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A prisão e algumas reflexões sobre a reforma do Código Penal

15 de dezembro de 2013

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FabioO legislador penal tem muita dificuldade de encontrar o meio-termo das coisas, seja para reprimir uma conduta, seja para abrandar o tratamento repressivo. E isso não é de hoje!

Vejam, por exemplo, as inúmeras e indiscriminadas possibilidades de substituição da pena de prisão ou restritivas de direitos por pena pecuniária ou multa. Enquanto, por outro lado, tenta se criminalizar o bullying, entre outras condutas, como a produção de ruídos das mais diversas formas, parecendo um verdadeiro absurdo, tanto um quanto outro.

É preciso se chegar a um meio-termo!

Penso que o que se apresenta com maior preocupação e urgência, no momento, é o efetivo cumprimento da pena efetivamente aplicada e conforme previsto no preceito primário, só se estabelecendo as substituições por pena pecuniária ou de multa em casos excepcionais de muita reduzida culpabilidade e lesividade, e, mesmo assim, quando não for possível a aplicação da pena restritiva de direitos. Esta sim, para casos de menor potencial, pequena lesividade e o réu sendo primário, podem ser uma reprimenda interessante.

Hodierna e sistematicamente tem se criticado o sistema prisional como caótico, entre outros adjetivos de igual profundidade, sendo certo, entretanto, que nem sempre a crítica se justifica.

No que se refere ao Rio de Janeiro, as carceragens da polícia civil (Grajaú, São João de Meriti, Neves, Araruama, Pavuna e Caxias) – onde os presos ficam durante todo o tempo trancados e normalmente na companhia de outros presos em ambiente não adequado – não têm por objeto o recolhimento dos condenados, já que elas se destinam apenas a PRESOS PROVISÓRIOS que se encontram em fase de transição para o ingresso no Sistema Penal, ainda que como presos provisórios.

As unidades destinadas ao cumprimento das penas, as penitenciárias propriamente ditas, são completamente diferentes das unidades denominadas presídios ou cadeias públicas.

Desse modo, pelo menos no que se refere ao nosso estado, cujo contingente carcerário é muito maior do que aquele que se encontra nas mencionadas carceragens da Polícia Civil, especialmente nas inúmeras unidades prisionais que estão afetas à Seap (Secretaria de Administração Penitenciária), e que acolhe a grande maioria dos presos do nosso estado, onde, na maior parte das unidades, os presos ficam soltos durante o dia (dentro da unidade) e somente são recolhidos à noite, e nem de longe essas unidades se parecem a unidades para presos provisórios.

Realmente, quem não conhece o sistema se impressiona com o aglomerado de presos nas cadeias públicas e nos presídios, entretanto, esses locais apresentam uma situação que não é muito diferente da realidade dos presos que ali se encontram, quando estão livres nas comunidades e nas favelas onde moram.

Evidentemente que não se pretende defender a qualidade do sistema prisional do Rio de Janeiro como um todo. Evidentemente existem carências e pouco caso do Poder Público com o tema, mas a situação geral não se apresenta da forma como frequentemente é afirmada por quem não conhece e que, não raras as vezes, faz uma análise de unidades não representativas da grande maioria dos cárceres do nosso estado.

Abro um parêntese para voltar àquele velho e não adequadamente compreendido tema das condições carce­rárias, especialmente por teóricos ou por aqueles que nunca entraram numa penitenciária – e, se o fizeram, já o foi há anos –, que, naturalmente, se louvam em relatórios e estatísticas tendenciosas ou falaciosas e que, assim, imaginam conhecer a realidade das prisões.

Oportuno lembrar que a grande maioria das unidades prisionais é perfeitamente palatável para os condenados que ali se encontram, enquanto os locais que aviltam os direitos humanos são raros e facilmente podem ser corrigidos, bastando constatar, sem hipocrisias, que normal­mente as condições de vida das favelas de onde veio grande parte dos presos é bem pior do que o ambiente que encontram na prisão (grande parte dos presos, em suas casas, dormem em chão de terra batido e não se alimentam com regularidade), e aqueles direitos e condições carcerárias previstos na LEP, muitas vezes não correspondem às necessidades dos presos. Tanto isso é verdade que praticamente todos os presos que se encontram custodiados em presídios federais, com toda a infraestrutura e as garantias legais, preferem ficar recolhidos nas unidades estaduais superlotadas. Isso também confirma claramente que essas prisões não são tão degradantes como possa parecer aos desavisados.

Em grande parte dos estabelecimentos penais, o cárcere atende aos comandos legais, evidentemente sem alguns exageros da LEP, como, por exemplo, o espaço individual de 6m2. Há muita fantasia sobre esse tema.

Aliás, os presos preferem muito mais ficarem em suas “comarcas” (cama onde dormem), juntamente com outros presos numa mesma cela, do que ficarem sozinhos em um ambiente de mais espaço, como previsto na LEP.

Isso para não falar que, grande parte dos presos, inclusive primários, quando entra no sistema encontram diversos colegas e amigos, ou da comunidade onde vivem ou mesmo comparsas da atividade criminosa que desempenhavam antes. Isso porque, quando da triagem no ingresso do sistema, os presos são alocados, preferencialmente, pela região onde moravam, especialmente em razão das facções que dominam as regiões mais pobres e também as próprias unidades prisionais. Isso é fato!!!

O problema carcerário não está afeto ao Poder Judiciário e nem ao CNJ, e sim ao Poder Executivo, e muito menos deve interferir na reforma penal ou no sentimento do julgador.

O que não pode é o juiz deixar de condenar à prisão marginais perigosos e nocivos à sociedade, em razão de excesso de presos em algumas unidades ou da baixa qualidade do ambiente carcerário, sob pena de se estabelecem a anarquia social e a volta da vendeta com indevidos justiçamentos pelo povo nas ruas, o que, aliás, parece que está começando a acontecer no país, com essas recentes manifestações populares e o quebra-quebra pelas cidades, além dos grupos de extermínios, do excessivo número de homicídios praticados por polícias nos famigerados Autos de Resistência, etc.

O agente que merece ser condenado à prisão, deve efetivamente ir para o cárcere, sob pena de subversão do direito, e, o que é, ainda, pior, deixar a sociedade à mercê de uma marginalidade violenta e cada vez mais audaciosa, praticando toda sorte de crimes graves, muitos dos quais com requintes de selvageria.

É preciso que a pena seja aplicada na forma de seu preceito primário, de modo a resgatar o necessário efeito intimidativo da pena e a afastar do pensamento de alguns estudiosos que o conhecido efeito retributivo da pena será alcançado com o pagamento de multas ou penas pecuniárias, eis que essas alternativas deveriam ser extirpadas da parte geral do Código Penal, na quase totalidade dos casos, eis que, via de regra, são absolutamente insuficientes ao juízo de reprovação.

Tenho visto muitas mães chorarem ao verem seus filhos presos. Mas também tenho visto muitas mães chorarem quando chegam ao cemitério para visitar seus filhos mortos, vítimas de crimes.

A ideia de que o criminoso é vítima do Estado e da sociedade já perdeu sua essência com a realidade diária do crime violento, desumano e cruel que estamos presenciando.

Nos dias de hoje, assistimos impotentes ao crime praticado com absoluta superação dos limites da maldade.

Outrora, o crime era cometido, muitas vezes, pela carência econômica do agente, pelas más influências, pelo momentâneo rompante criminoso, etc., casos que foram bem explicados por conhecidos criminólogos e sociólogos dos séculos passados; mas, com a modernização do Estado, a motivação para o crime e a sua prática, passaram a ter outros referenciais.

Aliás, quem seriam os “órfãos do Estado”? Os pobres, os negros, as prostitutas? Claro que não! Já que, em qualquer grupo que venham a ser rotulados dessa forma, haverá muitas e muitas outras pessoas que integrariam o grupo e nem por isso praticariam crimes.

Por outro lado, vemos quadrilhas e mais quadrilhas organizadas que fazem do crime verdadeira forma de vida e profissão. Vejam as milícias, normalmente formadas por pessoas que nunca se enquadrariam nos citados órfãos, já que normalmente são integradas por policiais civis e militares, militares do Corpo de Bombeiros e, até, por políticos, e mesmo assim praticam toda sorte de crimes, muitas vezes com inominável violência e crueldade. O mesmo pode se dizer do tráfico de drogas, em que seus integrantes não se limitam a comercializar a droga, mas sempre praticam aquela conduta principal acompanhada de vários outros crimes de homicídio, corrupção, sonegação, lavagem, falsificação, etc. Lembre-se de que todos esses líderes do tráfico possuem muito dinheiro, mansões em locais privilegiados, carros de luxo, etc. E, quando presos, não são defendidos pela Defensoria Pública, mas por advogados caríssimos.

Será que esses grupos se inserem naqueles “órfãos do Estado”? Os coitadinhos da sociedade? Será que os motivos que os levam à prática de tão nocivos crimes são famélicos? Por que o Estado não lhes deu assistência?

Assim, pode-se observar que aquelas teorias de outrora que tentavam explicar o crime e o criminoso (e nunca explicaram!), principalmente agora, não têm nenhum sentido lógico, pedagógico ou útil.

Evidentemente, daqui a 500 ou 1.000 anos, ou até menos, quando os futuros criminólogos forem estudar a história da pena, irão comentar assustados, que antiga­mente (nos séculos XX e XXI) a pena era colocar os homens em jaulas como bichos…. Que absurdo!!! Da mesma forma que hoje nós achamos um disparate as penas que eram aplicadas em outros tempos (talião, fogueira, garrote vil, etc.)

Ocorre que, se o cárcere não é o ideal, até o momento não se inventou um mecanismo punitivo que pudesse substituí-lo, já que as tentativas de substituição da pena de prisão têm se mostrado um verdadeiro fracasso aqui no Brasil e afastado por completo o necessário efeito intimidativo da pena.

Problemas sociais e de justiça social não se resolvem com o afrouxamento da lei penal, e sim com políticas públicas, cujos resultados serão percebidos depois de anos. E, até lá, o único caminho existente é por meio do balizamento penal. Hoje, assistimos a crimes bárbaros, cruéis e não raras vezes com extrema maldade e que não guardam necessariamente qualquer relação com o nível social dos seus agentes. Trata-se de desmedida e gratuita violência.

O sistema penal de qualquer país do mundo não cumpre esse papel filosófico e intangível da ressocialização, ocorrendo sempre a reincidência penal.

Na Europa, na Escandinávia, nos EUA, ou nas repúblicas latinas, a ressocialização do apenado, quando acontece, é em escala bastante reduzida, mas o certo é que nenhuma nação cumpre essa ficção da ressocialização, muito embora nesse aspecto haja diferença estatística entre os países, ou seja, o índice percentual de retorno ao cárcere varia de país para país, uns mais outros menos, mas em todos, e sem exceção, ocorre a reincidência.

Assim, a falta de ressocialização não guarda qualquer relação direta com as condições carcerárias, porém é um problema que depende, em grande parte das vezes, do desenvolvimento psicossociocultural de cada indivíduo, e, justamente por isso, alguns elementos presos em um mesmo ambiente carcerário se integraram ao contexto social sadio e outros não, voltando a delinquir!

Por outro lado, não se podem tratar da mesma forma um indivíduo que delinque pela primeira vez num episódio ocasional e aquele que faz do crime profissão. Evidentemente, este último é muito mais nocivo à socie­dade do que o criminoso eventual.

Ademais, é oportuno salientar que a reclusão não visa apenas a fictícia ressocialização, mas também a punição e a retribuição pelo mal causado ao seio social.

Se, por um lado, o indivíduo supostamente piora no interior do cárcere pelo contato com outros criminosos, por outro, deixá-lo em liberdade e sem punição após a prática de um crime também o tornará pior já que progressiva­mente irá se aprimorar, pois continuará praticando outros delitos sem qualquer freio que possa o inibir. Desse modo, é forçoso concluir que o criminoso preso ou solto sempre vai ficar pior, e, se assim é, melhor que ele, pelo menos, fique segregado e, consequentemente, afastado do meio  social, a fim de não exercitar a sua cada vez maior periculosidade na prática de outros crimes, em prol da tão sonhada paz social.

Destarte, a reincidência foi tratada adequadamente no projeto, não se concebendo que uma pessoa que volte ao crime tenha o mesmo tratamento penal (e processual) daquele criminoso eventual, episódico e primário, e em boa hora tratou da reincidência específica em crimes com violência e grave ameaça, dificultando a progressão de regime.

Os maus antecedentes, que no Código Penal comportam diversas situações e interpretações, no atual projeto do Código Penal, diferentemente, até favorecem o réu, por definir o que deve ser considerado como maus antecedentes. Ou seja, tal circunstância somente ocorrerá nas hipóteses de condenação criminal que não gere reincidência, abrangendo, também, hipótese da prescrição da reincidência.

Frequentemente nos deparamos com maus antecedentes pretéritos, muito antigos e remotíssimos, e nem por isso agravamos desnecessariamente a pena do réu.

Esses maus antecedentes devem ser sopesados caso a caso e valorados dentro da razoabilidade e da proporcionalidade pelo juiz. E até aí não tem nenhuma novidade! Não somos máquinas e podemos, portanto, julgar, no melhor sentido da palavra; o que, aliás, fazemos diariamente. O juiz deve ser inteligente, criativo, competente e corajoso, e não um simples burocrata!

Basta lembrar que, num passado não muito distante, o STF entendia que anotações na FAC eram o bastante para revelar os maus antecedentes do réu. Depois mudou.

No que tange ao afastamento do Livramento Condicional, o projeto poderia ter mantido o aludido instituto, talvez com requisitos e avaliações caso a caso, e não da forma objetiva e quase automática, como vem funcionando atualmente na prática, mesmo porque o referido instituto pode ser um valioso instrumento de estímulo ao condenado para melhorar, manter um bom comportamento, praticar atividades, ter desempenho e, consequentemente, sair do cárcere mais prematuramente.

O projeto também não foi feliz quando deixou de prever a menoridade relativa como circunstância atenuante (embora isso tenha explicação no dia a dia dessa parcela de delinquentes), uma vez que as pessoas nessa faixa etária estão mais vulneráveis aos freios inibitórios, e, portanto, a idade pode perfeitamente ser vista como uma atenuante legal, até por política criminal legislativa.

Por outro lado, o projeto destacou as agravantes previstas no atual art. 62 do CP, transformando-as em causas especiais de aumento de pena, isto porque, obviamente, aquelas hipóteses se apresentam com muito maior gravidade e lesividade à paz social do que as demais agravantes legais, quando na consecução de determinado crime.

Finalmente se faz oportuno consignar que muitas ideias importadas de outros países por alguns estudiosos não estão de acordo com a realidade brasileira. É muito comum fazerem referências às doutrinas alemã e italiana, mas se esquecem de dizer que esses países não adotam lá o pensamento que tentam trazer para cá, mesmo porque neles as penas de prisão ordinariamente são aplicadas com muito rigor, inclusive, com PRISÃO PERPÉTUA.

Para trazer apenas um exemplo, recentemente na Alemanha, um conhecido jogador de futebol incendiou a sua própria casa para tentar receber uma indenização do seguro, e, em razão disso, o astro do futebol foi processado. Na audiência em que foi condenado à pena de 3 anos e 8 meses de prisão, foi imediatamente recolhido ao cárcere. Disso ninguém fala!

É importante sublinhar que, em qualquer projeto, espe­cialmente da envergadura de um Código Penal, há sempre boas e más ideias, mas no conjunto o projeto melhora a sociedade como um todo por trazer mais rigor para aquele que pratica crimes, mormente quando os dias de hoje vêm mostrando que o Brasil está vivendo uma descontrolada escalada da criminalidade por indivíduos de todas as classes sociais, demonstrando que o criminoso de hoje não é mais “aquela vítima da sociedade” supostamente de outrora, que talvez em algum lugar tenha existido.

O projeto também manteve, em boa hora, a denominada Delação Premiada, que vem sendo usada no Brasil e em outros países com relativo sucesso, ou por facilitar e abreviar a completa elucidação da sociedade criminosa, ou por chegar a membros da quadrilha que nunca seriam alcançados pela investigação do Estado.

Na Itália, por exemplo, onde os réus nessa situação são denominados de “colaboradores”, muitas vezes são alteradas as penas de prisão perpétua para outras modalidades de pena de prisão menos graves, e, em determinadas situações, o “colaborador” consegue desde logo sua liberdade.

No entanto, a nossa lei, ao permitir o abrandamento da resposta penal, deixa a critério do juiz estabelecer a quantidade de redução, que deverá ser sopesada por ocasião da fixação da pena do delator, diante de determinadas circunstâncias.

Ademais, nunca se deve perder de vista que em qualquer sistema em que se garanta ao Estado o poder de coerção e supressão de direitos, como ocorre em qualquer sistema de governo, inclusive nas democracias, haverá sempre críticas, pertinentes ou não, mas, em qualquer caso, isso evidentemente não pode servir de obstáculo ao aperfeiçoamento da legislação para atender aos anseios sociais e, especialmente, à paz social.

O projeto também apresentou consideráveis avanços no que diz respeito ao crime culposo (art. 18, II), estabele­cendo a conduta culposa como a ausência de dever de cuidado, e, diferentemente do código atual, acrescentou “exigíveis as circunstâncias”. Essa expressão, obviamente, abre lugar à previsibilidade do atuar do agente entre outras circunstâncias inerentes à culpabilidade.

O código atual também não fez outras considerações do crime culposos, entre elas a previsibilidade do agente, e nem por isso a jurisprudência e a doutrina deixaram de explicar o crime culposo e a sua culpabilidade em todos os seus termos.

Por outro lado, não se pode nunca perder de vista que
o projeto, assim como qualquer obra humana, é passível de erros, os quais sempre estarão presentes, e é justamente por isso que se tem as regras de interpretação, a doutrina e a jurisprudência. Porém, no todo, o projeto traz consideráveis avanços, que ainda podem ser corrigidos, de modo a permitir um maior rigor no enfrentamento da atual e crescente criminalidade.

Importa desde logo destacar que o projeto trouxe uma sensível e oportuna inovação, ao optar pela criminalização de forma autônoma, da “Culpa Gravíssima”, depois de aumentar a pena máxima cominada do homicídio culposo.

A presença do homicídio culposo praticado com culpa gravíssima apresenta-se bastante adequada para apenar mais corretamente o agente que pratica o crime naquelas circunstâncias (dirige embriagado, em altíssima velocidade, fazendo “pegas”, etc.), isto porque – diante da pena hoje cominada para o homicídio culposo ser prati­camente inexpressiva diante dos inúmeros benefícios –,
o MP e alguns magistrados têm admitido, naquelas situações, que a denúncia seja oferecida por HOMICÍDIO DOLOSO (dolo eventual), com o agasalho, inclusive, pelo STF, o que parece um absurdo, já que dolo eventual e culpa consciente são figuras jurídicas bastante distintas e não se confundem, o que, na prática, tem gerado uma situação bastante injusta ao réu em ser acusado por dolo eventual por uma situação claramente culposa. No entanto, com essa nova imputação trazida pelo projeto, será resgatada a justiça, tipificando com maior precisão os agentes que estejam nas condições estabelecidas (§ 5o), com a imposição de uma responsabilidade maior pela forma como a conduta culposa foi praticada. É evidente que todas as hipóteses previstas no referido parágrafo, induvidosamente, são de culpa consciente e obviamente devem ser apenadas com uma sanção mais grave.

Atualmente, vemos com muita frequência um típico aci­dente de trânsito com o condutor embriagado, praticando “pegas” ou em velocidade exorbitantemente elevada, ser tratado como homicídio doloso (dolo eventual). Isso porque, nesses casos, a sanção penal cominada para o homicídio culposo mostra-se absurdamente desproporcional à ação culposa.

Há que se saber distinguir culpa consciente de dolo eventual, e o projeto, nesse particular da culpa gravíssima, chega didaticamente a distinguir uma coisa da outra, como se os operadores do Direito não soubessem diferenciar tais condutas. Aliás, em diversas passagens o projeto normatiza conceitos jurídicos, às vezes de hermenêutica, como se os operadores do Direito fossem leigos.

Essa forma de disposição legal, muito embora apareça como novidade no Direito pátrio, na legislação portuguesa é bastante comum. Parece que mais uma vez estão se importando particularidades da legislação transatlântica, só que desta vez o estilo legislativo.

Por outro lado, a pena mínima do homicídio simples deveria ter sido majorada, pelo menos, para oito anos, não apenas em homenagem à proporcionalidade e à sistemática da proposta do Código, mas também porque, sendo a vida o maior bem jurídico a ser protegido, a pena de seis anos mostra-se demasiadamente pequena, se considerarmos outros crimes que são menos graves, e apresentam uma sanção penal mais rigorosa.

Com relação à possibilidade do aumento de pena para os crimes de homicídio, observa-se uma impropriedade que se encontra disposta no § 7o do art. 121 do projeto, relativamente ao homicídio doloso (simples ou qualificado). Isso porque, se o réu matou ou tentou matar a vítima dolosamente, agindo com animus necandi, evidentemente que não tem o menor sentido que tenha agravada a sua pena por não ter socorrido a vítima ou não ter procurado diminuir as consequências do crime. Ora, essas circunstâncias são absolutamente incompatíveis com a vontade de matar, pois, obviamente, se a intenção do réu é a morte da vítima, evidentemente não vai socorrê-la ou minorar as consequências do seu agir, e a sua responsabilidade já se encontra prevista abstratamente no tipo correspondente.

No entanto, o referido parágrafo tem total aplicação nas hipóteses do homicídio culposo simples ou com culpa consciente gravíssima, porque nestas hipóteses o réu em nenhum  momento quis matar a vítima ou indiferentemente assumiu o risco de produzir o resultado morte.

No que se refere à execução da pena no regime semiaberto, o projeto traz uma iniquidade flagrante, que parece
não ter sido detectada por aqueles que se consideram
minimalistas, abolicionistas e gostam de importar fantasiosas teses para afastar a incidência do Direito Penal e de
suas penas.

O art. 47, § 4o, do Projeto, estabelece que, se por causa do Poder Público não houver vaga para o réu condenado no regime semiaberto, ele terá direito à progressão diretamente para o regime aberto. Absurdo!!!

Se a ideia é que o réu não fique recolhido, por falta de vagas no regime fechado, o qual não foi estabelecido na sentença, não precisa que ele vá diretamente para o regime mais brando: basta que o réu recentemente apenado ingresse no regime que lhe foi estabelecido (semiaberto) e, simultaneamente, outro réu que já esteja neste regime há mais tempo, mesmo que sem o requisito temporal (e tenha condições subjetivas), progrida para o regime aberto mais precocemente, a fim de abrir uma vaga para aquele réu que acabou de chegar ao sistema.

Se assim não for, aquele que chega por último será desde logo beneficiado, enquanto que outro apenado que já está há mais tempo no regime semiaberto, e muitas vezes bem próximo de progredir, ficará preterido pelo novo preso que não cumpriu sequer um dia de pena e vai logo para casa (isto porque, via de regra, o regime aberto hoje é cumprido em casa, com o uso de pulseiras e tornozeleiras). Se for para beneficiar algum preso, que pelo menos seja aquele que já cumpriu mais tempo de pena e as condições subjetivas recomendem.

O crime de quadrilha se encontra muito mal-colocado na redação do projeto, mostrando-se um pouco confuso, acabando por extrapolar seus objetivos e alcançando e beneficiando outras situações também perniciosas, como o tráfico internacional de drogas, com uma reprimenda com menor gravidade.

O ideal seria que no projeto não houvesse uma tipificação do crime de quadrilha tão fechada no caput do artigo correspondente e ficasse mais ou menos como se encontra hoje no Código Penal e, que fossem criados parágrafos,
tantos quantos fossem necessários, para abranger as diversas formas de organização criminosa, majorando as penas de acordo com a maior preciosidade do grupo, como o emprego de armas, a dominação territorial, determinadas espécies
de crimes, etc., sem preocupação com a denominação de grupos, como o fez com as “milícias”.

Talvez essa rotulação de determinada quadrilha seja uma má influência do Código italiano, que inicialmente definiu determinada organização criminosa com atuação na Sicília como “máfia”, e depois a legislação teve de progredir para alcançar especificamente outros grupos, como aqueles conhecidos por “Cosa Nostra”, “Camorra”, “Sacra Corona Unita”, com atuações em regiões ou cidades como Sicília, Nápoles, Roma, Puglia, abrindo, finalmente, o tipo penal para chegar a outras quadrilhas de menos expressão.

Assim, parece que, se adotada uma melhor e mais técnica redação para o crime de quadrilha, prevendo diversas hipóteses de acordo com a gravidade, poder-se-ia prevenir confusões e conflitos doutrinários e jurisprudenciais, com o risco de total descaracterização da reforma e das incidências do referido ilícito penal.

As contravenções têm como finalidade maior prevenir que aquela conduta contravencional, alcance maior gra­vidade e venha a se tornar um crime, por comprometer mais incisivamente a paz social.

Ocorre que, ao longo de mais de 70 anos, a contravenção penal do conhecido jogo do bicho, e mais recentemente com a sofisticada exploração de caça-níqueis (tipo de jogo de azar), perdeu o caráter preventivo e tornou-se uma atividade criminosa com grande potencial lesivo, já que, para a manutenção do jogo, seus integrantes, do mais proeminente ao mais simples apontador do jogo, encontram-se praticando toda a sorte de crimes, inclusive de homicídio qualificado e, muitas vezes, até mesmo com características de grupo de extermínio, havendo, de fato, grandes e organizadas quadrilhas, com influência inclusive em outras Unidades da Federação. Há notícias de homicídios praticados com o uso de explosivos, como frequentemente vemos em filmes, em países muçulmanos do Oriente Médio, cujo mecanismo de ação é bastante parecido com as atividades de organizações mafiosas ou grupos terroristas.

Portanto, a criminalização dos jogos de azar e em especial do jogo do bicho, assim como a exploração dos caça-níqueis, é mais que oportuna, devida e necessária para o combate mais efetivo do Estado a essa nefasta atividade, que vem se agigantando progressivamente.

Desse modo, parece que há uma unanimidade não apenas dos cultores do Direito, mas também de toda a sociedade, pelas alterações da legislação penal brasileira, seja para incluir novos tipos penais ou descriminalizar algumas condutas, seja para aumentar as penas de alguns crimes ou mesmo para diminuir a de outros. Mas em todos e quaisquer casos salta aos olhos a necessidade indeclinável das decisões judiciais serem efetivamente cumpridas e a execução penal ser desenvolvida com maior responsabilidade e rigor, extirpando alguns benefícios ou, pelo menos, dificultando a sua concessão, ao mesmo tempo em que a situação dos réus possa ser analisada caso a caso, com maior precisão e, se possível, de acordo com seus antecedentes sociais e criminais, sua personalidade e as circunstâncias do próprio crime que cometeu.