Plebiscito seria a solução?

20 de setembro de 2013

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Luiz Gonzaga BertelliA presidente Dilma tem reiterado à Nação o seu obstinado intuito de convocar um plebiscito popular, estimado em meio bilhão de reais, com a finalidade de analisar a possibilidade de uma reforma política. Segundo ela, seria “imprescindível” para responder aos anseios da população. Os legisladores da base governamental e da oposição do Executivo já haviam descartado a iniciativa de fazer um plebiscito.

Reforma política feita por meio de um plebiscito é temerária e de difícil consecução, sentenciam jurisconsultos famosos, entre eles Miguel Reale e Meirelles Teixeira.

Em 1963, eleitores votaram no plebiscito. Onze milhões sufragaram de um eleitorado de dezoito milhões. O resultado determinou a volta do presidencialismo. No ano de 1993, o governo indagou da população brasileira se desejava uma monarquia ou uma república e sobre o sistema de governo: presidencialismo versus parlamentarismo. As decisões eram dicotômicas. Houve o pouco interesse da população e o baixo nível de mobilização no que concerne à consulta. Em decorrência, perto de 50% do eleitorado absteve-se de votar.

Desta feita, o questionamento é de difícil entendimento para a maioria da população brasileira, constituída, tristemente, de analfabetos puros ou funcionais. Daí, a imprescindibilidade, preliminarmente, de longo e didático esclarecimento ao povo a fim de resultar em efetivos benefícios. A informação poderá ser obscura, e há dúvidas de que os eleitores a consigam distinguir, como afirma um ministro do STF. Haverá um catálogo de questões de difícil escolha. Existe vasta literatura sobre o plebiscito e diversos livros de cunho jornalístico.

Consultar a população por plebiscito significa ouvir a opinião do povo, por “sim” ou “não”, sobre a proposta que lhe seja formulada.

À época que se estudava Direito romano nas escolas jurídicas do país, aprendemos com o professor Alexandre Correia que o plebiscito constitui uma das modalidades das leges rogatae, ou leis votadas pelo povo reunido em comício por proposta de magistrados, que se tornam obrigatórias para todos após a ratificação pelo senado. Modernamente, o plebiscito é instituto presente na consulta ao povo acerca de uma decisão a ser tomada. No plano do Direito internacional, o plebiscito é empregado a fim de obter a manifestação de uma comunidade a propósito da independência nacional ou de sua vinculação a este ou àquele Estado. A partir dos tratados que juridicamente puseram termo à I Guerra Mundial, sua utilização tem sido frequente.

Para os constitucionalistas mais conceituados, o emprego do plebiscito enseja séria controvérsia e tem sido utilizado, em diversas ocasiões, de forma distorcida, a fim de reforçar predominantemente o poder de autocratas. Daí, a assertiva de Louise Michel, em 1905: “Todo plebiscito, graças à intimidação, à ignorância, dá sempre a maioria contra o Direito, quer dizer ao governo que o invoca.”

Não obstante, alguns o consideram um instrumento útil para trazer à democracia a intervenção direta do povo. Corresponderia a um remédio capaz de impedir que a soberania popular não se degenere em mera soberania dos parlamentares, conforme a advertência de Rousseau.

Entre outros insignes mestres do Direito públi­co, Manoel Gonçalves Ferreira Filho esclarece a imprescin­dibi­lidade de distinguir o plebiscito do referendum. O segundo, sim, mereceria acolhida como um instituto que atenuaria o caráter indireto da democracia represen­tativa. Mas as duas instituições têm de comum o chamar os interessados, os cidadãos, a se pronunciarem sobre assuntos da política. É certo que essa distinção é antes de caráter político que jurídico. E nem sempre é possível discernir, nos casos concretos, entre as consultas a que importa e a que não importa em uma manifestação de confiança em um homem. Por outro lado, em muitos Estados, como na Suíça, consideram-se sinônimos os termos referendum e plebiscito. Portanto, este se trata de colher a vontade a priori sobre um determinado assunto, enquanto o referendum normalmente ocorre para aprovar ou rejeitar uma lei, uma Constituição ou, até mesmo, um ato normativo. Contudo, são diferenças que não resistem a uma análise absoluta; é sempre possível encontrar exemplos históricos da palavra “referendo” significando plebiscito, e vice-versa.

Quanto ao plebiscito, serviria, apenas, para disfarçar o poder de um dirigente. Não passaria de um mero instrumento do cesarismo, na sustentação de Duverger. O referendum é procedimento usual dentro da estrutura do poder constituído, enquanto o plebiscito é um procedimento excepcional, destinado a produzir modificações profundas de diversas naturezas: política, social, territorial, etc.

Na doutrina moderna, o termo referendum significa a consulta legítima ao povo, e o plebiscito, a consulta abusiva, usando-a para vestir de democracia um poder autocrático. É muito difícil, talvez mesmo impossível, fixar de maneira rigorosa as diferenças entre um e outro. O plebiscito, no ensinamento do saudoso Celso Bastos, volta-se mais para a consulta ao povo antes que haja um ato já praticado, enquanto o referendum, normalmente, ocorre para aprovar ou rejeitar uma lei, uma constituição ou, até mesmo, um ato normativo. Trata-se de instituto cujas raízes se encontram na concepção de que o povo é a fonte do poder, cabendo-lhe, por isso mesmo, decidir diretamente sobre as normas reguladoras da vida da coletividade. Nesse sentido, e segundo Rousseau (1712-1778), “toda lei que o povo diretamente não ratificou é nula; não é lei”.

Historicamente, Bonaparte usou do plebiscito para alcançar o consulado vitalício, em 1802 e, em 1804, a dignidade imperial. O seu sobrinho, Luís Napoleão, em 1851, realizou o plebiscito com o escopo de obter a aprovação popular de consulta, que lhe concedeu o poder imperial. Os suíços e os americanos do norte construíram diversas modalidades de referendos com sucesso. A experiência mostra que, na maior parte das vezes, o povo responde afirmativamente à consulta que lhe é feita. Daí a possibilidade de utilizá-la para vestir de democracia um poder autocrático.

Na legislação maior brasileira, o termo plebiscito foi introduzido na Constituição de 1937, o que confirma a inspiração autoritária do instituto. A constituição de 1946, igualmente, contemplou a consulta plebiscitária, e a Emenda Constitucional no 4, de 1961, instituiu o regime parlamentarista de governo.

Em 1962, o general de Gaulle, na França, convocou o plebiscito para aprovar a eleição direta do presidente da República. Apesar dos protestos, ganhou com ampla maioria. No ano de 1968, sentiu-se novamente pressionado e propôs novo plebiscito sobre a reforma constitucional, mas foi derrotado.

Em janeiro de 1963, o parlamentarismo foi repelido no Brasil, com o retorno do presidencialismo.

Alguns eminentes historiadores asseveram que a consulta plebiscitária referia-se muito mais à aprovação ou à repulsa da figura de João Goulart do que à opinião sobre os benefícios ou o repúdio ao parlamentarismo.

A Constituição de 1967, bem como a emenda no 1, de 1969, não manteve a obrigatoriedade do plebiscito para a subdivisão, a anexação ou o desmembramento dos Estados.

Contudo, previu a consulta prévia às populações para a criação de municípios na forma de um plebiscito. A Constituição brasileira de 1988 prevê a utilização do plebiscito como forma de consulta prévia às populações diretamente interessadas, de estados-membros da federação, com vistas à incorporação entre si, à subdivisão e ao desmembramento.

A oposição governamental repudia a proposta da Presidente Dilma, classificando-a como divisionista.

No ver dos partidos, o melhor seria a adoção de uma ampla consulta popular, mas não sob a forma plebiscitaria do “sim” ou do “não”. A legislação complexa, como a da desejada reforma política brasileira, ensejaria maior discernimento, o que só um referendum poderia proporcionar, proclamam.

Entretanto, caberá exclusivamente ao Congresso Nacional convocar o pretendido plebiscito ou referendum em 2014. O órgão legislativo ao qual se apresentará o pretendido é a Câmara dos Deputados. O plebiscito sempre contou com as preferências dos ditadores, especialmente os modernos, por lhes permitir obter a unção popular de seu poder. Partindo do princípio de que “todo poder emana povo”, a democracia plebiscitária se vê amparada em sólida base dogmática. Não faltam meios à propaganda enganosa para viabilizar esse dogma, ao preparar a “vontade geral” favorável a um homem forte, cujo surgimento e prestígio se devem, em grande parte, a generalizado horror à anarquia gerada quase sempre pelo facciosismo, pela paixão partidária. Nos regimes totalitários, é frequente o recurso ao plebiscito.

Em face da complexidade das manifestações de rua, toda a sociedade civil e os setores que têm responsabilidade social teriam que ser ouvidos.

A juventude deixou claro que não aceita mais a sua representação pelos atuais governantes e políticos.

O momento é histórico e devemos, dessa forma, aproveitar a oportunidade a fim de enfrentar com isenção, severidade e urgência, desmandos, corrupção, privilégios e poderes encastelados.