Os desafios da mulher no Judiciário

5 de outubro de 2020

Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)

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É inegável que a luta pela afirmação e conquista dos direitos da mulher culminou em diversos ganhos importantes para o gênero. Ao longo da história, as mulheres se apoderaram de espaços até bem pouco tempo privativos da atuação masculina, seja no setor público, seja na iniciativa privada. No Brasil não foi diferente. Os avanços chegaram; entretanto, continuam existindo incontáveis barreiras a dificultar a equiparação de condições entre os gêneros, notadamente, nos espaços de poder.

No caso da magistratura, é possível perceber que as mulheres já começam em desvantagem, na medida em que se inscrevem em menor número nos concursos públicos para o cargo e, como consequência, são aprovadas também em quantidade inferior, perdendo representatividade. Ao verem poucas mulheres em posição de liderança, as jovens se sentem desestimuladas a chegar àquele lugar, criando a sensação inconsciente de que aquele espaço não às pertence.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por iniciativa da então presidente, Ministra Cármen Lúcia, em 2018, editou a resolução de nº 255 – da “Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário”. A primeira a dispor sobre a participação das mulheres, recomendando aos órgãos da Justiça que adotem “medidas tendentes a assegurar a igualdade de gênero no ambiente institucional”.

No ano seguinte, em 2019, pesquisas foram publicadas, em consonância com a “Política Nacional” inaugurada pelo CNJ. Por meio delas, tornou-se possível trazer à lume evidências objetivas dessa situação paradoxal, entre as quais um dado que merece atenção especial: nos últimos dez anos, a prevalência das mulheres na magistratura caiu na comparação com os períodos anteriores, quando o movimento era de crescimento.

Em parceria com professores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) realizou a pesquisa “Quem somos. A magistratura que queremos”, por meio da qual obteve importantes informações e dados. Verificou-se que, no caso dos juízes de primeira instância (Justiça Estadual, Federal, do Trabalho e Militar), 36,7% dos respondentes eram mulheres. Na segunda instância, o nível baixou para 21,2%. Nos tribunais superiores, nova redução drástica no índice, para 9,1%.

Ainda de acordo com a pesquisa, em um panorama mais amplo, as mulheres representam menos de 35% da magistratura brasileira – consideradas apenas a 1ª e 2ª instâncias. Nas cortes superiores, o número é ainda menor. Somos apenas 18,5%.

Imagina-se que, a despeito do processo de feminização, a magistratura prevalece inserida em um sistema de gênero, socialmente construído, colocando homens e mulheres em lugares determinados nas instituições e na sociedade. É como se houvesse um paradigma masculino no exercício profissional a impor às magistradas uma postura profissional mais rígida e, ao mesmo tempo, a necessidade de afirmação constante de sua competência para a ocupação do cargo.

Compreender as razões que ensejam a segregação das mulheres da magistratura – ainda que inexistam vedações formais nesse sentido, a segregar os gêneros – demanda uma reflexão aprofundada no curso da história, para se perceber o predomínio de uma força de resistência estrutural ancorada sobretudo no passado, que, diga-se de passagem, não se manifesta apenas no âmbito do Poder Judiciário.

Como primeira mulher a assumir a presidência da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) percebo que, além dos deveres e atribuições decorrentes do próprio exercício da função, cabe a mim a missão de bem representar o gênero feminino para que outras tantas mulheres se sintam inspiradas, capazes, e possam me suceder fazendo mais e muito melhor do que eu.