O acesso pleno à informação privada por meio do habeas data

19 de outubro de 2015

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Leonardo-AntonelliRecentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o RE no 67.37.07-MG, pelo Plenário, Relator Ministro Luiz Fux, atribuindo repercussão geral, em que foi decidido, por unanimidade de votos: 

O habeas data é a garantia constitucional adequada para obtenção, pelo contribuinte, de dados concernentes ao pagamento de tributos.

Nesta oportunidade, restou assente que o habeas data é uma ação constitucional por meio da qual se visa garantir o acesso de uma pessoa a informações sobre ela que façam parte de arquivos ou bancos de dados de entidades governamentais ou públicas.

O ponto controvertido na doutrina e jurisprudência é saber se o banco de dados privado que diga respeito ao próprio impetrante pode ser considerado de caráter público viabilizando o manejo deste remédio constitucional para o acesso à informação.

No caso concreto que me fez aprofundar o estudo, tanto o juiz de primeiro grau, quanto o relator haviam entendido pela impropriedade da via eleita. O primeiro, indeferindo a inicial e o segundo, negando seguimento ao apelo. Tratava-se de renomado empresário brasileiro que possuía disponibilidade milionária nas suas contas correntes e que, após 53 anos de relacionamento com o Citibank, recebeu a carta-padrão informando que as contas seriam encerradas imotivadamente em 30 dias.

Malgrado a existência de previsão normativa do Banco Central (Bacen, Resolução no 2.025/1993 e Circular no 3.004/2000) que determina às instituições financeiras de fazerem referência expressa à situação motivadora da rescisão, bem como o Código de Defesa do Consumidor (CDC) reconhecer o direito do consumidor em ter livre acesso às informações sobre si existentes em cadastros, fichas, registros etc. (art. 43), os bancos seguem defendendo o caráter privado dos dados e a jurisprudência desconsiderando o disposto no art. 83, também do CDC, que viabiliza a adoção de todas as espécies de ações para a defesa dos direitos e interesses constantes no Código Consumerista.

Há, porém, luz no fim do túnel. Com efeito, com análise atenta aos fundamentos contidos no voto condutor do Ministro Fux – pendente de publicação, todavia com o áudio da sessão disponível –, pode-se observar que a normatização obscura do que vem a ser caráter público não tem por objetivo negar a seu próprio titular o conhecimento das informações que a seu respeito estejam cadastradas junto às entidades depositárias.

Disse o Ministro Fux que o registro de dados deve ser entendido em seu sentido mais amplo, abrangendo tudo que diga respeito ao interessado, seja de modo direto ou indireto, causando-lhe dano ao seu direito de privacidade.

Indo mais além, antes mesmo do julgamento, o Ministro Gilmar Mendes já havia afirmado que o texto constitucional não deixa dúvida de que o habeas data protege a pessoa não só em relação aos bancos de dados das entidades governamentais, como também em relação aos bancos de caráter público geridos por pessoas privadas.

Logo, a expressão “entidades de caráter público” não pode referir-se a organismos públicos, mas a instituições, entidades e pessoas jurídicas privadas que prestem serviços para o público ou do interesse público.

Tais reflexões levaram o próprio relator, integrante da 25a Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), a rever seu posicionamento, tendo sido concedida a ordem por unanimidade de votos, abrindo-se a via para todos os demais consumidores interessados, por meio deste leading case.

Em conclusão, no direito constitucional contemporâneo, deve-se privilegiar de forma ampla, geral e irrestrita o acesso pleno à informação esteja ela em poder de órgãos públicos ou entidades privadas, sendo o habeas data a via própria para essa concretização.

NOTAS_____________________________

1  Disponível em: <http://www.stf.jus.br/PORTAL/CMS/VERNOTICIADETALHE.ASP?IdCONTEUDO=293899>.