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O filtro da prudência

21 de setembro de 2017

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Muita gente estranhou as condições ex­cepcionais com que foram brindados Joesley Batista e Ricardo Saud, dono e executivo da JBS, quando resolveram fazer o acordo da delação premiada, o qual balançou os alicerces da República.  Mesmo confessando um rosário de crimes de lesa-pátria, saíram premiados com uma inacreditável e inédita imunidade penal como nunca se viu na história deste país, que lhes permitiu, até, passe livre para o exterior, a fim de go­zar dos luxos negados ao comum dos mortais.

Os negócios dos irmãos Batista, segundo voz cor­ren­te, tiveram crescimento, digamos assim, difer­en­cia­do, nos últimos anos. Agora se sabe como isto, pro­va­velmente, se deu. No áudio que veio a público, Joesley se jacta de ter corrompido quase todos os polí­­ticos e partidos do Brasil, revelando outros detalhes do que fez e do que iria fazer, para escapar im­pune, não bas­tas­se o quadro de balbúrdia insti­tucional e de ruína nacional que ajudou a causar.

Há, todavia, um velho e conhecido ditado, segun­do o qual “o malandro demais se atrapalha”. E tal acon­teceu com o delator, que inadvertidamente gravou a si próprio, em diálogo com seu interlocutor, revelando detalhes de como comprometeriam meio mundo, como jogariam “bombas” no Executivo, no Legislativo e no Judiciário e, no fim, acreditavam, escapariam ilesos. Envolveram e causaram danos irreparáveis por meio de assessores ou interpostas pessoas, ao trabalho do Procurador Geral Rodrigo Janot e da PGR. Pegos em flagrante, em sua defesa, disseram tratar-se aquelas inconfidências, de “conversa de bêbados”…

Não há, infelizmente, outro caminho, a não ser a anulação do acordo de delação premiada e a adoção de todos os rigores da lei, aplicados em indivíduos e casos análogos, também aos dois. Tudo o que dis­se­ram e tudo o que apresentaram, salvo melhor juízo, perdem por completo a credibilidade, a não ser que, cum grano salis, sejam secundados por novas provas, submetidas ao crivo rigoroso do contraditório e ao filtro da prudência. Afinal, de outro lado, deve-se observar o princípio da presunção de inocência de eventuais acusados.

Tudo, no entanto, até as piores coisas, podem servir de lição. Hoje em dia, e é difícil discordar, o instituto da delação premiada passou a ser o principal ins­tru­mento de combate ao crime organizado, mas isto não deveria ser assim. Parece esquizofrênico que, em essência, o direito penal vede a autoincriminação, mas a delatio passe a ser um mecanismo utilizado de forma rotineira e, percebe-se, agora, pouco criteriosa. 

É que, vendo a facilidade, aqueles que se encontram enredados nas teias da lei, podem muito bem pensar e agir para obter vantagens indevidas, como deflui deste último episódio. A ousadia,  neste mesmo caso, foi longe demais, porém, com a citação da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do ministro Mauro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), magistrados cuja probidade é de todos amplamente reconhecida, os quais reagiram, como deve ser, com notas e pro­nun­ciamentos em que repu­diam as acusações, avançando os boquir­ro­tos, ainda, contra os ministros João Otávio de Noronha e Napoleão Maia, igualmente do Tribunal da Cida­dania. O objetivo evidente era desmoralizar os poderes da Nação.

Alguém já disse, com irreverência e desalento, que  “a única coisa que se organiza no Brasil é o crime”. As autoridades, policiais, judiciais e o Mi­nistério Público, no geral, têm feito um ótimo trabalho, que desmente aquela afirmativa. Não se po­de deixar que açodamento, deslizes ou mentiras, no entanto, maculem ou inter­rompam o  processo his­tórico de  limpeza ética pela qual, induvidosa­men­te, passa o nosso país.