento Leonardo Greco reforça a necessidade de adaptar o procedimento as peculiaridades da relação jurídica posta em exame, conforme:

Já o procedimento é o rito ou forma que adotam os atos que compõem o processo; rito porque a lei regula todos os atos do processo numa sequência dotada de racionalidade, numa sequência lógica e adaptada, muitas vezes, às peculiaridades da relação jurídica de direito material. Dessa forma, se o Código Civil assegura a proteção possessória imediata contra o esbulho ou a turbação (art. 1210), a lei processual precisa proporcionar um procedimento que concretize a tutela desse bem jurídico de forma célere. Assim, no procedimento das ações possessórias, tem-se a possibilidade de ser proferida uma decisão liminar de manutenção ou de reintegração da posse (CPC, art. 928)19.

Para Leonardo Greco o procedimento deve ser regulado por lei para atender de forma mais adequada, econômica e eficaz à finalidade do processo, que é a prestação jurisdicional sobre o direito material20. Desta forma, atuará o procedimento com o escopo de adequar-se ao fim que se pretende almejar, considerando as especificidades de cada caso apresentado.

Aliás, trata-se de uma tendência moderna a preocupação e valorização dos mecanismos pela luta contra a opressão política e econômica imposta tanto aos direitos individuais como coletivos. No plano coletivo vemos uma maior participação popular e o surgimento de remédios como ações populares e ações civis públicas como termômetros desta mudança, o reflexo desta necessidade social. Já no plano individual vimos surgir valores como cidadania, dignidade humana, efetividade, eficiência, acesso à justiça entre outros como autênticos fios condutores da moderna hermenêutica processual.

Devemos prever que, ao longo da relação processual, podemos testemunhar conflitos entre valores fundamentais, recomendando a adaptação do rito em prol da preservação do resultado justo, para a satisfação daqueles envolvidos na dinâmica processual.

Assim, as peculiaridades do caso concreto e o conflito/choque de valores e princípios constitucionais recomendam a adequação procedimental como fator a conduzir ao melhor resultado no processo para satisfação do direito material.

Em alguns casos teremos a tarefa de empreender os meios concretamente mais eficientes para que o processo alcance sua finalidade, tendo por ideal por a técnica processual a serviço do direito material e para os fins nos quais o processo se presta:

O ideal é colocar a técnica processual a serviço do direito material e dos fins últimos do processo, limitando-se o mínimo possível o desempenho dos sujeitos processuais, de modo que a regulação contenha apenas o indispensável para uma condução bem organizada e proporcionada do feito21.

O processo e a forma não podem servir de obstáculos à finalidade maior primordial do processo, ao seu propósito basilar que é a justa composição meritória, amparado nas garantias fundamentais, em especial o contraditório, ampla defesa e devido processo legal22.

Afinal, nos ensina Pierro Calamandrei que todo procedimento comporta um grau de iniciativa e atuação subjetivas, que não podem ser compreendidos e normatizados juridicamente:

Por consecuencia, todo ‘procedimiento’ tiene esta característica: que por minuciosas que sean las disposiciones que disciplinan su desarrollo, las actividades que lo componen no pueden ser previstas de manera tan rigurosa que no dejen cierto marjen a la iniciativa y a la discreción del que debe cumplirlas23.

Canotilho nos ensina que do princípio do Estado de Direito, decorre a exigência de observância do procedimento justo e adequado de acesso e realização do direito24.

Ou seja, o processo deve ser manejado como efetivo instrumento de proteção dos direitos fundamentais, decorrentes da aplicação reflexiva da liberdade, igualdade e incidência de regras – jamais como obstáculo a realização do direito material.

Processo é um instrumento, uma via apropriada para realização e aplicação social dos direitos fundamentais, a busca permanente pelo processo justo recomenda a adoção de um procedimento adequado, compatível à realidade do caso concreto, assim concluímos que: processo justo é aquele adequado e estruturado à proteção dos direitos fundamentais25.

Falando na abolição de algumas formas que se revelam inadequadas, devemos partir da adaptação procedimental, modulada, irremediavelmente, pela e para a preservação das garantias do devido processo legal (e, especialmente, ao contraditório), como leciona Maurino, arrimado na doutrina dos mestres Goldschmidt, Schonke e Berizonce:

En suma, son irrenunciables, según GOLDSCHMIDT y SCHONKE, a quienes sigue BERIZONCE, aquellas formas que tienden a la “preservación de la bilateradad del contraditorio”, y en general, como dice AMAYA, a la garantia del debido proceso.

Se hace referencia al tope de disponibilidad de las formas que sería el de que no se violen las garantias del debido proceso legal26.

Como instrui Piero Calamandrei, o contraditório é um princípio fundamental do processo moderno, sua força motriz, sua garantia suprema. O juiz não está só no processo, não exerce um monólogo, ao contrário, temos um democrático campo de diálogo, proposições, réplicas, tréplicas, ações, reações e estímulos, em decorrência, a dialética revela-se como valor mais precioso e típico do processo moderno27.

A cada aplicação do nosso ordenamento, submetemos o regramento ao avançar de uma nova realidade fático-social, carecendo, dia a dia, do vanguardismo das novas interpretações ajustadas às novas realidades sociais. Ou seja, o rito que saciava a uma realidade outrora pode não mais ser compatível ao que a sociedade hoje espera28.

Deste modo, a norma jurídica deve ser manejada para a satisfação das pretensões humanas, eis que enuncia uma solução em sua essência, não sendo em si uma barreira irracional à busca pela realização da justiça29.

A forma por si e em si não pode servir de obstáculo para um resultado justo que se avista próximo das mãos e satisfatório aos anseios do jurisdicionado. Reiterando, sempre com a preservação das garantias fundamentais e do processo justo, tendo a instrumentalidade papel crucial de perseguir frutos eficazes e legítimos, mais penetrante e adaptado à problemática sócio-jurídica.

Temos testemunhado severas críticas ao Judiciário que, em um sem número de casos, relega a segundo plano a realização da justiça com o único propósito de seguir irracionalmente a legalidade, aos números, as metas. Tomam a legalidade como valor absoluto, como se por ela transformássemos o errado no certo, o preto no branco, uma verdadeira vara de condão capaz de legitimar as mais bestiais aberrações.

Do dia para a noite testemunhamos uma verdadeira invasão de administradores, engenheiros, gestores, economistas, etc. que apresentam fórmulas caolhas para mazelas sociais. O manejo da matemática, números, tabelas, estatísticas como solução para problemas essencialmente humanos, como se com o uso de estatísticas e fórmulas numéricas curássemos as cicatrizes dos casos postos. Duração razoável, acesso à justiça, efetividade não permitem a clausura dos números.

Voltando ao formalismo, Dalmo Dallari, confrontando o tema com a abstração da realidade, clama por uma reforma de mentalidade, escrevendo:

A primeira grande reforma que deve ocorrer no Judiciário, e sem dúvida a mais importante de todas, é a mudança de mentalidade. Embora se tenha tornado habitual, na linguagem comum do povo, a referência ao Judiciário como sendo “a Justiça”, o fato é que a grande maioria das decisões judiciais, sobretudo dos tribunais superiores dos Estados e do país, fica evidente que existe preocupação bem maior com a legalidade do que com a justiça. (…) São frequentes as sentenças e os acórdãos dos tribunais recheados de citações eruditas, escritos em linguagem rebuscada e centrados na discussão de formalidades processuais, dando pouca ou nenhuma importância à questão da justiça30.

Kazuo Watanabe revela que os processualistas partem hoje para a busca de instrumentos mais efetivos para o processo, dentro de uma ótica mais abrangente e penetrante de toda problemática sócio-jurídica. Não se tratando de negar os resultados científicos obtidos até então.

O que se pretende é fazer com que dessas conquistas doutrinárias e de seus melhores resultados, resultem um sólido patamar para, com uma visão crítica e mais ampla da utilidade do processo, procedendo ao melhor estudo dos institutos processuais – prestigiando ou adaptando ou reformulando os institutos tradicionais ou concebendo novos institutos. Sempre com a preocupação de fazer com que o processo tenha plena e total aderência à realidade sócio-jurídica a que se destina, cumprindo sua primordial vocação, que é a de servir de instrumento à efetiva realização dos direitos.

É a tendência ao instrumentalismo que se denomina substancial em contraposição ao instrumentalismo meramente nominal ou formal31.

O processualismo, como excessiva prioridade do processo diante do direito material, resta por dificultar a manutenção do próprio escopo do processo, colocando de lado o que é verdadeiramente importante no mesmo em detrimento da preservação açodada da forma. O sistema processual deve caminhar em plena sintonia com seu objeto, lembrando Bedaque:

A natureza instrumental do direito processual impõe sejam seus institutos concebidos em conformidade com as necessidades do direito substancial. Em outras palavras, como o processo é meio, a eficácia do sistema processual será medida em função de sua utilidade para o ordenamento material e para a pacificação social. Não interessa, portanto, uma ciência processual conceitualmente perfeita, mas que não consiga atingir os resultados a que se propõe. Menos tecnicismo e mais justiça, é o que se pretende32.

Maurino, recordando as lições de BERIZONCE também ratifica a problemática acima revelada:

Claro esta que el exagerar el formalismo a ultranza llevaría a la situación que com acierto describe BERIZONCE de “degeneración del formalismo em formulismo”33.

4 – Princípio da adequação ou adaptabilidade

Pela adequação (ou adaptabilidade) buscamos a máxima efetividade no exercício da prestação jurisdicional, desta forma, a função processual correspondendo à adequada estrutura procedimental.

Quer pelas faces subjetiva, objetiva ou teleológica a adaptação caminha para que o processo tenha a máxima eficiência, como dito, quer pelas partes, quer pela natureza do bem jurídico material em disputa ou pelas diversas funções da jurisdição nos ritos internos de cada processo.

Busca-se a elasticidade procedimental34 com foco no ajustamento ao caso concreto, adaptando-se às peculiaridades da relação substancial apresentada.

Parece inconcebível a previsão de um único e rígido procedimento para todos os litígios existentes sem qualquer distinção, não permitindo moldar-se as características e heterogeneidades postas pela amplitude da existência humana e sua gama de conflitos.

A tendência moderna é da fuga do procedimento único e estático, com adoção de formas variantes, amparada na dita diversidade concreta.

Como já sustentamos a forma revela-se necessária para a tramitação e resolução do processo, sem elas temos incertezas e desordens35.

5 – Breves conceitos pertinentes ao devido processo legal e dignidade humana

Trata-se da garantia fundamental do processo de maior conteúdo científico, eis que comporta em seu conteúdo uma série de outras garantias igualmente relevantes, encontrando sua previsão no art. 5º, LIV da CF/8836.

O devido processo legal deve ser compreendido por seu enfoque ético-político, especialmente tendo como arcabouço o princípio central da dignidade da pessoa humana37, já que desponta como um dos valores mais preciosos desta, tornando concreto em cada caso examinado e posto o respeito inafastável a esta exigência capital que reflete os direitos fundamentais do cidadão.

Vivemos uma tendência moderna humanizadora, tendo e colocando o ser humano como fonte e fim de todo nosso ordenamento normativo, do homem e para o homem, marcadamente após as experiências decorrentes da segunda grande guerra e dos processos de genocídios que testemunhamos na África e Europa.

Canotilho doutrina que a ideia de dignidade humana é um princípio antrópico, que acolhe a ideia pré-moderna e moderna da dignitas-hominis, do indivíduo conformador de si próprio e de sua vida segundo o seu próprio projeto espiritual. Prossegue recordando que a experiência aniquiladora do homem (nazismo, escravidão, genocídios, etc.), significa a dignidade o reconhecimento do homo noumenon, o indivíduo como fundamento e limite da república. Reconhecimento da dignidade humana como núcleo essencial da república, afinal, o republicanismo não encontra amparo em qualquer doutrina filosófica, religiosa ou moral (regularmente utilizada pelos regimes totalitários)38. O ser humano como fundamento e limite da república, início, meio e fim desta.

Assim, a atividade estatal deverá pautar-se pelo valor da dignidade humana, irradiada para todo nosso ordenamento, especialmente após destacar-se como fundamento do Estado Democrático de Direito (art.1º, III da CF/88), ao lado de diversos outros princípios igualmente relevantes, como: republicano, separação de poderes, entre outros.

A dignidade da pessoa humana desponta como vetor basal da nossa Constituição, sustentando nosso sistema jurídico e preservando os direitos e garantias fundamentais do cidadão, exteriorizados pelo devido processo legal que se revela como mecanismo de efetivação da dignidade humana.

Retornando ao instituto do devido processo legal, na realidade é uma cláusula geral principiológica que expande seus conceitos por toda atividade estatal, seja administrativa ou jurisdicional, uma conquista da cidadania que abarca toda nossa estrutura jurídica.

Alguns importantes processualistas entendem que bastaria a previsão do devido processo legal para que dogmaticamente compreendêssemos a existência de todos os outros princípios e garantias fundamentais do processo39.

Dele decorre a compreensão de conceitos como igualdade das partes, ampla defesa, contraditório, acesso à justiça, direito à prova, motivação das decisões, duração razoável do processo, garantia do jus actionis, publicidade dos atos processuais, proibição do uso de prova ilícita, duplo grau de jurisdição,entre outros.

Recorda Humberto Ávila que a Constituição não protege apenas um fim, mas a vários, um conjunto deles, que o Estado não resguarda a um único fim, mas a vários princípios a serem realizados pelo Estado concomitantemente40.

Por ela protegemos não apenas o desenvolvimento regular do processo, caminhando no sentido da preservação das garantias fundamentais deste, mas também o exercício do direito de acesso à justiça com o resguardo de toda sua diversidade de garantias processuais.

Corroborando tal afirmativa, especialmente de que as garantias fundamentais do processo estão compreendidas no devido processo legal, Leonardo Greco expõe:

(…) esse conjunto de garantias pode ser sintetizado nas denominações devido processo legal, adotada nas Emendas 5ª e 14ª da Constituição americana, ou processo justo, constante da Convenção Europeia de Direitos Humanos e do recém-reformado artigo 111 da Constituição italiana41.

O direito à tutela jurisdicional adequada, expressão do art. 5º, XXXV da CF/88, tem por gênese a existência de um processo concebido e pautado pelo devido processo legal.

Encontra duas faces teóricas de expressão sinteticamente resumidas abaixo.

Uma primeira através do substantive due process of law representado pelo trinômio vida, liberdade e propriedade, não bastando a simples regularidade formal da decisão ofertada, mas sendo indispensável que a decisão seja substancialmente razoável, decorrendo desta garantia os conceitos de razoabilidade e proporcionalidade. Logo, nesta primeira acepção do devido processo legal, se busca nortear a forma pela qual aplicamos nosso ordenamento normativo, quer na seara jurisdicional, quer administrativa, tendo por enfoque otimizar a busca por uma opção hermenêutica legítima e efetiva, norteados por uma vertente principiológica e no uso de postulados da razoabilidade e proporcionalidade42.

Uma segunda, procedural due process of  law, concebido como garantia ao pleno acesso à justiça, compreendendo o direito de ser processado e processar conforme regramento preestabelecido, decorrente da garantia de um processo justo ou adequado. Norteia o regramento básico a ser seguido, com escopo de índole constitucional, assegurando às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais, legitimando a própria função processual. Avalia-se a lisura do procedimento aplicado por aqueles que estão incumbidos de aplicar a norma jurídica, devendo preservar o devido processo legal, sem adentrar na substância do ato em si43.

Ricardo Maurício Soares trata com primazia o tema relativo ao procedural e substantive due process of law:

Em face de tudo quanto foi exposto, os princípios da isonomia, contraditório, ampla defesa, previsão do juiz natural, inafastabilidade da jurisdição, publicidade dos atos processuais, a motivação das decisões judiciais, duplo grau de jurisdição, proibição do uso da prova ilícita e a duração razoável do processo figuram como as projeções mais importantes do devido processo legal em sentido formal, como garantias processuais que, na condição de subprincípios, densificam/concretizam o macroprincípio do procedural due process of law, assegurando aos cidadãos o livre acesso ao Poder Judiciário, a fim de proteger seus direitos, mediante julgamento público, fundamentado e imparcial de órgão competente, passível de reforma por órgãos jurisdicionais superiores, lastreado em provas lícitas, dentro de um lapso de tempo razoável.44

Por fim, devemos recordar a função hermenêutica do devido processo legal, já que baliza todo nosso ordenamento, funcionando como fidedigno padrão de opção interpretativa a ser perseguido, exigindo e orientando a atuação do intérprete.

Destarte, dentre as opções existentes, o intérprete deverá optar pelo caminho mais compatível ao resguardo das garantias fundamentais do processo, tornando mais técnica e legítima a justa aplicação dos princípios constitucionais ao caso posto45.

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WATANABE, Kazuo. Cognição no processo civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

Notas _______________________________________________________________________

1 PASSOS, José Joaquim Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicadas às nulidades processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 18.

Ainda caminhando nas lições de CALMON DE PASSOS, transcrevo os ensinamentos sempre atuais de NORBERTO BOBBIO para quem “só o poder cria o direito, mas por igual, só o direito limita o poder” (p.10).

2 “Na realidade, de uma ou de outra maneira as diversas espécies de procedimento refletem sempre, numa escala clara, em que medida o Estado realmente respeita a personalidade e a liberdade de seus cidadãos e como são considerados o direito e a justiça. O direito processual vincula, portanto, a relação entre o Estado e o cidadão a um especial e rico pólo de interesse, do mais alto valor substancial, e não a uma simples técnica alterável conforme o gosto e o humor do eventual detentor do poder”. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil. Proposta de um formalismo-valorativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 94.

3 Tratando da questão da cultura OSCAR CHASE leciona: “?Para qué ‘necessitamos’ esta noción de cultura? Creo que la necesitamos, en parte, porque sirve como una forma abreviada de referirse a elementos comunes a las prácticas, valores, símbolos y creencias de cada concreto grupo social. Necesitamos este concepto de cultura además, por su capacidad para explicar por qué instituciones muy diversas surgen em distintas sociedades para hacer frente a problemas que son essencialmente lós mismos. Assumo um concepto de cultura que conlleva elementos comunes que persisten em el tiempo pero que son difícilmente eternos, y que son ampliamente compartidos, pero non de manera uniforme, por uma serie indefinida de sociedades. Citando KROEBER Y KLUCKHOHN, ‘el núcleo essencial de la cultura consiste em ideas tradicionales (históricamente derivadas y seleccionadas) y especialmente em sus valores asociados, los sistemas culturales, por um lado, deben considerarse como producto de su actividad, por outro, como elementos condicionantes de su futuro’”. CHASE, Oscar G.. Derecho, Cultura y ritual. Sistemas de resolución de controversias en un contexto intercultural. Processo y derecho. Tradução: Fernando Martín Diz. Madrid/Barcelona/BuenosAires: Macial Pons, p.25.

4 A celeridade não pode ser operada como verdadeira “foice irracional” importando na violação de garantias e na baixa qualidade da prestação jurisdicional, como lembra Alvaro de Oliveira: “A efetividade virtuosa não pode ser substituída por uma efetividade perniciosa, símbolo de uma mentalidade tecnoburodrática, preocupada mais com a performance, com a estatística, do que com os valores fundamentais do processo”. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil. Proposta de um formalismo-valorativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 115.

5 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil. Proposta de um formalismo-valorativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 98.

6 “Em razão do princípio da legalidade, que rege a atuação do Estado e de seus agentes, dentre eles os magistrados, todo o processo judicial, como uma relação jurídica de direito público, tem o seu procedimento previsto em lei”. GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Introdução ao Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 347.

7 GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Introdução ao Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 355.

Vale também análise do trabalho: REDONDO, Bruno Garcia. Réplica, Tréplica e Quadrúplica no Direito Processual Civil: esmiuçando o estudo de relevantes institutos desprestigiados. Dissertação (Mestrado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. In: Revista de Processo. São Paulo: RT, 2013, v. 125, p. 87.

8 A história recente indica um procedimento totalmente deixado nas mãos do Juiz. Trata-se, especificamente do Cantão Suíço da Turgóvia, cujo art. 223 permite todo andamento à discricionariedade do julgador, no qual o Julgador sequer é obrigado a instruir o feito.

Na Alemanha, relata Leonardo Greco, temos causas de procedimento livre, na qual o juiz fixará a sequência de atos. GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Introdução ao Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 354.

9 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil. Proposta de um formalismo-valorativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.156.

Bedaque dá absoluto destaque a noção de instrumentalidade, no sentido de que o processo é instrumento, portanto, servil ao direito substancial, estando a serviço e para servir a este. Consequentemente, necessária a plena adequação e adaptação do instrumento ao seu objeto, servindo ao fim ao qual se destina: “A conscientização de que o processo vale não tanto pelo que ele é, mas fundamentalmente pelos resultados que produz (…)”. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo – influência do direito material sobre o processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 21.

10 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos Juízes. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 85.

11 GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Introdução ao Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 355.

12 PASSOS, José Joaquim Calmon de. Esboço de uma teoria de nulidades aplicada às nulidades processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 87.

13 O procedimento visto como o rito ou conjunto de requisitos extrínsecos que devem ser observados na prática dos atos de cada processo e a série ou modo de encadeamento desses atos e prazos em que devem ser praticados. Neste sentido: GRECO, op. cit., nota 11, p. 347.

14 Recorda Carlos Alberto Alvaro que o formalismo é sempre polarizado pelo fim. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil. Proposta de um formalismo-valorativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 99.

15 MAURINO, Alberto Luis. Nulidades procesales. Buenos Aires: Ed Astrea, 1999, p.05.

16 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil. Proposta de um formalismo-valorativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 107.

17 Tratando do sistema e da finalidade das formas temos as seguintes lições de MAURINO: “Según este sistema y de conformidad com el principio que lo gobierna, las formas procesales no constituyen um fin em sí mismas, lo cual sería un rito inaceptable em um sistema procesal moderno. Nadie debe perder um derecho por razones de formas”. MAURINO, Alberto Luis. Nulidades procesales. Buenos Aires: Ed Astrea, 1999, p. 08.

18 ANDREWS, Neil. Relações entre a Corte e as partes na era do Case Management. In: Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.). Revista de Processo. Tradução: Fernanda Medina Pantoja, Marcela Kohlbach Faria e Paula Bezerra de Menez. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, março, v. 217, p. 181.

O mencionado professor destaca a importância da disciplina profissional, aliada a eficiência e integridade. O advogado deverá agir com independência nos limites da justiça, sem se enredar por um comprometimento excessivo com seus clientes (seus deveres com a justiça prevalecem em relação a qualquer obrigação que possam ter com seus clientes). Por outro lado, os julgadores são originários da advocacia, representados por profissionais com larga experiência profissional, marcados por anos e anos de debates, audiências e contendas, ensinando: “Juízes não nascem juízes nem são educados para sê-los: eles passam por uma metamorfose, como lagartas que se transformam em borboletas”.

19 GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Introdução ao Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 349.

20 GRECO, op. cit., nota 19, p. 350.

21 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil. Proposta de um formalismo-valorativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 173.

22 Neste sentido: GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Introdução ao Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 354.

23 CALAMANDREI, Piero. Proceso y Democracia. Tradução: Hector Fix Zamudio. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America, 1960, p. 51-52.

24 CANOTILHO tratando das garantias do processo judicial nos ensina: “Dentre as garantias do processo judicial podem mencionar-se: a garantia do processo equitativo (art. 20º/4), o princípio do juiz legal (art. 32º/7), o princípio da audição (art. 28º/1), o princípio da igualdade processual das partes (arts. 13º e 20º/2), o princípio da conformação do processo segundo os direitos fundamentais (art. 32º), princípio da fundamentação dos actos judiciais (art. 205º/1), o princípio da legalidade processual (art. 32º)”. CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Livraria Almedina, p.272.

25 ÁVILA, Humberto. O que é “devido processo legal”?. In: Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.). Revista de Processo. São Paulo: RT, 2008, setembro, vol. 163, p. 50.

Ricardo Maurício F Soares lembra que os direitos fundamentais tornaram-se o que há de mais importante a ser consagrado na Constituição de um Estado Democrático. Neles acham-se expressos os valores integrantes das ideologias as mais diversas, tornando a Carta Magna que os consagra uma representação, fiel ou aproximada, da sociedade complexa que a instituiu. A Carta ao abarcar as mais diversas concepções de mundo, na forma de direitos fundamentais de diversas gerações, viabiliza a continuidade da diferenciação sistêmica e a intensificação das comunicações intra e intersistêmicas. SOARES, Ricardo Maurício Freire. O devido processo legal: uma visão pós-moderna. Salvador: Editora JusPodivm, 2008, p. 97.

26 MAURINO, Alberto Luis. Nulidades procesales. Buenos Aires: Ed Astrea, 1999, p. 09-10.

27 CALAMANDREI, Piero. Proceso y Democracia. Tradução: Hector Fix Zamudio. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America, 1960, p. 148-151. Nos ensina: “Por este motivo ha sido comparado com una esgrima o com una contienda deportiva, pero se trata de un esgrima de persuasiones y de una contienda de razonamientos” (Trecho citado de p. 150).

28 “Se a norma jurídica é um pedaço da vida humana objetivada, não pode ser uma norma abstrata de moral, de ética, desligada dos fatos concretos, é um enunciado para a solução de um problema humano. A norma jurídica não pode ser julgada como um fim, mas como um meio para a consecução de valores concretos, tais como o bem-estar social, a dignidade, a liberdade e a igualdade. Sendo assim, a materialização destas estimativas sociais que permite a realização da justiça e, portanto, do direito justo. (…) Sendo assim, o manuseio da lógica do razoável potencializa a realização do direito justo, no plano substancial do due process of law, por exteriorizar uma operação axiológica e teleológica que se revela compatível com as especificidades histórico-culturais de cada caso concreto, tendo em vista a singularidade que envolve a vida humana”. SOARES, Ricardo Maurício Freire. O devido processo legal: uma visão pós-moderna. Salvador: Editora JusPodivm, 2008, p.103-104.

29 A necessidade de uma nova reflexão com relação ao formalismo é bem retratada na passagem abaixo pelo Dalmo Dallari: “Ainda é comum ouvir-se um juiz afirmar, com orgulho vizinho da arrogância que é ‘escravo da lei’. E com isso fica em paz em sua consciência, como se tivesse atingido o cume da perfeição, e não assume responsabilidade pelas injustiças e pelos conflitos humanos e sociais que muitas vezes decorrem de suas decisões. Com alguma consciência esse juiz perceberia a contradição de um juiz-escravo e saberia que um julgador só pode ser justo se for independente. Um juiz não pode ser escravo de ninguém nem de nada, nem mesmo da lei”.

Adiante, conclui o professor Dalmo Dallari: “A expressão mais degenerada dessa formação, que esconde o arbítrio de alguns homens atrás da máscara só aparentemente neutra das leis, é a corrupção grosseira de legisladores, que em troca de dinheiro e vantagens pessoais vendem seu apoio a um projeto de lei. (…) Como fica evidente, o juiz escravo da lei tem grandes possibilidades de ser, na realidade, escravo dos compradores da lei”. DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos Juízes. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 84-85.

30 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos Juízes. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007,  p. 84.

31 WATANABE, Kazuo. Cognição no processo civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012,  p. 20.

DALLARI leciona: “Será mais fácil agora, não acarretando qualquer risco nem a renúncia a princípios éticos e jurídicos, inovar aplicando a Constituição, fazer a complementação das disposições legais já existentes, para adequá-las aos casos concretos, tomando por base os princípios e as normas gerais já integrados na legislação. É perfeitamente possível fazer isso com base no direito já existente, sobretudo na Constituição, sem a necessidade de substituir o legislador”. DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos Juízes. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.102.

32 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo – influência do direito material sobre o processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 23.

DALLARI nos lembra que o apego excessivo à legalidade formal busca, consciente e inconscientemente, a que as pessoas sirvam à lei, abdicando a visão adequada de as leis são instrumentos da humanidade, devendo as leis ajustarem-se à realidade, protegendo e beneficiando a pessoa humana. DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos Juízes. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 87-88.

33 MAURINO, Alberto Luis. Nulidades procesales. Buenos Aires: Ed Astrea, 1999, p. 04.

Da mesma forma, Marino citando Podetti aconselha que, mesmo sendo uma garantia contra a arbitrariedade, a forma não seja um fim em si mesma, mas assegure e facilite a prestação jurisdicional, tornando-a menos morosa e obstrutiva. PODETTI,  apud MAURINO, Alberto Luis. Nulidades procesales. Buenos Aires: Ed Astrea. 1999. p.04.

34 O princípio da adequação também recebe a denominação de princípio da elasticidade processual como podemos extrair das lições de MAURINO, citando o gênio de CALAMANDREI: “Así, CALAMANDREI, com extraordinaria claridad, vio el justo medio em el principio elaborado sobre el nuevo regimén procesal italiano, llamado principio de elasticidad de las formas”. CALAMANDREI, Piero, apud MAURINO, Alberto Luis. Nulidades procesales. Buenos Aires: Ed Astrea, 1999, p. 05.

35 “La experiencia ha demonstrado que su ausencia produce desorden e incertidumbre. Por el contrario, su presencia es garantia de justicia y de igualdad em la defesa, entre otras cosas”. MAURINO, op. cit., nota 34, p. 04.

36 Tem historicamente sua origem na Inglaterra, tendo por sustentáculo o princípio da legalidade, law of land, em decorrência da imposição feita pelos barões ingleses ao Rei João Sem Terra (Law of Land art. 39 – No free man shall be saized or imprisioned, or stripped of his rights or possessions, or outlawed or exile dor deprived of his standing in any other way, nor will we proceed with force against him, or send others to do so, except by the lawful judgment of his equals of by the law of the land). O devido processo legal foi incorporado às 5ª e 14ª Emendas da Constituição Americana.

37 Qualidade integrante e irrenunciável da condição humana, devendo ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida. A aceitação da normatividade do princípio da dignidade da pessoa humana importa na aceitação da capacidade para produção de efeitos jurídicos. FREIRE, Ricardo Maurício. O devido processo legal: uma visão pós-moderna. Salvador: Editora JusPodivm, 2008, p. 69.

38 CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000, p. 225-226.

39 “Em nosso parecer, bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due processo of law para que daí decorressem todas as consequências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios e regras constitucionais são espécies”. NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 79. O mesmo autor reafirma a mesma ideia na p. 87.

Ver: SIQUEIRA CASTRO Carlos Roberto. O devido processo legal e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 289-321.

40 ÁVILA, Humberto. O que é “devido processo legal”?. In: Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.). Revista de Processo. São Paulo: RT, 2008, setembro, vol. 163, p. 50.

41 GRECO. Leonardo. Garantias fundamentais do processo: o processo justo. In: Coleção José do Patrocínio – Estudos de Direito processual. Campos dos Goytacazes: Ed Faculdade de Campos, 2005, v. I.

42 SOARES, Ricardo Maurício Freire. O devido processo legal: uma visão pós-moderna. Salvador: Editora JusPodivm, 2008, p. 68.

43 Humberto Ávila não entende correto a separação do chamado devido processo legal substancial do chamado devido processo legal procedimental, definindo o devido processo legal: “(…) conclui-se que o dispositivo relativo ao “devido processo legal”, ainda que com caráter meramente expletivo e, por isso, com positivação expressa desnecessária, deve ser interpretado como fundamento de um princípio que exige a realização de um estado ideal de protetividade de direitos. Como princípio, exerce as funções interpretativa, integrativa e bloqueadora relativamente aos atos e normas que pretende concretizar. No entanto, considerando que a nossa Constituição prevê, expressamente, vários elementos que poderiam ser dele deduzidos, além daquelas funções, o princípio do devido processo legal, nesse passo de qualidade de sobreprincípio, exerce uma função rearticuladora relativamente a esses elementos já previstos. ÁVILA, Humberto. O que é “devido processo legal”?. In: Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.). Revista de Processo. São Paulo: RT, 2008, setembro, vol. 163, p. 50.

Ver: PINHO. Humberto Dalla Bernardina de. Direito processual civil contemporâneo: teoria geral do processo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, v. 1, p. 93

44 SOARES, Ricardo Maurício Freire. O devido processo legal: uma visão pós-moderna. Salvador: Editora JusPodivm, 2008, p. 81.

45 “Quanto mais o operador do direito procurar tornar efetiva a cláusula principiológica do devido processo legal, no deslinde dos litígios, mais legítima tenderá a ser a interpretação e posterior decisão. Por outro lado, carecerá de legitimidade a decisão que desrespeitar o due process of law, seja nas dimensões das garantias constitucionais do processo (…), seja na dimensão material da ponderação principiológica ou na aplicação razoável e proporcional dos direitos fundamentais dos cidadãos”. SOARES, op. cit., nota 44, p. 90.