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Poder Judiciário, Justiça Federal

5 de outubro de 2002

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PROCESSO Nº 2001.5101.005291-6   –  8ª VARA FEDERAL

Autora: COMPANHIA BRASILEIRA DE DISTRIBUIÇÃO

(Adv. Dr. Izildo Natalino Casaroto)

Ré: UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL)

(Proc. Dr. Antônio Levi Ribeiro)

S E N T E N Ç A

Vistos etc.

COMPANHIA BRASILEIRA DE DISTRIBUIÇÃO propõe a presente Ação Ordinária em face UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL), onde a autora busca o reconhecimento judicial dos títulos especificados, a verificação das condições descritas no curso da inicial, a inocorrência da prescrição, e por fim o resgate dos títulos, através de pagamento por precatório, ou compensação com tributos devidos e contribuições federais, ou ainda a sua utilização como moeda em leilões de privatização.

Alega que o Governo Federal, no início do século, logo após a proclamação da república, decidiu pela realização de diversas obras de relevo, como estrada de Ferro Madeira Mamoré, São Luiz-Caxias, Passo Fundo-Uruguai e outras, resolvendo captar os recursos para tanto necessários, junto ao público. Foram emitidos, no período de 1902/1926 títulos denominados “apólices da dívida pública” através das quais foram obtidos os recursos necessários. Esclarece que não há notícias sequer do início das obras.

Diz, ainda, que, em 28 de fevereiro de 1967, foi editado o decreto-lei nº 263, que estabelecia prazo de 6 (seis) meses para apresentação dos títulos para resgate, o que viria a ser feito com a subscrição de novos títulos públicos (ORTN). Em 30 de dezembro de 1968, às vésperas do vencimento final do prazo anteriormente fixado, veio a ser publicado o decreto-lei nº 396, que alterou o prazo de resgate para doze meses, não tendo sido publicado nenhum outro edital pelo Banco Central. Sustenta a sua condição de legítimos portadores dos títulos indicados, bem como da inocorrência da prescrição, juntando, para tanto, pareceres de juristas nacionais de nomeada como Arnoldo Wald, Miguel Reale Júnior e Aristides Junqueira Alvarenga. Em síntese, dizem que ao emitir as apólices e captar o dinheiro no mercado, praticou o Estado atos e celebrou contratos próprios do direito comum, havendo como única diferença o fato de ter ficado na condição de devedor. Acrescem, ainda, que os decretos-lei nº 263/67 e 396/68 não poderiam dispor sobre o resgate e prescrição de apólice, uma vez que o seu uso estaria subordinado às hipóteses previstas na Constituição Federal. Não poderia uma lei e muito menos um decreto-lei alterar a forma de resgate de títulos assim como criar prazo prescricional, antes inexistente. Ademais, reforçam a sua posição dizendo ter a própria União confirmado a não ocorrência da prescrição face da publicação da Medida Provisória nº 1.238/ 95, que referindo-se sobre alterações no artigo 30 da Lei nº 8.177/91, voltava a referir-se aos títulos mencionados no decreto-lei nº 263/67.

Dizendo da obrigação de a dívida representada pelos títulos dever ser paga, apresenta a autora critérios para sua liquidação, através do resgate dos títulos, mediante pagamento por precatório, ou compensação com tributos devidos e contribuições federais, ou ainda a sua utilização como moeda em leilões de privatização; acrescem ainda, pleiteando a utilização de correção monetária e da aplicação de juros moratórios. Requerem, por fim a condenação da União no pagamento da verba honorária e nas custas judiciais.

Apreciado o pedido de tutela antecipada, foi o mesmo concedido para declarar válidas e imediatamente exigíveis as Apólices da Dívida Pública, que foram objeto de análise.

Interpôs a União Federal agravo de instrumento, contra a decisão que deferiu o pedido de tutela antecipada.

A seguir ofereceu a União sua contestação tecendo comentários sobre a autenticidade dos títulos, assim como argüindo a prescrição dos mesmos, refutando, a final, a utilização dos juros e a correção monetária.

Em réplica, os autores reafirmaram os termos da inicial, refutando os ofertados pela ré.

Em provas – a autora e ré manifestam a desnecessidade de produção de outras provas, conforme comprovam os documentos acostados aos autos.

É o relatório

Decido

Cuida-se nestes autos, de ação ordinária proposta por COMPANHIA BRASILEIRA DE DISTRIBUIÇÃO, visando seja declarado o vencimento antecipado de apólices representativas da dívida pública contraída pela União, no início do presente século, assim como seja condenada a resgatá-las pelo seu valor integral, devidamente atualizada, acrescida de juros contratuais e de juros moratórios, devendo o crédito vir a ser apurado ser utilizado para, em caráter alternativo, ou pagamento por precatório, ou para compensação com tributos devidos ou outras dívidas eventualmente existentes com a União, ou ainda, como moeda de privatização, ou não acolhidos estes pleitos alternativos, seja a COMPANHIA BRASILEIRA DE DISTRIBUIÇÃO autorizada a utilizar os títulos em garantia de dívidas contraídas perante a  União Federal pelo valor de face.

A discussão dos presentes autos se resume, basicamente, a questão da ocorrência ou não da prescrição.

No exame das normas concernentes ao contrato de mútuo ajustado, analiso as normas existentes a respeito da amortização das  dívidas então contraídas.

Dessa forma, contata-se que quando da celebração do contrato de mútuo, a União havia fixado o momento exato em que as amortizações seriam devidas, isto é, no ano seguinte ao da aquisição de obras e do término das obras em construção.

Após, novo prazo para pagamento das obrigações, veio a ser fixado com a vigência dos decretos-lei suso mencionados.

No que tange a validade dos prazos fixados no decreto-lei nº 263/67, com as modificações introduzidas pelo decreto-lei 396/68, que no entender da ré teria fixado prazo prescricional, prazo esse que já teria expirado, ou ainda segundo a ré, mesmo que não se aceite o prazo fixado nos referidos decretos-lei, há que se reconhecer a vigência da lei nº 4.069/62, que cuida especificamente da prescrição, entendo, contrariando os argumentos dos autores, que a matéria relativa aos títulos da dívida pública diz respeito, efetivamente, as “finanças públicas”, pois se refere a pagamentos que deveriam ser realizados pelo Estado. Já que aquele disciplinou a forma e o prazo de resgate dos títulos da dívida pública dessa forma, em implicando em questão orçamentária e desembolso de valores, não havendo, sob este aspecto, qualquer inconstitucionalidade.

Entretanto, no que diz respeito ao uso dos referidos decretos-lei, para delegar a regulamentação da matéria – fixação das condições e prazo de resgates e prescrição dos títulos – ao Conselho Nacional e ao Banco Central do Brasil, são os mesmos inconstitucionais, posto que a Constituição Federal, vigente à época, determinava que esta competência era exclusiva do Sr. Presidente da República.

O texto constitucional assim dispunha:

“Art. 83 – Compete privativamente ao Presidente:

I – …

II – Sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, expedir decretos e regulamentos para a sua fiel execução.

III – …

Parágrafo Único: A lei poderá autorizar o presidente a delegar aos Ministros de Estado, em certos casos, as atribuições mencionadas nos itens VI, XVI e XX.”

Da simples leitura do texto constitucional não resta dúvidas de que se tratava de matéria de atribuição exclusiva do Sr. Presidente da República.

A delegação só era possível nas hipóteses previstas no parágrafo único, também transcrito, a saber, itens:

“VI – prover os cargos públicos federais, na forma desta constituição e das leis;

XVI – autorizar brasileiros a aceitar pensão, emprego ou comissão de governo estrangeiro;

XX – instituir indulto e comutar penas, com audiência dos órgãos instituídos em lei.”

Logo, a publicação do edital efetuada pelo Banco Central do Brasil e a atribuição outorgada ao Conselho Monetário Nacional de expedir o regulamento do decreto-lei nº 263/67, constituem-se em flagrante inconstitucionalidade, que não pode deixar de ser reconhecida.

No que tange ao edital, há outra evidente ilegalidade, uma vez que, em face da vigência do decreto-lei nº 396/68 alterando para 12 meses o prazo estabelecido no artigo 3º do decreto-lei 263/67, para apresentação dos títulos especificados no artigo 1º, impunha-se à publicação de novo edital.

Como não houve a publicação, há, a meu ver notória ilegalidade.

Ademais o decreto-lei nº 263/67 foi regulamentado pela Resolução nº 65 de 05 de setembro de 1967 do Banco Central do Brasil. Ainda que equivocada a atribuição de elaboração do regulamento ao Conselho Monetário Nacional, observa-se que o mesmo foi elaborado pelo Banco Central do Brasil, também em flagrante inconstitucionalidade.

Ainda com relação ao regulamento, observo que ainda que elaborado pelo Banco Central do Brasil, através da Resolução nº 65 de 05.09.67, com a notória infringência ao princípio da indelegabilidade de poderes, como já dito, o que implica na sua inexistência, levando-se a conclusão de que o Decreto-lei nº 263/67 não entrou em vigor, com vista ao disposto no artigo 13 do referido diploma legal dispôs que:

“… o presente decreto-lei entrará em vigor na data da publicação do seu regulamento.”

Dependia-se da publicação do regulamento para entrar em vigor, não tendo sido este elaborado por quem tinha poderes para fazê-lo, em face à disposição constitucional, não resta dúvidas de que o próprio diploma legal não entrou em vigor.

Sem razão, a União Federal ao sustentar que o Lei nº 4.069/62, que segundo a ré, por força da fixação do prazo prescricional de 5(cinco) anos para as obrigações contraídas pela União, ensejaria a ocorrência da prescrição em relação aos títulos ora em discussão.

Sem qualquer fundamento tal argumento, uma vez que os títulos objeto do presente feito dependiam, da ocorrência de uma condição, no caso a construção ou aquisição de obras, para que o prazo pudesse iniciar-se. Como nunca houve notícia do implemento dessa condição, o prazo, evidentemente, não se iniciou.

Com relação ao mérito propriamente dito, o contrato de empréstimo celebrado entre a Autora e a UNIÃO foi devidamente formalizado, gerando recursos financeiros para o Governo, com o fim determinado para aquisição de obras concluídas ou construção de obras a serem especificadas. A amortização dos títulos dependeria da construção de obras ou da sua aquisição, isto é, decorrência de condição a ser implementada.

Dúvida não há de que a União conseguiu os recursos de que necessita para cumprir com os seus objetivos, não havendo notícia, entretanto, de que qualquer obra tenha sido construída ou adquirida, em face do programa inicialmente previsto. Da mesma forma, ainda que longo tempo tenha transcorrido, não se tem conhecimento de que sequer um só portador do título, tenha obtido resgate com o pagamento do valor devido, ou por qualquer outro valor.

Tanto assim, que a União não nega o débito, alegando, tão somente, que os referidos títulos encontram-se prescritos, em função da publicação dos Decretos-lei nº 263/67 e 396/68, referindo-se, também, à edição da Lei 4.069/62, que trata especificamente, da prescrição.

Ressalto, também, ilegalidade notória constatada com a vigência do decreto-lei 396/68, pois embora, tenha pretendido criar um novo prazo de prescrição, modificando o disposto no decreto-lei 263/67, não veio a ter publicação edital a respeito dos títulos. Com a vigência do decreto-lei 396/68 que modificou os prazos fixados pelo decreto-lei 263/67, impunha-se à publicação de novo edital, o que, entretanto, não ocorreu.

Da mesma forma em relação ao regulamento, que dada a sua condição de indelegabilidade e também pelo fato de ser elaborado por quem não tinha poderes para tal, resulta na conclusão indiscutível de que o próprio decreto-lei não entrou em vigor.

No que diz respeito à correção monetária é imperiosa a sua aplicação por todo o período, a contar da emissão dos títulos até o seu efetivo resgate.

O objetivo da correção é a preservação do valor originário dos títulos e o conseqüente equilíbrio econômico financeiro do contrato entre as partes.

Segundo entendimento predominante na doutrina e jurisprudência, a correção monetária nada acrescenta Segundo entendimento predominante na doutrina e jurisprudência, a correção monetária nada acrescenta ao valor da dívida, apenas a recompõe, evitando o enriquecimento sem causa do devedor ao valor da dívida, apenas a recompõe, evitando o enriquecimento sem causa do devedor.

Nesse sentido tem manifestado o Egr. Superior Tribunal de Justiça, tendo sido instituída, inclusive, a Súmula nº 43 que dispõe da seguinte forma: “Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito, a partir da data do efetivo prejuízo”.

Assim, impõe a aplicação da correção monetária, a contar do efetivo empréstimo realizado, consoante atualização a ser realizada nos termos do parecer dos Professores da Fundação Getúlio Vargas, acostados aos autos.

Isto posto, julgo procedente a presente ação, para, afastada a prescrição, declarar a validade e eficácia dos títulos da dívida pública, objeto da presente ação, conforme documentos acostados aos autos emitidas em 24/04/1912 as quais já estão acostadas aos autos fls. 76 a 91, e para que a autora possa, usufruir dos seus direitos, seja para pagamento por precatório ou como compensação por tributos devidos e contribuições federais ou outras dívidas eventualmente existentes com a União, ou ainda, como privatização, ou ainda que sejam autorizadas a utilizar os presentes títulos como garantia de dívida contra a União Federal, pelo seu valor de face devidamente atualizado. Além dos juros de mora devidos decorrentes do contrato firmado e da correção monetária também acolhida, a ré pagará a autora juros moratórios de 0,5% (meio por cento) ao mês, contados do trânsito em julgado, até o seu efetivo pagamento, em como o reembolso das custas e honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.

Sentença sujeita a reexame obrigatório (Art. 457, II do CPC).

Oficie-se, encaminhando-se cópia da presente ao Exmo. Sr. Relator do Agravo de Instrumento no E.Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

P.R.I.

Rio de Janeiro, 05 de agosto de 2002.

LANA MARIA FONTES REGUEIRA

Juíza Federal – 8ª Vara/RJ