Lições da democracia para 2024

5 de dezembro de 2023

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O ano de 2023 começou com um susto e vai terminar com o acúmulo de importantes ensinamentos sobre Direito, sociedade e democracia, muitos dos quais tivemos a oportunidade de registrar nas edições mensais da Revista Justiça & Cidadania. 

Em contraste com a alegria da festa popular que tomou conta da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes em 1º de janeiro, na posse do novo presidente, o ano político começou para valer uma semana depois, na mesma locação, que desta vez foi o cenário de uma festa indigesta, no brutal ataque aos Poderes da República que vai passar à história como o dia da infâmia. Deste susto vieram os primeiros ensinamentos do ano, que dizem respeito, sobretudo, à necessidade de criarmos mecanismos de defesa permanente da democracia, que sejam exercidos de forma independente da disposição ideológica dos homens e mulheres temporariamente encarregados da condução das instituições. 

Nas edições seguintes, passada a revolta inicial contra a tentativa de golpe fundada em infames fake news e campanhas digitais de desinformação, a Revista publicou reportagens, artigos e entrevistas – com destaque para aquelas concedidas pelos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes – com profundas reflexões sobre os limites da liberdade de expressão. Debate que trouxe, por fim, a constatação de que esse importante valor do Estado de Direito não se confunde com a liberdade para cometer crimes, atentar contra a democracia ou contra a própria liberdade.

Sofremos um duro golpe, no início de abril, com a morte do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, um dos maiores magistrados brasileiros de todos os tempos, membro do Conselho Editorial da Revista. Nas homenagens que prestamos, para além de lamentar a imensa falta que ele nos faz desde então, não deixamos de registrar um dos principais ensinamentos que ele deixou a todos que tiveram a oportunidade de conhecê-lo ou de estudar a fundo sua obra: a importância de consolidar uma cultura de precedentes no Brasil. Fator que Sanseverino ensinou ser fundamental para que o País possa alcançar a segurança jurídica necessária para atrair investimentos e estimular as atividades produtivas, sendo assim capaz de melhor remunerar o trabalho, reduzir as desigualdades e acelerar o seu desenvolvimento social e econômico. 

Em maio, na cobertura do II Seminário França-Brasil de Arbitragem, realizado pela Revista JC em Paris, registramos as preocupações de árbitros, magistrados e juristas – sintetizadas em brilhante palestra do eterno Ministro Ricardo Lewandowski, recém-aposentado do cargo no Supremo Tribunal Federal – com o fenômeno da pluralidade de fontes do Direito, surgido na esteira da globalização e da revolução digital, com novas normas, não necessariamente positivadas em leis e códigos, com as quais passa a ter que conviver o Direito estatal – a exemplo das assim chamadas lex mercatoria, lex digitalis, lex sportiva e lex humana.

Voltamos a falar sobre segurança jurídica na edição de agosto, na reportagem que comemorou os 15 anos de judicatura, no STJ, de três magistrados que não apenas conseguiram acompanhar as mudanças do Direito, neste momento de tão rápidas transformações da vida em sociedade, como também ajudaram a forjar, com suas decisões, importantes atualizações da jurisprudência infraconstitucional: os ministros Mauro Campbell Marques, Og Fernandes e Luis Felipe Salomão – presidente do nosso Conselho Editorial. 

Nas edições de julho e agosto, trouxemos as coberturas de dois tradicionais seminários jurídicos realizados além mar, porém frequentados majoritariamente por juristas brasileiros: o Fórum Jurídico de Lisboa e o Seminário de Verão de Coimbra. Nelas, tivemos a oportunidades de aprofundar as reflexões sobre temas já mencionados, como liberdade de expressão, segurança jurídica e pluralidade das fontes do Direito, além de investigar outras questões jurídicas, igualmente prementes, relacionadas à governança digital, às mudanças climáticas, à redução das desigualdades, à segurança alimentar e ao enfrentamento do fenômeno do superendividamento.

Ressaltamos a importância da autonomia e independência do Poder Judiciário em setembro, quando publicamos entrevista exclusiva com o Ministro Cristiano Zanin, a primeira concedida após sua posse no Supremo, na qual ele falou sobre a liberdade que os magistrados constitucionais devem ter para assumir posições corajosas, eventualmente contramajoritárias, muitas vezes contrárias, inclusive, às posições dos próprios presidentes que os indicaram ao cargo.

Em outubro, o foco das nossas reflexões foi a troca de comando na presidência do STF. Naquele momento, simultaneamente, a Ministra Rosa Weber deixava junto com o cargo um legado de avanços humanistas, com decisões sensíveis em matérias de direitos sociais; e o Ministro Luís Roberto Barroso, atento às questões do nosso tempo, indicava quais seriam as diretrizes da Justiça em sua gestão, incluindo a qualificação da prestação jurisdicional, da imagem e da capacidade de relacionamento do Poder Judiciário com a sociedade.  

Provando ter sido uma das questões mais ressaltadas pelos juristas durante o ano, a segurança jurídica voltou ao foco em novembro, na cobertura de outro evento internacional promovido pela Revista, o IV New Trends in the Common Law, realizado em Londres. Na ocasião, os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Dias Toffoli endossaram a percepção de que a segurança jurídica é um dos mais caros valores a proteger na democracia, traduzindo-se no respeito aos precedentes, na previsibilidade das decisões judiciais, na celeridade dos processos e no direito ao contraditório e à ampla defesa.

Fortalecer a democracia, exercer a liberdade de expressão com responsabilidade cidadã, atentar para múltiplas fontes do Direito, reafirmar a independência do Poder Judiciário, qualificar a prestação jurisdicional sem perder uma visão humanista e buscar a segurança jurídicas com um dos valores maiores da República são alguns dos ensinamentos que este ano deixa para o próximo. Que nosso país, nossas instituições e nosso povo saibam internalizá-los, para que não precisemos mais enfrentar sobressaltos em nossa caminhada, e para que possamos ajudar o Brasil a seguir adiante na construção da nossa democracia. 

Leia ainda nesta edição – Justiça & Cidadania orgulhosamente apresenta em sua capa de dezembro uma abrangente entrevista com o Ministro Benedito Gonçalves, membro de nosso Conselho Editorial, que faz um balanço de seus 15 anos como integrante do STJ. Apresentamos ainda um artigo exclusivo de outro lumiar da magistratura que nos honra com sua participação em nosso Conselho, o presidente do STF e do CNJ, Ministro Luís Roberto Barroso, que elenca no texto argumentos em defesa do recém-aprovado Exame Nacional da Magistratura – que promete qualificar ainda mais os processos seletivos para o ingressos de novos juízes nos quadros dos tribunais.

Com um viés semelhante, em defesa da qualidade do ensino jurídico para o bem da sociedade e do cidadão, o presidente do Conselho Federal da OAB, Beto Simonetti, assina artigo no qual aponta como um grande “retrocesso” a proposta de realização de cursos 100% telepresenciais para a graduação em Direito.

Leia ainda artigos de magistrados e juristas de renome sobre outros temas do momento, como mecanismos para ampliar a participação feminina na política, o crescimento da criminalidade contra membros do MP e da magistratura, as ferramentas para enfrentar o fenômeno do superendividamento e muito mais.

Boa leitura e boas festas!