“No STJ as mulheres já são poderosas”: Entrevista com o Presidente do STJ, Ministro João Otávio de Noronha, sobre a promoção da igualdade de gênero no Tribunal

9 de abril de 2019

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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou, em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, três alterações em atos administrativos que favorecem a participação feminina no quadro funcional da Corte, beneficiando servidoras e estagiárias. A mais importante delas determina que, a partir de agora, as indicações para ocupar cargos em comissão e exercer funções de confiança de direção e assessoramento devem respeitar, “na medida do possível”, a proporcionalidade entre homens e mulheres.

Outra alteração permite que a servidora que estiver em licença-maternidade tenha prioridade na marcação de férias imediatamente após o período do benefício, direito assegurado também ao homem no exercício de licença-paternidade. A terceira mudança favorece as estagiárias que deixarem o estágio após o nascimento do filho. A elas fica garantido o reinício das atividades sem a necessidade de participar de novo processo seletivo.

No ano passado, na gestão da Ministra Cármen Lúcia, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que os tribunais adotassem medidas para assegurar a igualdade de gênero. O STJ foi além, como nos explicou em entrevista o Presidente do Tribunal, Ministro João Otávio de Noronha. Segundo ele, atualmente já há equilíbrio entre os gêneros na Corte: dos 735 cargos de chefia, 47% são ocupados por mulheres. O quadro geral de servidores efetivos também apresenta números quase equivalentes: as mulheres representam 48,76% do total.

Confira a entrevista.

Revista J&C – O que motivou a decisão?
Ministro João Otávio de Noronha – No atual momento, em que se fala sobre empoderamento da mulher, é importante propiciar condições para que ela ascenda profissionalmente. Para isso o Superior Tribunal de Justiça tem se empenhado. As mulheres vêm, cada vez mais, ocupando espaços no mercado de trabalho, o que tem ocorrido sem destinação de cotas. Na verdade, a conquista não decorre de privilégios, mas da competência e da determinação, o que vemos com alegria e aplaudimos. No STJ a proposta agora é estabelecer a equidade. Hoje 47% dos cargos de chefia são ocupados por mulheres. Isso significa meio a meio, praticamente. Teremos alguns pontos percentuais para cima ou para baixo, de acordo com o número de entradas e de aposentadorias. O importante é mostrar que as mulheres já são poderosas e ocupam cargos relevantes no Tribunal. Para se ter uma ideia, dos seis cargos de juiz auxiliar da Presidência do STJ, quatro são ocupados por mulheres (Candice Galvão Jobim, do TRF1; Claudia Silvia Freitas, do TJGO; Simone Lemos Fernandes, do TRF1; e Ana Lúcia de Aguiar, do TRF4), sendo uma delas secretária-geral do Conselho da Justiça Federal (a Juíza Federal Simone Fernandes). Mais do que cargos importantes, são cargos de influência no planejamento e nas decisões da Presidência.

J&C – É um passo além do que fora dado no ano passado, quando o CNJ (Resolução CNJ no 255/2018) estipulou que os tribunais devem adotar medidas para assegurar a igualdade de gênero?
JON – Tenho certeza. Não foi necessária a edição da resolução para o STJ tomar providências nesse sentido. A participação das mulheres no Tribunal já era evidente e, antes, já havia percentual alto da ocupação de cargos em comissão e do exercício de funções de direção e assessoramento por mulheres. Portanto, o Superior Tribunal de Justiça não precisou adequar-se ao normativo do CNJ para assegurar a igualdade de gênero no tocante à ocupação de espaço. Os atos editados pelo STJ em março deste ano, portanto, vão além, pois dispõem sobre a implementação de medidas que minimizem as dificuldades encontradas por servidoras e estagiárias, assegurando-lhes tranquilidade para bem executar seu trabalho.

J&C – Uma das dificuldades para resguardar a igualdade vai além do acesso aos cargos de chefia, passa pelas condições para que as mulheres se mantenham nesses cargos. Quais são as iniciativas do STJ para garantir que elas possam exercer esses cargos com tranquilidade, dadas as diferenças sociais que ainda existem entre homens e mulheres?
JON – O investimento profissional. Na atual gestão, foi criada a Escola Corporativa do STJ com o propósito de treinar todos os servidores, homens e mulheres. A garantia que homens e mulheres têm para permanecer no cargo é a competência, é o profissionalismo. Hoje no STJ, as escolhas são baseadas na eficiência. Recentemente, houve uma grande reforma na Secretaria dos Órgãos Julgadores. Praticamente todas as funções de direção da referida unidade passaram a ser exercidas por mulheres, porque foram as pessoas que demonstraram maior aptidão, conhecimento e melhor desempenho. As mulheres têm ocupado cargos relevantes em virtude da competência e eficiência, sem favor nenhum recebido da gestão do STJ. O segredo é o profissionalismo que elas têm demonstrado ao longo dos anos.

J&C – No STJ, dos 33 cargos de ministro, apenas seis são ocupados por mulheres. No STF, há duas ministras em um colegiado de 11. Nota técnica lançada no dia 8 de março pela Ajufe confirma a sub-representação feminina na magistratura federal. O que pode ser feito para que a proporcionalidade seja alcançada também entre os juízes?
JON – As mulheres entraram tarde na magistratura. Elas estão chegando ao topo da carreira agora. Há trinta anos, quase não havia mulheres na magistratura. Hoje elas já são quase a metade, já têm representação significativa no percentual de magistrados. A tendência é que a presença feminina na instância final da Justiça vá se igualando. Quando ingressei no STJ (em 2002), havia apenas duas ministras, hoje são seis. Esse número certamente crescerá. Chegará o momento em que haverá mais mulheres nos espaços do Judiciário, na medida em que, atualmente, são aprovadas mais mulheres do que homens nos concursos públicos para os cargos de juiz. Assim, elas poderão concorrer a cargo no Superior Tribunal de Justiça, que não é um tribunal de carreira, razão pela qual a ele podem ascender juízes que estão no topo da carreira – nos tribunais de justiça ou nos tribunais regionais federais. Isso acontecerá naturalmente. O mais importante é que as mulheres estão chegando lá sem proteção, com determinação, competência, estudo e trabalho. Isso é notório.