Ministro Barroso defende educação midiática e regulação das plataformas digitais

7 de novembro de 2023

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“As pessoas têm um certo desapreço pelas potencialidades da educação. Algum grau de repressão, para o bem ou para mal, é inevitável na vida, mas a educação resolve melhor que a repressão”. É o que defende o Ministro Luís Roberto Barroso, recém-empossado presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Barroso participou do seminário “Liberdade de imprensa: onde estamos, para onde vamos”, realizado no final do mês de setembro no CNJ. A palestra foi mediada pela presidente-executiva do Instituto Palavra Aberta, Patrícia Blanco, e teve como tema “Poder Judiciário, liberdade de expressão e combate à desinformação”.

No painel, o ministro analisou o contexto de revolução em vários setores devido às mudanças tecnológicas e apontou para a crise no modelo de negócio do jornalismo tradicional, no qual houve a migração dos veículos tradicionais para as plataformas digitais.

“O relativo esvaziamento da imprensa tradicional é nocivo, pois perdemos o conjunto de veículos que ajudam as pessoas a trabalharem sobre fatos comuns”, afirmou Barroso – membro do Conselho Editorial da Revista JC – que considera preocupante que o espaço público tenha virado “um local de manifestação de todo tipo de barbaridade e incivilidade”.

Dentro do modelo anterior de jornalismo, apontou o ministro, “havia um controle editorial mínimo daquilo que chegava ao espaço público. Inclusive, com a possibilidade de responsabilização no que se refere às informações que chegavam às pessoas”.

Com as mudanças recentes, Barroso defendeu a necessidade de educação midiática como forma de diminuir a disseminação de notícias falsas. Ele mesmo já foi alvo de diversas delas, especialmente durante o período em que esteve à frente do Tribunal Superior Eleitoral.

A regulação das plataformas também é considerada importante pelo ministro no quesito da moderação de conteúdo e de “comportamentos coordenados inautênticos”. Segundo Barroso, o Judiciário tem o papel de atuar contra conteúdos que atacam a integridade das eleições, da democracia ou, ainda, que geram riscos à segurança nacional e à saúde pública.

Moderação de conteúdo – Corregedor nacional de Justiça, o Ministro Luis Felipe Salomão conduziu a palestra magna “Democracia e imprensa”, na qual relembrou o histórico de casos ao longo do tempo com relação ao direito de manifestação de ideias e o papel das cortes constitucionais na preservação dos direitos fundamentais, como o da privacidade.

O ministro – que preside o Conselho Editorial da Revista JC – adiantou trechos de uma pesquisa em produção pela Fundação Getúlio Vargas e outras instituições, que trata da moderação de conteúdo nas plataformas e decisões do Superior Tribunal de Justiça. 

O levantamento, inconcluso, abrange processos de 2016 a 2023 e aponta que a maioria dos recursos especiais analisados envolvem o Google e o Facebook. Dos 60 recursos, 35 tratavam do Google e 14 do Facebook (14). Dentre os principais pedidos estão indenização por dano à imagem (63%), discurso de ódio (15%), pornografia de vingança (13%) e direito autoral (4,3%).

Ainda de acordo com a pesquisa, mais de 60% das decisões estipularam uma obrigação de fazer, como a retirada prévia do conteúdo ou sua desindexação. De acordo com o ministro, em muitos casos a plataforma só faz a retirada do conteúdo após determinação judicial específica. “Eles não fazem o dever de casa e 82% não fazem a retirada prévia do conteúdo. É preciso a gente trabalhar isso”, afirmou.

Em sua fala, o ministro apontou que a democracia demanda um Judiciário forte e independente e uma imprensa livre. “O tempo da imprensa é diferente do tempo do juiz. A apuração da verdade tem um tempo para imprensa e outro para o juiz. (…) São lados diferentes, mas da mesma moeda, e ambos indispensáveis à democracia”, afirmou.

Democracia e imprensa – Ao longo do seminário também foram abordados temas como a censura prévia da atividade jornalística, a litigância predatória, o sigilo da fonte, além da punibilidade dos ataques a jornalistas e o combate à desinformação. Profissionais atuantes e também representantes de instituições da classe participaram e contaram um pouco do dia a dia e do cenário da imprensa.

À época presidente do Supremo e do CNJ, a Ministra Rosa Weber falou na cerimônia de abertura. “O jornalismo independente, livre e profissional é o maior e o melhor aliado no combate à desinformação, ao discurso de ódio e à intolerância”, afirmou a ministra, que chamou a atenção para o modus operandi de quem trabalha com a desinformação.

“Compreender os mecanismos pelos quais a disseminação de desinformação opera, explorando preconceitos e vieses presentes na sociedade, é um fator central para a elaboração de uma estratégia de combate eficiente”, apontou Rosa Weber, que considera esse um dos desafios das democracias modernas.

O seminário também contou com um painel “Direito de informar: a situação da liberdade de imprensa no País”, mediado pelo Conselheiro Mauro Martins, que coordena o Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa. Ele ponderou que a liberdade de atuação da imprensa ainda não foi totalmente assimilada pelo Poder Judiciário, haja vista a quantidade de reclamações que chegam ao STF buscando a correção de decisões judiciais sobre o tema. “No exercício da jurisdição, não se pode converter em prática judicial inibitória, muito menos censória, a liberdade de expressão e de comunicação, sob pena desse poder agir como uma inaceitável censura estatal”, considerou o conselheiro, que é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Por sua vez, o Conselheiro Marcello Terto mediou o painel “Constituição e liberdade de imprensa”, que tratou sobre o combate às ameaças e restrições à livre circulação de informações e opiniões. Outro momento do evento foi dedicado ainda ao “jornalismo contemporâneo e os desafios da imprensa nos próximos anos”, sob mediação do presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, e participação do Ministro aposentado do STF Ayres Britto