O Brasil precisa adotar providências para garantir a dignidade dos trabalhadores”

3 de maio de 2022

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Entrevista com o Ministro Emmanoel Pereira, Presidente do TST

O Ministro Emmanoel Pereira nasceu em Natal (RN). Tornou-se bacharel em Direito pela Universidade Federal do estado e atuou como advogado por 20 anos. Foi Procurador-Geral da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte e Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), até que, em dezembro de 2002, tomou posse como ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), nomeado pelo então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, em vaga destinada à advocacia pelo quinto constitucional.

Dentre muitas atribuições em sua trajetória de 20 anos no TST, compôs o Tribunal Pleno, o Órgão Especial e a Seção Especializada em Dissídios Coletivos. Participou duas vezes da Conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, na Suíça. Na primeira vez como observador, em julho de 2004, e na segunda como chefe da Delegação Brasileira, na condição de presidente em exercício do TST, em junho de 2017.

Atuou ainda como vice-diretor e professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados do Trabalho (Enamat), entre 2015 e 2016, e como vice-presidente do TST e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) no biênio 2016-2018. Foi membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre 2019 e 2021, e Corregedor Nacional de Justiça Substituto.

O Ministro é autor do livro “Direitos sociais trabalhistas”, lançado em 2018, e de diversos artigos publicados em jornais e revistas jurídicas, inclusive na Revista Justiça & Cidadania. Sua mais recente contribuição para a Revista foi um artigo publicado há exatamente um ano, quando em plena pandemia de covid-19 problematizou – em coautoria com a Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Juíza Renata Gil – as perspectivas para o futuro do Direito do Trabalho. “O 1o de maio impõe-nos uma reflexão sobre o tipo de trabalho que estamos construindo para as próximas gerações. Nossos filhos terão as mesmas oportunidades de seus pais e avós, ou se depararão com um mundo que lhes ofertará cada vez menos chances para prover a própria sobrevivência com dignidade?”, questionaram os autores.

A carreira de sucesso na magistratura foi coroada, em fevereiro passado, quando o Ministro Emmanoel Pereira assumiu o cargo de Presidente do TST e do CSJT. Será uma passagem curta, de apenas nove meses, pois em outubro completará 75 anos de idade e terá que se aposentar compulsoriamente, mas, como em toda a sua carreira, ele não está disposto a apenas assistir o tempo passar no cargo. Com uma série de iniciativas para tornar a gestão da Justiça do Trabalho mais moderna e plural, trabalha para deixar a sua marca. Saiba mais na entrevista a seguir.

Revista Justiça & Cidadania – Ministro, diante da iminente aposentadoria, o senhor terá uma passagem curta pela Presidência do TST. Quais são os projetos aos quais o senhor pretende se dedicar nesse período?

Ministro Emmanoel Pereira – Iniciei a gestão com um grande desafio e dois objetivos principais. O desafio é que as leis trabalhistas sejam cumpridas, sempre respeitando a dignidade do trabalhador. Ao mesmo tempo, imersos em uma pandemia inédita em nossos tempos e uma consequente crise econômica, é imperativo que se resguarde a saúde das empresas e se preserve a oferta de postos de trabalho. Paralelamente, mantenho dois grandes objetivos em minha passagem pela Presidência do TST: a valorização e o fortalecimento da Justiça do Trabalho e a defesa de políticas públicas que garantam inclusão, diversidade e pluralidade. 

Em pouco mais de dois meses, conseguimos grandes avanços nessas duas áreas. Estamos próximos de apresentar as conclusões da comissão criada para avaliar a reforma trabalhista. Colhemos elementos empíricos e passamos à avaliação dos dados estatísticos. Isso vai nos permitir maior eficiência na consolidação da jurisprudência, sem o risco de contaminação ideológica do debate. Outro grupo está empenhado em discutir as competências da Justiça do Trabalho. E, dentro do foco da valorização, estamos próximos de todos os 24 Tribunais Regionais do Trabalho e da advocacia, responsável por fazer a mediação entre o Poder Judiciário e a sociedade. Quanto à defesa da inclusão, não abrimos mão de defender ações que permitam que o acesso ao trabalho seja algo possível a qualquer cidadão que queira exercer uma atividade. Não admitimos que questões raciais, etárias, sociais, capacitistas ou de gênero, dentre outras, possam se interpor entre a pessoa e uma real oportunidade de ocupação profissional. É dever de todas as instituições trabalhar para reduzir o abismo que ainda hoje há na sociedade brasileira.

RJC – O senhor demonstra estar dedicado a deixar um legado de inclusão para a Justiça do Trabalho. O TST acaba de contratar intérpretes de libras para sessões, eventos e todos os materiais em vídeo. Junto a isso, um acordo para a contratação de trabalhadores com Síndrome de Down está sendo finalizado. O que poderia comentar sobre isso?

MEP – A inclusão de intérpretes de Libras já é uma realidade no Tribunal Superior do Trabalho, algo de que me orgulho muito. A iniciativa da Presidência em garantir às pessoas com deficiência auditiva a compreensão das sessões de julgamento do TST contou com o amplo apoio do Ministro Luiz José Dezena da Silva, Presidente da Comissão Permanente de Acessibilidade e Inclusão do Tribunal. As primeiras sessões de julgamento já contam com intérpretes e, nas próximas semanas, a ação chegará a todas as sessões, incluindo as oito turmas da Corte. Da mesma forma, os eventos e os vídeos produzidos pela nossa Secretaria de Comunicação também serão contemplados com essa ferramenta de acessibilidade. Nosso desafio diário é atuar como facilitador dessa ação inclusiva e desenvolver empatia nos diversos grupos sociais, para que todos se sintam estimulados a ocuparem espaços profissionais. 

A contratação de trabalhadores com Síndrome de Down é mais uma dessas iniciativas. Nesse intuito, a Presidência do TST, além do ato interno, editado em parceria com a Comissão de Acessibilidade, formalizou recomendação a todos os Tribunais Regionais do Trabalho, em normativo conjunto que contou com a participação da Ministra Dora Maria da Costa, Vice-Presidente do Tribunal, e do Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho. A intenção é a de que mais pessoas com deficiência intelectual possam desenvolver suas competências e habilidades, as quais, sabemos, são muitas e variadas. Temos ainda ações voltadas aos jovens, como o Programa Adolescente-Jovem Aprendiz, cuja solenidade de lançamento, realizada no último dia 25 de abril, contou com o apoio e o incentivo do Ministro Lelio Bentes Corrêa, idealizador do plano de aprendizagem até então vigente na Corte, destinado aos adolescentes. Com essa ação, o TST ampliou a proposta inicial, alargando a possibilidade de contratação de aprendizes entre 14 e 24 anos. A expectativa é conceder a estudantes carentes experiência profissional, com dignidade e respeito e, com isso, abrir o leque de oportunidades de ascensão social.

RJC – O senhor também liderou comitiva de ministros da Corte para entregar ao presidente Jair Bolsonaro moção de apoio do TST à ratificação do Brasil à Convenção 190 da OIT, que trata do combate à violência e ao assédio no mundo do trabalho. Como o Executivo recebeu a iniciativa?

MEP – Sim. Juntamente comigo, integraram a comitiva o Ministro Ives Gandra Martins Filho, nosso decano; os Ministros Alexandre Ramos e Douglas de Alencar; e a Ministra Morgana Richa. O presidente Bolsonaro recebeu muito bem nosso apelo e imediatamente encaminhou o assunto às áreas responsáveis do Governo para avaliação jurídica do tema. O combate à violência e ao assédio no mundo do trabalho é um assunto norteador de nossa atuação institucional. Assim, é necessário que o Brasil adote providências no intuito de garantir a dignidade de seus trabalhadores, em especial, das mulheres. E vou além, a ratificação dessa Convenção manda um recado ao mundo, mostrando que o Brasil respeita seus cidadãos. É uma ação que extrapola o mundo laboral e se reflete em toda a sociedade, seja pelo exemplo, ou pela qualidade de vida que uma relação de trabalho respeitosa oferece à população.

RJC – O TST e a Enamat lançaram recentemente o “Observatório Excelências Femininas”, iniciativa que leva em consideração a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina do Poder Judiciário. Quais são os objetivos do Observatório?

MEP – É mais uma iniciativa que visa à igualdade de gênero, a partir de um olhar institucional sobre a participação das mulheres no Judiciário Trabalhista, levando a reflexões sobre o reconhecimento profissional das magistradas. A instituição do “Observatório Excelências Femininas” partiu de ação conjunta da Presidência do TST com a Direção da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho, a cargo do Ministro Aloysio Corrêa da Veiga. Como coordenadora deste relevante Observatório foi designada a Ministra Morgana Richa, que conta com a participação da Desembargadora Tereza Aparecida Asta Gemignani, representante da Enamat, e da Juíza do Trabalho Ana Paula Sefrin Saladini. Sabemos que o perfil da Justiça do Trabalho vem mudando ao longo dos anos. Atualmente, o número de servidoras no TST é maior que o de servidores. A projeção é de que, em alguns anos, também teremos a composição da Corte mais equilibrada. É um caminho que se naturaliza mais a cada dia. No entanto, por ainda haver disparidade em todos os setores sociais, não podemos correr o risco de retrocessos. Por isso a importância das discussões e reflexões capitaneadas por mulheres, mas também com a participação de homens, no intuito de que colaborem na compreensão e no desenvolvimento da cultura da igualdade no cotidiano.

RJC – O senhor assumiu a Presidência no âmbito das comemorações dos 80 anos da Justiça do Trabalho. Qual é o papel que o senhor atribui à Instituição nesse momento da história do País e do mundo?

MEP – Os 80 anos da Justiça do Trabalho, completados no ano passado, representam um importante marco histórico. Para a celebração da data, o TST buscou instituir, neste mês de maio, seminário comemorativo, sob a direção da Ministra Maria Cristina Peduzzi. É fato que, chegamos aos 80 anos em um momento em que todas as instituições foram impactadas pela pandemia, algo inédito em nossos tempos. E, nesse cenário, de emergência sanitária e crise econômica, o papel da Justiça do Trabalho ganha importância ímpar. Devemos garantir que os postos de trabalho sejam mantidos, bem como a saúde das empresas, exercendo e aprofundando o papel conciliador nas disputas entre trabalhadores e empregadores. Também precisamos atuar na uniformização da jurisprudência, tendo em conta as regras trazidas pela reforma trabalhista e formando entendimentos sobre relações de trabalho que já existiam, mas que foram aprofundadas durante a pandemia, como o teletrabalho e a disseminação das contratações por aplicativos. São temas que nortearão os debates, em busca de uma prestação jurisdicional mais célere, efetiva e ainda mais transparente. Mas, além disso, precisamos manter o foco em temas que, infelizmente, ainda são realidade no Brasil, como é o combate ao trabalho infantil – que teve na Ministra Kátia Arruda uma defensora nos últimos anos, missão assumida, atualmente, pelo Ministro Evandro Valadão – e o combate ao trabalho em condições análogas à escravidão, verdadeiras chagas que acompanham a história do País, como vemos frequentemente na imprensa. E, evidentemente, não nos esquecemos de, mais que julgar casos nos quais há descumprimento de ações de segurança do trabalho, estimular a prevenção, algo que tem na Ministra Delaíde Alves Miranda Arantes um ícone.

RJC – Há quem defenda o fim da Justiça do Trabalho? Acredita que as questões trabalhistas poderiam ser resolvidas na Justiça Comum?

MEP – Defender a extinção da Justiça do Trabalho é um equívoco. Não traria redução de custos, tampouco melhoraria a prestação jurisdicional devida à sociedade. A Justiça do Trabalho tem princípios jurídicos próprios, que a tornam singular, em face dos demais ramos do Direito. Além disso, um possível efeito colateral nefasto seria o congestionamento de demandas, com sugestivo aumento dos níveis de desrespeito ao cumprimento da legislação do trabalho. No entanto, combater a ideia de extinção do ramo trabalhista do Judiciário não exclui o debate sobre ações que levem a uma prestação jurisdicional mais célere, justa e menos onerosa. Posso destacar que, desde sua criação, a Justiça do Trabalho atua para pacificar controvérsias nas relações trabalhistas, através da conciliação, tendo como resultado a redução da tramitação do processo e de eventuais entraves e custos desnecessários. Considerando a apuração do Conselho Nacional de Justiça, com dados de 2021, a conciliação trabalhista foi o ponto de destaque, nos permitindo afirmar que a Justiça do Trabalho é a que mais concilia, trazendo benefícios para todo o Judiciário e a sociedade.

RJC – A pandemia fortaleceu novos formatos de trabalho, incluindo as plataformas de aplicativos, nas quais não há jornada definida, piso salarial e outras garantias. Como a Justiça do Trabalho enxerga esse tipo de trabalho e como o trabalhador pode vir a ser melhor protegido?

MEP – Em grande parte, as novas modalidades de prestação de serviços representam evolução natural da dinâmica das relações sociais do mundo moderno. Sem dúvida, as implicações dessa conformação social constitui tema que seguirá no radar da Justiça do Trabalho, sempre atenta à complexidade das relações de trabalho. É verdade que a pandemia acabou antecipando muitas discussões sobre essas novas formas de contratação, que também entraram no foco da reforma trabalhista de 2017. Para o operador do Direito do Trabalho resta o desafio de avaliar as questões, priorizando o trabalho digno de homens e mulheres, de todas as idades, e o cumprimento das leis, considerando a manutenção dos postos de emprego e da saúde das empresas. É esse o propósito das pesquisas sobre a realidade do mundo do trabalho de hoje, que estou desenvolvendo junto à Presidência do TST, visando, também, ao fortalecimento e a valorização das instituições destinadas ao monitoramento e a garantia das condições adequadas para o trabalhador brasileiro.

RJC – Assim como aconteceu em toda a sociedade, a pandemia exigiu muitas “reinvenções” também no âmbito do Poder Judiciário, que respondeu bem às mudanças e, inclusive, aumentou sua produtividade. Passado o período mais agudo da crise sanitária, muitas das mudanças tendem a ser assimiladas e a se perpetuar. O que muda de agora em diante na Justiça do Trabalho e o que volta a ser como era antes do surgimento da covid-19?

MEP – O Judiciário trabalhista comprovou toda a sua capacidade de adaptação no período da pandemia. Superou as adversidades operacionais com uma impressionante desenvoltura, surpreendendo com aumento da produtividade no julgamento de ações judiciais. Correspondeu, portanto, muito bem aos anseios sociais daquele momento. Agora, em condições favoráveis para o retorno à atividade presencial, a prioridade é a retomada à normalidade dos serviços, sem prejuízo da evolução conquistada. Precisamos readequar os trabalhos. As ferramentas tecnológicas e os mecanismos de prestação de serviços desenvolvidos para o atendimento jurisdicional a distância podem e devem ser mantidos em tudo em que representou real benefício ao jurisdicionado, sem prejuízo de assegurar ao trabalhador brasileiro, especialmente àqueles em condições mais vulneráveis, a possibilidade de contar com o aparato físico do Judiciário Trabalhista. O viés social da Justiça do Trabalho exige do magistrado mais do que a prestação jurisdicional célere. Por vezes, faz-se necessário o acolhimento das dúvidas e incertezas dos trabalhadores, a fim de assegurar efetividade ao direito de acesso à Justiça. Não é por acaso que o Direito do Trabalho ainda mantém institutos muito próprios, a exemplo do jus postulandi, que possibilita o ingresso de ações trabalhistas diretamente pelo trabalhador, sem o auxílio de advogado, podendo suas pretensões serem reduzidas a termo na própria unidade jurisdicional.

RJC – A PEC 159/2019 propõe que a idade para a aposentadoria compulsória dos ministros dos tribunais superiores volte a ser de 70 anos. Qual é a sua opinião sobre o instituto da aposentadoria compulsória? Em sua visão, o que seria mais apropriado, 70 ou 75 anos?

MEP – Posso dizer, por experiência própria, que o homem de 70 ou 75 anos de idade possui ampla capacidade intelectual e laborativa, não se justificando a redução do limite etário para a aposentadoria compulsória por esse fator. É inegável que o mundo moderno trouxe mais vitalidade para o ser humano. Na década de 1960, a expectativa de vida era de apenas 48 anos, antes da pandemia já beirava a faixa de 77. Em menos de cinco décadas, houve a ampliação da estimativa de vida do brasileiro em quase 30 anos. A Emenda Constitucional no 88, de 7 de maio de 2015, ao ampliar para 75 anos de idade o limite etário para a aposentadoria compulsória nada mais fez do que acompanhar a evolução dos tempos. Cabe à sociedade brasileira saber aproveitar o conhecimento dos mais experientes. Com isso, todos ganham.

RJC – Considerando a importância de Vossa Excelência para o Direito do Trabalho, o senhor já tem planos para quando deixar a magistratura?

MEP – No momento, estou centrado em bem servir o povo brasileiro nos limites da atuação junto à Presidência do TST e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Meu mandato é curto para tudo o que anseio fazer em prol da valorização da Justiça do Trabalho e do fortalecimento das instituições voltadas ao atendimento das necessidades do trabalhador e ao empreendedor no Brasil. Com as atividades do dia a dia, diante da responsabilidade de estar à frente do Judiciário trabalhista, não me sobra tempo para fazer planos para além da missão que assumi em fevereiro deste ano. No futuro, com o término deste mandato poderei, então, pensar em outras atividades.