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Imposto de Renda sobre ganho de capital na alienação do imóvel rural por pessoa física

3 de novembro de 2022

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O ganho de capital auferido na alienação de bem imóvel está sujeito ao imposto de renda. O que é ganho de capital? É o acréscimo patrimonial que resulta da venda do bem ou direito por preço superior ao da aquisição. A incidência do imposto justifica-se porque a posição prévia do patrimônio do contribuinte, antes da alienação, não é a mesma da posterior: houve incremento porque a receita obtida com a venda foi maior do que o custo de aquisição.

A apuração do ganho de capital na alienação de bens, incluindo os imóveis, ou direitos, é disciplinada pela Lei nº 7.713/1988.

No entanto, na alienação de imóvel rural por pessoa física, o imposto de renda sobre o ganho de capital está sujeito a regime próprio de apuração, previsto na Lei nº 9.393/1996, que rege o imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR).

A Seção IX das Disposições Gerais do aludido diploma legal trata da execução de dívida ativa do ITR, dos incentivos fiscais e crédito rural, do registro público e dos valores para apuração de ganho de capital. Na apuração do ganho de capital em alienações posteriores a 1º de janeiro de 1997, a lei considera como custo de aquisição e valor da venda do imóvel rural o valor da terra nua declarado (VTN), respectivamente, nos anos da ocorrência de sua aquisição e sua alienação. O valor da terra nua é o preço de mercado das terras, informado pelo contribuinte em documento que integra a Declaração do ITR. Assim, a materialidade do imposto de renda sobre o ganho de capital será representada pela diferença positiva entre o valor da aquisição da terra nua declarado pelo contribuinte e o resultante da venda.

A dificuldade para apurar o ganho de capital na alienação do imóvel rural ocorre quando o contribuinte não apresenta a declaração com a informação do valor da terra nua.

Com efeito, o art. 19 da Lei nº 9.393/1996 – que disciplina especificamente o ganho de capital obtido na alienação do imóvel rural – ao reportar-se ao art. 14 – que trata do arbitramento do valor da terra nua para efeito de ITR – dispõe que a Receita Federal, por meio de procedimento fiscal regularmente instaurado, deverá considerar “informações sobre preços de terras, constantes de sistema a ser por ela instituído, e os dados de área total, área tributável e grau de utilização do imóvel, apurados em procedimento de fiscalização”.

O exame dos artigos 14 e 19 da Lei nº 9.393/1996, portanto, conduz à conclusão de que o legislador, diante da ausência de declaração pelo contribuinte, utiliza os mesmos critérios para a definição do valor da terra nua, tanto para fins de apuração do ITR ou do ganho de capital. Isso revela a coerência normativa entre hipóteses de incidências distintas contidas na mesma lei e que possuem um ponto em comum: o valor da terra nua.

Nada obstante, a Instrução Normativa (IN) nº 84/2001 passou a dispor que, não havendo a declaração com a informação do valor da terra nua, em relação ao ano de aquisição ou de alienação, ou a ambos, deve ser considerado “como custo e como valor de alienação o valor constante nos respectivos documentos de aquisição e alienação”. Ou seja, segundo a administração tributária, os critérios previstos na lei para o arbitramento do valor da terra nua são ignorados, adotando-se o valor da promessa de compra ou venda, da escritura pública, ou outros documentos relativos à compra e venda.

Acontece que o ganho de capital, como dito, é apurado de acordo com a diferença positiva do valor da terra nua declarado, considerada a data da aquisição e da venda do imóvel. A base de cálculo do imposto é o aumento do patrimônio do contribuinte, resultado positivo da venda por preço superior ao da compra. A determinação da base de cálculo do imposto é matéria reservada ao princípio da legalidade. É somente a lei que deve fixar a base de cálculo do tributo.

No caso, como a lei que regula a apuração do ganho de capital na alienação do imóvel rural expressamente prevê que a base de cálculo é o valor da terra nua declarado ou, na sua ausência, o valor apurado por meio das informações sobre preços de terras e os dados de área total, área tributável e grau de utilização do imóvel, o §2º do art. 10 da IN nº 84/2001, ao considerar como custo e como valor de alienação o valor constante nos respectivos documentos de aquisição e de alienação, é flagrantemente ilegal. Os atos normativos da administração tributária são subalternos e balizados pelo comando legal que se propõem regulamentar, não possuindo densidade normativa suficiente para fixar a base de cálculo de qualquer espécie tributária.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) tem diversos precedentes no sentido de que o art. 10, §2º, da IN nº 84/01, viola o disposto no art. 19 da Lei nº 9.393/1993:

REPETIÇÃO DE INDÉBITO. IRPF. GANHO DE CAPITAL. IMÓVEL RURAL. 1. Para fins de cálculo do IRPF incidente sobre ganho de capital decorrente da alienação de imóvel rural, é de ser observado o disposto no art. 19 da Lei nº 9.393/1996, e o disposto na IN SRF [Secretaria da Receita federal] nº 84/2001. 2. O contribuinte que realiza o recolhimento de IRPF [Imposto de Renda de Pessoa Física] a mais, por ter declarado de forma equivocada os valores percebidos na venda de imóvel rural, tem direito à repetição de indébito. Processo nº 5006940-03.2013.4.04.7206 

TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IRPF. VENDA DE IMÓVEL RURAL. GANHO DE CAPITAL. FORMA DE APURAÇÃO. CRITÉRIOS. INSTRUÇÃO NORMATIVA SRF Nº 84/2001. LEI Nº 9.393/1996. 1. A regra estabelecida no art. 10º, caput e § 2º, da IN/SRF nº 84/2001, ao restringir as hipóteses em que o valor da terra nua declarado na DIAT [documento de informação e atualização cadastral do ITR] possa ser utilizado para fins de apuração do imposto de renda sobre ganho de capital (IR/GCAP) na venda de imóveis rurais adquiridos a partir de 1997, está, em tese, confrontando a previsão legal contida no art. 19 da Lei nº 9.393/1996, o qual não exige que a DIAT tenha sido apresentada necessariamente pelo adquirente. 2. A Lei nº 9.393/1996 prevê que, mesmo em caso de não apresentação da DIAT, ainda assim não seriam considerados na apuração do IR/GCAP o valor da terra nua registrado das transações imobiliárias, mas sim o valor da terra nua constante do sistema de informações de preços de terras de que dispõe a Receita Federal. 3. Apelação e remessa oficial desprovidas. Processo nº 5012189-94.2015.4.04.7001 

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. GANHO DE CAPITAL. ALIENAÇÃO DE IMÓVEL RURAL. CUSTO DE AQUISIÇÃO E VALOR DE VENDA. ILEGALIDADE DA INSTRUÇÃO NORMATIVA SRF Nº 84/2001. LEI Nº 9.393/1996, ARTIGOS 14 E 19. 1. O § 2º do art. 10 da IN nº 84/2001 destoa claramente tanto do art. 19 quanto do art. 14 da Lei nº 9.393/1996, visto que adota como base de cálculo, para a apuração do ganho de capital de imóvel rural, o valor constante nos documentos de aquisição e de alienação. 2. Há de se entender a disposição do § 2º do art. 3º da Lei nº 7.713/1988, que define ganho de capital como a diferença positiva entre o valor de transmissão do bem ou direito e o respectivo custo de aquisição corrigido monetariamente, em consonância com as normas específicas da Lei nº 9.393/1996, que regem a apuração do ganho de capital de imóveis rurais. 3. O valor do imóvel rural é definido pelo Valor da Terra Nua, nos exatos termos do art. 10 da Lei nº 9.393/1996, que exclui as construções, instalações e benfeitorias, culturas permanentes e temporárias, pastagens cultivadas e melhoradas e florestas plantadas. 4. No caso de falta de entrega do DIAT, o ganho de capital apurado por lançamento de ofício deve considerar as “informações sobre preços de terras, constantes de sistema a ser por ela instituído, e os dados de área total, área tributável e grau de utilização do imóvel”. Somente para imóveis adquiridos antes de 1/1/1997 – o que não é a hipótese dos autos – poderia o ganho de capital levar em conta o valor da escritura. 5. A Instrução Normativa SRF nº 84/2001 ainda estabelece outro requisito não previsto em lei, determinando que os custos das benfeitorias (construções, instalações e melhoramentos), das culturas permanentes e temporárias, das árvores e florestas plantadas e das pastagens cultivadas ou melhoradas, quando não tiverem sido deduzidos como custo ou despesa da atividade rural, são computados para efeito de apuração de ganho de capital. 6. Havendo definição expressa nos artigos 14 e 19 da Lei nº 9.393/1996 quanto à base de cálculo do ganho de capital – o valor da terra nua declarado ou o valor arbitrado, quando não houver declaração – sem a imposição de deduzir as benfeitorias no custeio da atividade rural, também viola o princípio da legalidade o art. 9º, § 2º, e o art. 19, inciso VI e §§ 1º e 2º da IN SRF nº 84/2001. Processo nº 5002098- 90.2012.4.04.7116

Em decorrência do exposto, para efeitos de apuração do imposto de renda sobre o ganho de capital na alienação de imóvel rural pela pessoa física, não existindo o valor da terra nua declarado, a base de cálculo não é a diferença positiva entre o custo de aquisição e valor de alienação constante nos respectivos documentos, mas sim o valor a ser apurado em procedimento de fiscalização, observando-se os critérios fixados em lei.

Notas__________________________

1 Art. 3, §2º.

2 Art. 19 da Lei nº 9.393/1996.

3 Art. 14 da Lei nº 9.393/1996.

4 Art. 10, §2º, da IN nº 84/2001.

5 Art. 97, IV, do Código Tributário Nacional.