Plano deve custear congelamento de óvulos até fim de tratamento de câncer

3 de setembro de 2023

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Paciente, que tem planos de maternidade, enfrenta um câncer de mama. Foto: Freepik

Reconhecendo o risco de infertilidade em decorrência de quimioterapia, mas compreendendo que a medida não pode impor obrigação desarrazoada à empresa, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça determinou que um plano de saúde custeie o congelamento de óvulos de uma paciente com câncer de mama até a alta do tratamento de prescrito.

O caso chegou ao STJ após o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinar que a operadora reembolsasse a mulher em mais de R$ 18 mil pela realização do procedimento. A empresa sustentou que a corte paulista “incorreu em obscuridade e omissão” em relação a dispositivos da Lei 9.656/98, que dispõe sobre os planos privados de assistência à saúde.

A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, entendeu como válida a decisão do TJ-SP, mas fez a distinção entre o tratamento da infertilidade (que não é de cobertura obrigatória pelo plano de saúde) e a prevenção da infertilidade (enquanto efeito adverso do tratamento prescrito ao paciente e coberto pelo plano de saúde).

“O TJ-SP, atento a esse cenário, registrou que o procedimento em questão de criopreservação de óvulos não se confunde com método de reprodução assistida e que o procedimento indicado à autora se refere a um método de preservação de seus óvulos por congelamento, para caso futuramente venha a sofrer de infertilidade, decorrente do tratamento de sua doença por quimioterapia, possa engravidar”, destacou a ministra.

Nancy, então, compreendeu que, se a finalidade da medida é preservar a capacidade reprodutiva da paciente, não é razoável impor à operadora a obrigação de custear o  congelamento “sine die” — inclusive para além do período de fertilidade da mulher.

“Se a infertilidade é um risco, e não um efeito adverso inexorável da quimioterapia, é possível que a recorrida, depois de submetida ao tratamento, sequer necessite utilizar os óvulos congelados, no caso de se manter fértil, inclusive engravidando naturalmente, de modo que a medida se tornaria, nessa hipótese, absolutamente desnecessária.”

A ministra disse que, embora indesejada, a infertilidade que pode ser causada pela quimioterapia é mal menor que a doença que acomete a paciente e, por isso, não se afasta a sua indicação como tratamento.

“Assim, o princípio do primum, non nocere (primeiro, não prejudicar), não impõe ao profissional da saúde um dever absoluto de não prejudicar, mas o de não causar um prejuízo evitável, desnecessário ou desproporcional ao paciente, provocado pela própria enfermidade que se pretende tratar. Nessa mesma trilha, é possível afirmar que do princípio da não-maleficência (primum, non nocere) também se extrai um dever de prevenir, sempre que possível, o dano previsível e evitável resultante do tratamento médico prescrito.”

No caso, de acordo com a ministra, se sobressai a necessidade de encontrar a solução mais justa e eficaz, “que, a um só tempo, atenda à expectativa da paciente de prevenção da infertilidade, sem impor à recorrente uma obrigação desnecessária ou desarrazoada para o atendimento da mesma pretensão”.

Segundo a ministra, o atendimento de ambos os interesses tutelados pelo ordenamento jurídico impõe o reparo, em parte, do acórdão recorrido pela operadora, mas apenas para limitar a obrigação do custeio do congelamento dos óvulos até a alta do tratamento de quimioterapia prescrito à paciente.

Clique aqui para ler o acórdão
REsp 1.962.984

Publicação original: ConJur