Projeto muda tratamento a louco infrator_Entrevista com Haroldo Caetano Silva

28 de fevereiro de 2010

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Entrevista: Haroldo Caetano Silva, Promotor de Justiça do Estado de Goiás
O Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (Paili), institucionalizado em 2006, mudou a cara da execução de medidas de segurança para pessoas com problemas psiquiátricos em Goiás. A iniciativa foi criada pelo Promotor de Justiça daquele Estado, Haroldo Caetano Silva. À Revista Justiça & Cidadania, ele contou como o projeto surgiu. Segundo afirmou, as pessoas com problemas mentais, antes da iniciativa, eram encarceradas junto com os condenados normais, em penitenciárias comuns. Além disso, não recebiam qualquer tipo de cuidado especializado. Hoje, em vez de terem seus casos tratados diretamente por policiais, promotores, juízes, diretores de presídios ou manicômios, essas pessoas recebem a assistência médica necessária e são submetidas a procedimentos que visam à reinserção nas suas famílias, assim como na sociedade. Não foi por menos que o programa venceu a edição do ano passado do Prêmio Innovare, instituído justamente para identificar, premiar e divulgar práticas inovadoras do Poder Judiciário, Ministério Público, Advocacia e Defensoria Pública.

JC – Como o Paili surgiu?
Haroldo Caetano Silva – Atuo desde 1995 na área de Execução em Goiânia. Trabalho com os processos de quem já está cumprindo pena. Visitando as penitenciárias, percebi que ali também se encontravam os pacientes psiquiátricos, que viviam em presídios comuns. Alguns estavam lá há mais de 20 anos, abandonados e sem qualquer tipo de assistência especializada. A partir daí passamos a buscar soluções possíveis. Embora tenha sido inaugurado em 2006, os primórdios do Paili foram nessa época, 1995, a partir do momento em que tive contato com essa realidade. Investiguei quantas pessoas estavam naquelas condições, há quanto tempo e quais seriam as melhores alternativas. Chegamos a construir um hospital de custódia, que seria inaugurado em 2000. Provocado pelo Conselho de Psicologia de Goiás, acabei embargando a obra, porque a arquitetura era inadequada. Aquilo que seria um hospital de custódia, hoje é o presídio de segurança máxima do Estado de Goiás, para se ter ideia. Tivemos uma segunda alternativa de construção, que também acabou frustrada. Nesse ínterim, surgiu a Lei 10.216/2001, que regula a matéria. Com essa nova base legal, modifiquei o rumo do meu trabalho. Tentamos incluir os pacientes em clínicas psiquiátricas da rede conveniada do sistema de saúde. Momento fundamental foi quando consegui, em 2000, um habeas corpus no Tribunal de Justiça mandando soltar quase 30 pacientes que estavam presos. Isso forçou o Estado a juntar esforços com o Ministério da Saúde e o Ministério da Justiça e iniciar esse trabalho. Foi aí que surgiu, em um primeiro momento, o Paili, não com a feição que tem hoje, mas para que fosse feito um levantamento dos casos em todo o Estado.

JC – O que ocorreu depois?
HCS – Depois disso, transformei esse programa em política de Estado definitivamente. Em 2006, virou o que é hoje. O programa dispensa o manicômio judiciário. Faço questão de afirmar que esses estabelecimentos não existem mais. Isso decorre da Lei 10.216, que proíbe a internação de pacientes psiquiátricos em instituições com características asilares. O programa, então, funciona sem manicômios e hospitais de custódia, porque se baseia na liberdade. O paciente é visto como sujeito de direito. Não é mais objeto para a prática de segregação, punição e castigo. Ele sequer é responsável pelo crime praticado. Foi inocentado e absolvido. Então, o que se busca como medida de segurança é a inclusão dele em sua família, nos casos em que isso é possível, ou na sociedade. Esse é o objetivo da atenção e saúde mental geral. O Paili retirou o paciente psiquiátrico, que praticou o crime, da esfera da segurança pública e o transferiu para o da saúde pública. Essa é uma mudança radical de paradigma. O paciente deixou de ser tratado por policiais, promotores, juízes e diretores de presídios ou manicômios para ser atendido por médicos e enfermeiros. Aqueles que não têm como voltar para as famílias  são incluídos em residências terapêuticas, onde ganham condições dignas para viver. Eles não são mais segregados, mas incluídos, na sociedade.

JC – Na sua avaliação, falta atenção adequada a esses casos?
HCS – O que ocorre é que, enquanto objeto de práticas de segurança pública, esse paciente acaba sofrendo o castigo pelo crime praticado, justamente porque é visto como criminoso. Essa mudança de paradigma modifica a percepção acerca dessa pessoa, que passa a ser vista como alguém que carece de atendimento médico especializado.