Homenagem ao Ministro Dias Toffoli

28 de junho de 2021

Marcus Vinicius Furtado Coêlho Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB / Membro do Conselho Editorial da Revista Justiça & Cidadania

Compartilhe:

O Ministro Dias Toffoli assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), em setembro de 2018, em um contexto especialmente difícil para o País. Politicamente, o Brasil enfrentava o acirramento da polarização ideológica. Institucionalmente, cresciam as críticas aos Poderes e às instituições democráticas, até mesmo ataques diretos ao STF. Para ampliar o quadro já complexo, o mundo se viu em meio à maior crise sanitária dos últimos tempos, ao enfrentar a pandemia da covid-19.

O conjunto desses desafios e as respostas dadas em tempo e à altura pelo ministro demonstram, para além do grande constitucionalista, seus acertos também à frente da coordenação dos trabalhos da Suprema Corte.  

A pandemia ampliou uma grande demanda da sociedade por estabilidade e segurança jurídica diante da crise não apenas sanitária, mas econômica e social desencadeada pelo vírus. Enquanto tantos setores econômicos foram forçados a interromper ou reduzir suas atividades em prol de medidas de contenção do contágio da doença, a Suprema Corte assegurou o pleno funcionamento do Judiciário e intensificou sua atuação a fim de manter a atividade jurisdicional, tão essencial à nação, sobretudo diante das incertezas geradas pela calamidade pública.

O Tribunal expandiu as hipóteses de julgamentos virtuais, instaurou as sessões plenárias por videoconferência e aprimorou as ferramentas do plenário virtual, que já era adotado pela Corte desde 2007. Em atendimento a demandas da advocacia, os votos dos ministros passaram a ser disponibilizados em tempo real, possibilitou-se aos advogados realizar o envio de sustentação oral por vídeo, também publicizadas no sistema, bem como de apresentar esclarecimentos de questões de fato, além de revogar a norma que computava como acompanhando o relator o ministro que não votasse no caso.

De se ressaltar, ainda, a transparência quanto aos processos relacionados à covid-19, que ganharam área específica no sítio eletrônico do Tribunal, bem como prioridade na tramitação.

Para além dos acertos de sua gestão como presidente da mais alta Corte do País, o Ministro Dias Toffoli foi relator de casos recentes paradigmáticos e que reescrevem a história constitucional brasileira, calcado na melhor interpretação e aplicação dos direitos e garantias fundamentais e na preservação dos valores democráticos.

É da relatoria do Ministro Toffoli a decisão que deu prevalência à liberdade de expressão ao não reconhecer no Direito brasileiro a existência do direito ao esquecimento. O colegiado acompanhou a tese proposta pelo ministro, no sentido de ser “incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como um poder de obstar em razão da passagem do tempo a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais”.

A decisão firmou que eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados no caso concreto, a partir dos parâmetros constitucionais da proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade, como também as previsões da legislação penal e cível quanto ao tema.

Recentemente, o ministro também encabeçou julgamento histórico para o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, ao declarar a inconstitucionalidade de norma que estendia por prazo indefinido a proteção às patentes, prolongando um privilégio que, por expressa definição constitucional, há que ser por prazo certo e determinado.

A decisão surtiu impactos de grande monta, sobremaneira no campo da saúde. Em meio à pandemia, a extinção dos prazos estendidos garantiu aos brasileiros o acesso a medicamentos até 60% mais baratos e reduz em dois bilhões ao ano os gastos do sistema de saúde ao assegurar a livre concorrência e a comercialização de medicamentos genéricos.

Para além disso, a decisão estimula o desenvolvimento nacional, ao representar incentivo à inovação, à ciência e à tecnologia. Permite que o País possa desenvolver tecnologia de ponta e concorrer com igualdade no mercado internacional, sem os prejuízos de uma extensão patentária inconstitucional.

Outro julgamento de destaque protagonizado pelo Ministro Toffoli foi o reconhecimento quanto à inconstitucionalidade da tese da legítima defesa da honra. O ministro entendeu que a excludente de ilicitude da legítima defesa não abrange a chamada “legitima defesa da honra”. O ordenamento jurídico não garante que uma pessoa vítima de traição possa exercer a violência, até mesmo ceifar a vida de outrem.

O ministro ressaltou no julgamento que “aquele que pratica feminicídio ou usa de violência, com a justificativa de reprimir um adultério, não está a se defender, mas a atacar uma mulher de forma desproporcional, covarde e criminosa”. A decisão é um marco no enfrentamento à violência contra a mulher e à atrasada cultura patriarcal, que ainda trata as mulheres como objeto ou posse. Reafirma a igualdade de gênero e evita que crimes violentos e feminicídios fiquem impunes ao serem justificados por uma suposta legítima defesa da honra.

A atuação do ministro, de costumeira excelência e afinada com as demandas da sociedade mostra-se à altura da Corte Suprema do País. Sua preocupação com a segurança jurídica e a estabilidade das relações demonstra um magistrado sensível e atento aos temas centrais ao desenvolvimento nacional. Um magistrado, acima de tudo, que atua com altivez e independência, o que faz do Poder Judiciário a salvaguarda da democracia e dos direitos e garantias dos cidadãos.