Edição

Ministro Ari Pargendler, Presidente do Tribunal da Cidadania

30 de setembro de 2010

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Depois de três décadas de assunção à magistratura federal no Rio Grande do Sul, assume a presidência do Superior Tribunal de Justiça, o juiz  Ari Pargendler, gaúcho natural de Passo Fundo, RS.
Filho do livreiro Paulo Pargendler, proprietário da Livraria Americana, identificou-se logo cedo com a leitura continuada, ferramenta obrigatória para conhecimento e intimidade com a ciência do Direito, tendo adquirido desde então um conhecimento jurídico que foi sempre se engrandecendo na prática como operador de leis, tornando-se como é conceituado e considerado, um dos fulgurantes e  mais expressivos conhecedores  do Direito, que o eleva  pela alta cultura, Inteligência e  saber,  um dos paradigmas do judiciário brasileiro.
Em todas as relevantes funções exercidas, decorrentes  dos postos que foi galgando, neles deixou as marcas da praticidade administrativa aliada às aplicações judiciais, sempre visando e conseguindo a melhoria  no aprimoramento  da morosidade processual , postando-o como  incansável defensor  do patrimônio público com decisiva atuação contra despesas desnecessárias, exageradas ou desviadas. Além das múltiplas e importantes missões judicantes exercidas, foi também  operoso e cioso gestor administrativo em todas as altas funções judiciais que exerceu.
O empossado presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Ari Pargendler, chega à chefia do Tribunal da Cidadania recompensado e gratificado  com os louros ganhos garbosa e merecidamente durante a atuação  judicante,  que o conduz na realidade da vivência do Poder Judiciário brasileiro, a ser considerado pelos seus pares e operadores do Direito, como um dos mais consagrados juristas do país.
O discurso de posse do novo presidente, a magnífica oração do ministro Gilson Dipp, e pronunciamento do presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Ophir  Cavalcanti, que transcrevemos adiante, expressam o carinho, respeito e admiração devidos ao extraordinário ministro Ari Pargendler.
Dele, vale repetir:
“Sua trajetória mostra a convicção de que julgar, julgar rápido e julgar bem não é só obrigação. É dever”. “Foi um construtor de jurisprudência. Um debatedor terrível. Um adversário feroz. Um juiz coerente com suas convicções. Um marco na história do Tribunal; um patrimônio da casa”.
Orpheu Santos Salles
Editor

Discurso proferido pelo ministro Ari Pargendler
Antes de receber os dez mandamentos (Êxodo, 18:25), Moisés nomeou juízes (Êxodo, 20: 3-17), escolhidos dentre os “homens capazes, tementes a Deus, homens de verdade, que aborreçam a avareza” (Êxodo, 18:21). Não era uma atividade profissional, era uma responsabilidade social. Os melhores tinham esse encargo adicional. Desde então, aos juízes associaram-se virtudes. Salomão foi sábio, e sua decisão sobre o destino da criança que duas mulheres reclamavam repercute através dos séculos. “Aceitai” — está dito em  Provérbios (8:10-11) — “a minha instrução, e não a prata, e o conhecimento, antes do que o ouro, pois melhor e a sabedoria do que os rubis, e de tudo o que se deseja nada se lhe pode comparar”. Os litígios, então, tinham um caráter simples, e sua quantidade não era expressiva; a criminalidade, restrita. A justiça fazia parte da vida cotidiana, e sua distribuição era feita por meio de colegiados amplos. O mais alto tribunal dos Filhos de Israel era composto por setenta e um juízes. Havia outros com vinte e três membros, e até com três. No livro “Quatro Leituras Talmúdicas”, o filósofo Emmanuel Levinas descreve o formato físico desses tribunais. “O sanedrin formava um semicírculo, ‘a fim de que os seus membros pudessem se ver uns aos outros’. Dava-se, pois, num anfiteatro. O que ocorria de particular era que os seus membros jamais se viam de costas; sempre de frente ou de perfil. Jamais a relação interpessoal era interrompida nessa assembleia. As pessoas olhavam-se de frente. Portanto, jamais, como se diz hoje em dia, o ‘diálogo’ era interrompido, não se perdendo nunca numa dialética impessoal. Assembleia de rostos e não uma sociedade anônima” (Editora Perspectiva, São Paulo, 2003, p. 144). “Círculo aberto” … “os juízes estão abertos para o mundo” Op. Cit., p. 144). “Cada um conhecia o seu lugar: a ordem a excluir a contingência. Ninguém se colocava em qualquer lugar, a classificação era rigorosa” (ibid., p. 146). “Na abertura do semicírculo … apresentavam-se as pessoas em processo e as testemunhas” (p. 144).
Entre nós, os tribunais tem ordinariamente esse formato. Há quinze anos sentei, pela primeira vez, numa das cátedras deste Tribunal, quase de costas para a abertura do semicírculo. Hoje sento, pela primeira vez, de frente para essa abertura. Há um quê de simbólico nisso. O neófito, desde seu assento, ouvia pela abertura do semicírculo as postulações das partes, mas tinha diante de si as ponderações dos outros juízes; era a estes que dirigia os olhos. O juiz antigo sentado agora na curul presidencial vê a abertura do semicírculo, e a sociedade que dela se descortina. Destacam-se nesse cenário os valores dessa sociedade, que o Tribunal tem a responsabilidade constitucional de preservar, mas também as mazelas do tecido social. Ainda que o formato físico do Tribunal de antanho subsista no Tribunal de hoje, os desafios deste são outros e muito maiores. Há uma massa de consumidores insatisfeitos. A atividade econômica predatória deteriora o meio ambiente. A família já não é um núcleo consistente. A desigualdade social cresce. A violência urbana toma proporções inusitadas. O uso de drogas se generaliza. Os maus costumes públicos degeneram em corrupção. Enquanto isso, o crime se organiza. A sociedade moderna, nas mais diversas latitudes, enfrenta esses problemas, e todos deságuam no Judiciário. Até a política é judicializada. Os jurisdicionados clamam, então, contra a justiça tardia, e criticam os juízes. Corrupção, violência urbana, e o mais que possa desagradar os jurisdicionados, decorrem, segundo essa crítica, da impunidade; e a impunidade, concluem, tem como causa os juízes. Os juízes já não são associados as virtudes. Alto lá! Com certeza, a impunidade é um mal, mas o outro extremo é pior: “Queimemo-­los todos, Deus reconhecerá quem é seu” ­está dito, a respeito dos hereges, no Manual dos Inquisidores de Nicolau Eyrnerich. Entre o crime e a punição é de rigor um processo. Os meios de defesa, aí incluídos os recursos, estão previstos em lei. Os juízes devem assegurá-los. O preço que a sociedade paga pela demora daí decorrente é a garantia de que os bons cidadãos, diante de uma acusação improcedente, dela se livrarão por meio de um processo justo. Nós os juízes fazemos parte dessa sociedade, e estamos identificados com os seus valores. Lutamos e lutaremos por eles.
Apreendi esses valores com os meus pais. De onde estou, mirando a abertura do semicírculo deste Tribunal, vejo minha mãe. Devo a ela tudo o  que sou. Só os de casa sabem o quanto isso é verdadeiro. Mãe, eu a amo. Vejo também minhas irmãs, Sarita, Miriam, Deborah, e meu irmão, Raul, companheiros de sempre. Vejo a minha filha Mariana, sempre tão próxima apesar da distância. No momento mais difícil da minha vida foi o meu maior apoio. Só me dá alegrias e orgulho. Mariana, eu a amo. Vejo a Lia, minha mulher. Que graça, que ternura! Que pessoa maravilhosa! Lia, eu a amo. Não vejo meu pai, mas ele nos vê. Com o olhar no céu, peço a Deus que me faça estar a altura da responsabilidade que hoje assumo, a de presidir o Superior Tribunal de Justiça.

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