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Justiça Federal e o compromisso com a cidadania

5 de agosto de 2001

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A implementação de uma Justiça cujas decisões se revistam da ambicionada celeridade e efetividade passa, necessariamente, pela assunção de uma nova maneira de vislumbrar o Direito, desarraigando-o da perspectiva meramente dogmática e formalista, sempre tão presente nas práticas dos operadores do Foro, para, ao contrário, adorná-lo de novas posturas que, conquanto vazadas no cumprimento da Constituição e das leis, não olvidem o homem e o cidadão – medidas de todas as coisas sob quaisquer que sejam os enfoques -, e a busca permanente do correto equacionamento dos problemas mais profundos de uma sociedade que, nos dias correntes, já não se contenta unicamente em que se aplique o direito posto, senão que tal seja feito com presteza, eficiência e, sobretudo, com a consciência de que o valor Justiça há de ter no homem e no cidadão, sempre, seu mais relevante desiderato.

A Justiça Federal, como todos os demais segmentos do Poder Judiciário do País, não poderia ficar alheia a essa especificidade. Sobretudo nos lindes da Quinta Região, cujas atividades se desenvolvem em uma área territorial compreendida pelos Estados de Sergipe ao Ceara, há que ser dinamizada ao fito de torná-la mais e mais consentânea com os interesses dos jurisdicionados dessa porção do Nordeste, para que se transforme em instrumento de efetivação da cidadania, dotada de uma agilidade capaz de solucionar as controvérsias diariamente submetidas a sua apreciação.

Essas alterações, estruturais e não apenas formais, só poderão ser realizadas a partir da concretização de duas vertentes fundamentais: a primeira delas, que tem por base a interiorização da Justiça Federal na Quinta Região, circunscrita, hoje, praticamente, ao âmbito das Capitais dos Estados anteriormente referidos; a outra, que extrai fundamento na necessidade de o Judiciário aproximar-se mais do cidadão comum, o verdadeiro destinatário da prestação jurisdicional, e que muita vez nem mesmo consegue distinguir o que seja, de fato, a Justiça a que pretende acorrer.

Arreceio-me de que o primeiro dos pontos sinalados, em face do contingenciamento orçamentário suportado pela Quinta Região, no início do corrente exercício – e que correspondeu a cerca de 34 % (trinta e quatro por cento) do orçamento do Tribunal tal como havia sido inicialmente concebido –, possa vir a ter adiada a sua implementação, muito embora jamais venha de ser posta de lado por quantos fazem a Justiça Federal da V Região.

A afirmativa, faço-a amparado no vivo interesse que a só notícia da existência de projeto de lei, a ser encaminhado ao Congresso Nacional, criando Varas Federais em todo o território nacional e, especialmente, na Quinta Região, despertou nas lideranças políticas de várias das Comunas dos Estados do Nordeste, a ponto de os prefeitos de Caruaru, Petrolina, Mossoró e Caicó, para mencionar apenas os que, pela ordem e por primeiro se manifestaram, ofereceram apoio concreto para a instalação de unidades da Justiça Federal nos respectivos Municípios , iniciativas política e socialmente significativas e que interpreto como expressão lidima do desejo popular de poder, sempre que necessário se fizer e da forma mais cômoda possível, pedir e obter Justiça.

Deveras, nada justifica que, até hoje, Municípios quais os que aqui já foram referidos, e outros tantos, de não menor importância socio-econômica e geo-política, assistam os respectivos munícipes a se deslocarem até as capitais dos Estados para, ali, baterem-se em juízo na defesa dos respectivos direitos.

E se a preocupação imediata dos munícipes e a de obterem Justiça sem a necessidade de enfrentar os ônus de toda ordem advindos da ausência da Justiça Federal nas localidades interioranas, não será precipitado inferir que as lideranças políticas dos principais centros urbanos situados no interior dos Estados-Membros jurisdicionados ao Tribunal da Quinta Região tenham vislumbrado mais além: a instalação de uma Vara Federal em qualquer município reclama a presença do Ministério Público Federal, da Advocacia Geral da União, da Polícia Judiciária Federal e das Procuradorias das principais entidades autárquicas federais, notadamente, da Previdência Social.

Em termos práticos isso significa progresso e projeção no cenário econômico e político para o Município que venha a sediar uma Vara Federal e, bem assim, para os demais, de menor porte, que em derredor daquele estejam a gravitar.

Fortalece-se com isso o pacto federativo que tem, nos incontáveis municípios espalhados por todo o território brasileiro, a expressão mais legitima, na medida em que figuram eles como centros irradiadores de identidade dos cidadãos com os seus governantes mais próximos.

Atualmente, e é de todo oportuno que se faça o destaque, somente duas cidades jurisdicionadas a Quinta Região contam com Varas Federais: Petrolina (uma Vara) e Campina Grande (duas Varas), sendo que, na Capital da Borborema, em cada uma das Unidades da Justiça Federal, tramitam cerca de 20.000 (vinte mil) processos).

Ora, não há falar-se em cidadania enquanto não houver o permanente e desembaraçado exercício dos direitos individuais, a míngua de unidades da Justiça a qual caiba afastar, de forma célere e efetiva, as simples ameaças a direitos individuais ou reparar as lesões já perpetradas contra o patrimônio jurídico dos cidadãos, especialmente daqueles que, dos rincões mais remotos de cada uma das cinco regiões geográficas do País, ajudam a fazer o Brasil dos nossos dias.

O segundo dos tópicos, todavia, antecipou-se ao primeiro: agora e lei! exclamou o Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao sancionar, no dia 12 de julho do ano em curso, na presença do Presidente em exercício do Congresso Nacional, Senador Edson Lobão, do Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Paulo Costa Leite, de Ministros de Estado e dos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, dentre outras autoridades dos três poderes da República, a Lei Federal no 10.259, que instituiu os Juizados Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça comum Federal.

Algumas disposições do novo diploma legislativo reclamam um breve destaque: no tocante ao juízo cível, desponta por primeiro o valor da causa, como vetor de fixação, assim da competência como do procedimento a ser observado – 60 (sessenta) salários mínimos:’ cifra que, assim o demonstra a experiência do Foro, envolve grande parte das ações, notadamente as de natureza previdenciária, já em andamento.

Um outro tópico a despertar atenção diz com o desiderato de, como regra geral, admitir-se só o recurso que seja manejado contra a sentença definitiva, vale dizer, contra a sentença que decida a lide posta em Juízo.

Afasta-se, assim, a possibilidade da interposição de incontáveis Agravos, retidos ou de instrumento, recursos esses cuja utilização sem peias, vem sendo apontada como uma das causas do permanente congestionamento dos tribunais, sejam os superiores ou os de menor hierarquia.

Inovação importante é a que confere legitimidade ativa as micro e as empresas de pequeno porte, tal como definidas na Lei 9.317, de 1996, que poderão, uma vez instalados os juizados, em seis meses (art. 27 da LJEF), submeter aqueles os litígios que tiverem contra a União e as entidades autárquicas federais, ai compreendidas as fundações públicas.

O banimento dos prazos diferenciados para a prática de atos processuais, nos moldes aludidos no art. 9° – e não são poucos os que, apesar da jurisprudência reiterada, em sentido divergente, proclamam não mais enxergar, após a promulgação da Carta Cidadã de 1988, vigência e eficácia nos cânones da lei processual civil básica que estabelecem prazos judiciais dilargados para a Fazenda Pública –, e inovação que só merece aplausos, na medida em que consagra, mesmo que limitada e tardiamente, a verdadeira igualdade processual de todos perante a lei, um dos mais relevantes pilares de sustentação do arcabouço de qualquer organização estatal que se proclame ser Estado Democrático de Direito.

Como cogitar-se de cidadania, fora dos lindes do Estado Democrático de Direito? E como falar-se em igualdade processual, se o cidadão, ao litigar contra o Estado, logo se apercebe de que a porfia em nada se aproxima da necessária e, por isso mesmo, ambicionada, par conditio?

Por outro lado, se Justiça tarda é a maior das injustiças, tudo o que concorra para que aquela se faça ágil e efetiva fortalece o Estado Democrático de Direito, o que estimula o exercício da cidadania e, de conseqüência, impulsiona o homem e o cidadão rumo ao atingimento do bem-comum, tal como imaginado por Tomas de Aquino e por outros expoentes da filosofia ocidental; isso convém que não se perca de vista.

Não deixa de ser importante, também, a supressão do reexame necessário, perspectiva que, nem de longe, macula o princípio processual da recorribilidade das decisões judiciais, outra das importantes amarras do Estado Democrático de Direito, posta que avalizadora do princípio da segurança jurídica; a possibilidade de revisão das decisões judiciais por órgãos julgadores colegiados contribui para a correção do error in judicando, fonte geratriz de situações de rematada injustiças

E não se poderia deixar de pôr em evidencia, por derradeiro, a inovação profunda que o novo diploma traz em seu bojo, no que diz com a execução dos julgados que vierem de ser proferidos pelos Juizados Especiais Federais.

Refiro-me a desnecessidade do precatório para o pagamento das condenações por quantia certa impostas a Fazenda Pública, cifras que, em 60 (sessenta) dias, contados da entrega da requisição, por ordem do juiz, a autoridade citada para a causa, deverão estar depositadas na agencia mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil (art. 17 da Lei sob foco).

A novidade contribuirá, de forma elogiável, para que os feitos judiciais tenham um fim útil, em curto espaço de tempo, com a fruição, pelos jurisdicionados (e não por seus sucessores processuais, que é o ocorre em incontáveis casos) dos resultados da decisão judicial que solver a controvérsia: o dilema com o qual se defrontam todos não é com o ingressar na Justiça, que isso é fácil; difícil mesmo é dela sair, de posse de um resultado efetivo e útil, decorrente da decisão judicial que pôs termo a pendência.

Talvez se objete que a implantação dos Juizados Especiais Federais não será tarefa fácil. Afinal, não se criaram cargos novos de juízes nem de servidores; e é certo que não há, na Justiça da União, uma cultura de conciliação (o interesse público, sabem todos, e indisponível) – os futuros conciliadores, por sinal, nem serão remunerados.

Sim, as dificuldades existirão. Mas, com certeza, não serão insuperáveis; ao revés, servirão de estímulo para o aperfeiçoamento da Justiça, instituição democrática por excelência.

Conviver com as dificuldades faz parte do jogo democrático; é o dia-a-dia de qualquer administrador – privado ou público.

Existem elas para serem superadas, não para intimidar ou para estimular a inação. É isso o que se esta a fazer na Quinta Região e nas demais que integram a Justiça Federal Brasileira de segundo grau, quando, por exemplo, em regime de mutirão, busca-se (com resultados estimulantes) dar andamento a milhares de Recursos Especiais e Extraordinários pendentes de despacho de admissibilidade ou, mercê de esforço idêntico, esvaziam-se as prateleiras recheadas de feitos a espera de distribuição, iniciativas que espelham a vontade do Tribunal em exercer não só qualitativamente o seu mister de julgar, mas o de promover uma prestação jurisdicional que se coadune com a nova dinâmica social, ávida, a cada dia, por soluções rápidas e efetivas para as questões em geral, estejam elas ou não sob o exame dos juízes.

Esse mesmo sentimento, com certeza, já está a empolgar servidores e juízes, convictos de que empreendimentos dessa natureza refiro-me agora a busca permanente do aperfeiçoamento da atividade judicante -, são um caminho válido para a solução adequada dos inúmeros problemas que permeiam o Judiciário Brasileiro, cuja trajetória há sempre sido perpassada por dificuldades de toda ordem e que defluem, não apenas de pouca presteza na solução dos conflitos ou da ausência crônica de recursos (materiais e humanos), mas da própria legislação processual, hoje já antiquada e acentuadamente incompatível com a dinâmica dos tempos de globalização, cuja tônica, no respeitante a Justiça, e a avidez por soluções rápidas e apropriadas para solver problemas no menor prazo e da maneira mais efetiva e sedimentada possível.

Esse passo inicial que está a ser dado – a instalação dos Juizados Especiais Federais –, e o que se espera que seja dado a seguir – a interiorização da Justiça Federal, máxime na Quinta Região -, hão de valer como contribuição positiva para a consolidação, entre nós, de uma democracia que não se circunscreva somente a liberdade de expressão ou a escolha dos governantes, mas que se veicule através do fomento a visão de que cada homem de “per se” exerce um papel insubstituível na comunidade em que vive, papel esse que somente se perfaz por condão da consciência da sua própria condição de cidadão, aquele que pode e deve transformar o universo que lhe está à volta.

A Nação não consegue conviver com o malogro de suas instituições – reafirmo hoje o que disse em outra oportunidade; e tal ocorre sempre que a cidadania não puder ser exercida sob adequado feitio.

O prazo para a instalação e o funcionamento dos Juizados Especiais Federais já está a fluir; por isso mesmo, o Conselho da Justiça Federal, no próximo dia três de agosto, após as férias forenses de julho, estará reunido para debater e encontrar as soluções para as dificuldades desses dois novos e formidáveis desafios – instalação e funcionamento dos Juizados Especiais e interiorização da Justiça Federal.

Isso nos da a todos a certeza de que se segue a caminhar na direção do permanente aperfeiçoamento da Justiça. O malogro dessa empreitada – que não ocorrera, estou certo –, será o malogro das Instituições e da cidadania, o que a ninguém aproveita ou interessa.

É tempo, pois, de reafirmar o mais grave dos compromissos firmados pelos constituintes de 1988: a construção de uma sociedade livre, justa e solidaria (CF/88 – art. 3°, inciso I).

Parece e é difícil; mas para o povo cidadão e para os seus juízes e governantes, nada será impossível a partir de uma união indissolúvel de todos rumo a essas perspectivas – concretas ou em vias de concretização –, e a outros tantos ideais, que embora ainda possam parecer sonhos, tornar-se-ão concretos por sob a inspiração indestrutível da solidariedade.