Até recentemente a imprensa brasileira dedicava pouco espaço ao Poder Judiciário. Isso mudou e hoje são freqüentes as matérias jornalísticas enfocando aspectos do sistema judiciário, mas quase que invariavelmente para denunciar falhas, falar de corrupção e mostrar que os juízes e tribunais estão longe de ser um modelo de perfeição. Muitas vezes esses críticos valem-se maliciosamente de manifestações, que constituem louvável inovação, de associações de juízes ou mesmo de órgãos do Judiciário reconhecendo existirem deficiências na organização e no funcionamento do Judiciário, chegando a denunciar a existência de vícios que comprometem a imagem de independência, imparcialidade e rigor moral que devem ser as qualidades básicas dos juízes de todos os níveis. Na realidade, qualquer pessoa que tenha conhecimento direto do sistema judiciário sabe que ele tem falhas que devem ser corrigidas. Sabe também que entre os membros do Judiciário existem muitos que são contrários ao reconhecimento dessas falhas, sendo contrários ao debate público de propostas de aperfeiçoamento, por entenderem que tal publicidade compromete a autoridade do Judiciário e a imagem dos juízes.
Alguns pontos positivos devem ser ressaltados. Em primeiro lugar, nos últimos anos surgiram movimentos de juízes que reconhecem a necessidade de aperfeiçoamento e trabalham por isso, devendo-se notar que essa movimentação, que sofreu forte resistência no âmbito do Judiciário, vem ganhando adeptos. Entre outros avanços importantes, verifica-se que muitos integrantes ativos desses movimentos, que no início congregavam quase que exclusivamente juízes de primeira instância, estão chegando aos tribunais, sendo promovidos por antigüidade ou merecimento. Desse modo estão conquistando posições nas cúpulas dirigentes e deixando patente que os juízes considerados rebeldes por reconhecerem falhas e quererem o aperfeiçoamento não estão excluídos das promoções. Assim, pois, há um movimento renovador que vem de dentro do próprio Judiciário. A par disso, embora pareça incoerente, muitas críticas que aparecem na imprensa decorrem do fato de que os juízes e tribunais estão decidindo com mais independência, fugindo do estrito legalismo formal e mostrando preocupação com a Justiça. Essa orientação vem contrariando privilégios elitistas mas dá efetividade a direitos econômicos, sociais e culturais que antes figuravam na Constituição e nas leis e jamais saiam do papel. Isso desagrada os privilegiados tradicionais, que por sua condição econômica têm acesso fácil aos grandes veículos da imprensa e se valem disso para tentar desmoralizar e intimidar os juízes, querendo forçá-los a voltar à atitude de acomodação, de respeito reverencial perante os fraudadores de luxo e de estrito apego à letra da lei, mesmo que injusta e contrária aos princípios constitucionais.
Para quem, por ignorância ou má fé, só vê e apregoa aspectos negativos do sistema judiciário brasileiro, é bom saber que, em decorrência de um gravíssimo erro judiciário recente, identificado como ‘’caso Outreau’’ (os franceses pronunciam Utrô) um dos mais eminente magistrados da França, Jean-François Burgelin, apresentou sugestões para aperfeiçoamento do sistema judiciário francês, incluindo várias que coincidem com o que já existe no Brasil. Assim é que ele sugere a extinção do Juiz de Instrução, magistrado que dirige os inquéritos policiais, determina prisões e buscas domiciliares, ouve sozinho acusados e testemunhas. Sugere, também, a separação das carreiras da magistratura e do Ministério Público, que na França estão concentradas numa carreira comum, com a agravante de que lá o ministro da Justiça é o superior hierárquico dos magistrados que agem como Ministério Público. Além disso, sugere que em todos os inquéritos que possam prejudicar direitos seja admitida, desde o início, a presença de um advogado. Tudo isso já ocorre no Brasil.
Não há dúvida de que o sistema judiciário brasileiro pode e deve ser aperfeiçoado, mas é necessário que haja boa fé nas críticas ao Judiciário, buscando-se serenamente a identificação de suas falhas. A partir da Constituição de 1988 aumentou a procura de proteção judicial, o que foi motivado pelos novos direitos consagrados e pela eficácia das normas sobre direitos fundamentais, bem como pela criação de novos meios de acesso ao Judiciário. Isso traz dificuldades mas é bom, impondo-se o reconhecimento de que, ao contrário de serem despesas supérfluas, os gastos com o aperfeiçoamento do sistema judiciário enquadram-se no atendimento de necessidades essenciais do povo.