“O que gera emprego e outras oportunidades de trabalho é o crescimento econômico”

3 de maio de 2021

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Entrevista com o Ministro do TST Alexandre Agra Belmonte, Membro do Conselho Editorial

Quatro perguntas para o Ministro do TST Alexandre Agra Belmonte

Justiça & Cidadania – A Justiça do Trabalho chega aos 80 anos mais forte do que nunca?
Ministro Agra Belmonte – Evidentemente, mais forte, estando presente em todos os Estados da Federação. Até 1946 era órgão administrativo e até 1999 foi mantida a representação classista em todos os graus de jurisdição. A partir de então, composta apenas de juízes togados, tornou-se mais técnica e, em 2004, teve a sua competência ampliada, tanto para a apreciação das relações privadas de trabalho, subordinadas ou não, em que o trabalhador se ativa pessoalmente na prestação de serviços, quanto para decidir sobre danos materiais e morais decorrentes das relações de trabalho.

JC – Há alguma base científica para afirmar, como defendem muitos empresários e políticos, que a desregulamentação trabalhista geraria novo impulso econômico para o País? Menos direitos trabalhistas podem significar mais empregos?
AB – É lógico que não. A pacificação interna dos países europeus ao fim da I Guerra Mundial, em 1919, só foi possível com a criação da Organização Internacional do Trabalho e a regulamentação internacional dos direitos trabalhistas, a que aderiram inúmeros países, inclusive o Brasil. Na época em que o Brasil se industrializava, Getúlio Vargas evitou, com a legislação trabalhista consolidada, que aqui ocorressem os conflitos internos que se verificaram na Europa.

O mundo evoluiu e é evidente que a legislação trabalhista precisava acompanhar nas relações individuais e coletivas as transformações do mercado de trabalho. Para isso precisa desregulamentar aqui e regulamentar ali, mas o que gera emprego e outras oportunidades de trabalho é o crescimento econômico. Enquanto tivemos crescimento econômico, mesmo com a legislação anterior à reforma, experimentamos número ínfimo de desemprego.

O que precisamos é de políticas públicas que reduzam a desigualdade social no Brasil, resolvam o problema da falta de mobilidade urbana, o saneamento e permitam preparar educacionalmente os trabalhadores para as oportunidades do mundo atual e para a geração de tecnologia.

JC – Hoje em dia, quem quer o fim da Justiça do Trabalho? Acredita que as questões trabalhistas poderiam ser resolvidas na Justiça Comum?
AB – Com todo o respeito, garanto que é uma minoria desinformada e incapaz de imaginar a convulsão social que isso poderia gerar em um País com tamanha desigualdade social e que é campeão mundial em rotatividade no emprego. A Justiça do Trabalho se justifica pelo tamanho e ainda assim é a mais eficiente de todas, como reconhecido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ainda que a Justiça do Trabalho pudesse integrar a Justiça Comum, a necessidade de regulação das relações de trabalho, sob pena de convulsão social, se imporia. Quem resolveria, por exemplo, as questões relacionadas aos acidentes do trabalho, sendo o Brasil um dos campeões, a ponto da Justiça Comum, despreparada para as questões trabalhistas, não ter conseguido dar conta? E os problemas relacionados ao trabalho infantil e o trabalho análogo ao de escravo? Trabalho em plataformas marítimas ou em navios mercantes?

JC – A pandemia fortaleceu novos formatos de trabalho, incluindo as plataformas de aplicativos, nas quais não há jornada definida, piso salarial e outras garantias. Como a Justiça do Trabalho enxerga esse tipo de relação trabalhista e como o trabalhador pode vir a ser melhor protegido?
AB – A pandemia fortaleceu o trabalho à distância, facilitado pelas novas tecnologias, mormente diante dos graves problemas de mobilidade urbana no Brasil. Quanto ao uso de aplicativos, que pode ou não envolver trabalhadores, ele antecede a pandemia. Uber, Loggi, vendas on-line, OLX e Booking já existiam. Alguns até, no setor de turismo, estão sofrendo bastante com a pandemia.

No caso do Uber e equivalentes, como serviços de entregas, penso que é preciso integrar esses trabalhadores na proteção social. Direitos como salário mínimo, jornada máxima, sindicalização e proteção previdenciária (mas sem vinculação empregatícia) dariam dignidade a esses trabalhadores, sem maiores custos para os empresários, e ainda propiciariam diminuição da informalidade e aumento da receita estatal.