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A aplicação da tutela antecipada no processo eleitoral

5 de janeiro de 2001

Desembargador do TJERJ, ex-corregedor do TRE – RJ, professor de Direito Eleitoral na Faculdade Cândido Mendes – Ipanema

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Desembargador Paulo Cesar Salomão Como meio de defesa do sistema eleitoral, em nosso Pais, houve por bem o legislador excluir da disputa eleitoral todos os que contribuíram e/ou foram beneficiados pela fraude, corrupção ou abuso do poder econômico.

Registre-se que o escopo da inelegibilidade é preservar a legitimidade das eleições contra a interferência da fraude, corrupção, poder econômico ou o abuso do poder político ou de autoridade e, ainda, o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta, conforme consagra o art. 14, § 9º da Constituição Federal.

Não basta que os candidatos pautem seus atos, em princípio, no cumprimento da lei, de forma objetiva. É preciso, também, atender aos padrões de conduta que a comunidade deseja, ou seja, com moralidade administrativa. A nova Constituição introduziu, no processo eleitoral, o requisito da moralidade como da substancia ou elemento essencial dos atos dos candidatos, conforme se vê no art. 14 § 9º C.c. o art. 37, caput.

A ação de impugnação de mandato, prevista no art. 14 § 10º, da Constituição Federal e a Investigação Judicial, procedimento administrativo/jurisdicional criado pela Lei complementar nº 64/90, são instrumentos valiosos com que contam os interessados no processo eleitoral para repressão a fraude, corrupção e ao abuso de poder econômico, de autoridade ou político.

Estes institutos, no direito moderno, são poderosos meios para se pugnar pela moralidade nos pleitos e assegurar a competição livre e igual para todos, “expulsando” do campo do jogo eleitoral aquele que não observou as regras previamente estabelecidas. A moral na política exige combate as diversas formas de corrupção e fraude, o abuso de poder econômico, político ou de autoridade, bem como o usa indevido dos meios de comunicação.

A própria democracia exige que se impeça um candidato beneficiado pela corrupção ou abuso de poder de prosseguir na disputa ou ser diplomado.

Há especialistas em procrastinar o andamento desses feitos, que podem se arrastar por anos a fio, o que, na verdade, leva a ineficácia das normas constitucionais já citadas.

O próprio candidato, suspeito de irregularidade, deveria querer um julgamento pela Justiça Eleitoral que estabelecesse a verdade dos fatos. É o velho ditado: “quem não deve não teme”.

Mas, a realidade é completamente diferente. São conhecidos os casos em que os candidatos, embora beneficiados pela fraude, corrupção ou abuso do poder, mesmo condenados nas mais diversas instâncias, ainda assim, usando e abusando dos artifícios legais e dos princípios que asseguram ampla defesa, permanecem e cumprem integralmente seus mandatos obtidos de forma viciada.

Há que se inverter esta perversa equação, vale dizer, por mais que a Justiça Eleitoral obre com diligencia, os recursos e meios protelatórios são tantos que se ousa afirmar que as normas nunca serão cumpridas.

As práticas, então, que afrontam estes princípios, devem merecer severa e exemplar punição para, até mesmo, servir como prevenção geral para os próximos pleitos.

Por isso, foi divulgada, com grande estardalhaço, a Lei 9840, de 28.09.99, como moralizadora da “compra de votos” por candidatos, estabelecendo punições rigorosas, inclusive a cassação de seus registros.

Nas últimas eleições municipais foram denunciados inúmeros casos de abusos e usa indevido das maquinas administrativas, e, em alguns Municípios, constatados vergonhosos atos possibilitados pela reeleição sem desincompatibilização com a aplicação do famoso (e triste) chavão político: “O feio e perder”. É o “vale-tudo” para ganhar a eleição.

A competência é do juiz eleitoral de cada comarca para processo e julgamento desses feitos. Supondo que os fatos sejam simples e o juiz extremamente rápido, mesmo assim, com os recursos que a lei faculta aos réus, a decisão final, com o transito em julgado, poderá ser protelada indefinidamente e o “comprador de votos” exercer seu mandato tranquilamente.

Pior que a fraude que falsifica um ou mais votos e aquela que manipula consciências através da propaganda enganosa e ilegal, como é a que usa o dinheiro público e os poderosos meios de comunicação, possibilitando a corruptos e indignos a perpetuação no poder, formando feudos e verdadeiras quadrilhas especializadas no saque as finanças do povo.

Com a introdução da votação eletrônica, as fraudes na apuração foram praticamente banidas do nosso sistema, que, sem qualquer ufanismo, pode ser considerado modelar para o resto do mundo (v.exemplo recente do atraso na apuração nos EUA, além da falta de credibilidade nos resultados). Falta somente acabar com o abuso do poder econômico e político, o que, reconheça-se, é problema universal!

Na falta de disposição específica nas leis eleitorais, há que se socorrer das normas gerais do Código de Processo Civil. E, para isto, o Direito Processual moderno oferece solução. São as medidas cuja antecipação liminar da tutela jurisdicional pode ser obtida quando estão presentes os requisitos que doutrina e jurisprudência apontam como fundamentais para o seu deferimento.

Nesse sentido, impõe-se observar que há o pressuposto do “direito em estado de periclitarão” como requisito indispensável a concessão da tutela.

Ora, a posse de um candidato eleito ilicitamente gera situação irreversível, somente reparável pela via da tutela antecipada obstativa.

Confira-se esse respeito, por todos, as oportunas lições do Prof. e Des. Luiz Fux, in “TUTELA DE SEGURANÇA E TUTELA DE URGÊNCIA”, Saraiva, 1996, os fundamentos da antecipação da tutela, obra extraordinária e que esgota o assunto.

Entre o direito individual da parte e 0 interesse da comunidade obviamente tem 0 Judiciário de amparar a coletividade.

Posto isto, entre a expectativa do candidato em se empossar e o perigo representado pela posse e exercício do poder de um candidato cuja eleição foi viciada pela corrupção ou abuso do poder, preferível, evidentemente, se proteger o interesse público.

Comprovando-se a verossimilhança da alegação e havendo receio de dano irreparável, é de se conceder a tutela antecipada, nos termos do art. 273 do CPC, a fim de impedir a posse daqueles que obtiveram imortalmente o mandato até que seja julgada definitivamente a ação que visa a sua impugnação, cumprindo-se, assim, as normas altamente moralizadoras previstas na Constituição-cidadã de 1988.