Reforma trabalhista ainda longe do consenso

4 de maio de 2023

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Cinco anos após a aprovação da reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017), são muitas as perguntas que não calam sobre o impacto das mudanças em mais de cem artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Afinal, os trabalhadores ganharam ou perderam autonomia?  A flexibilização colaborou para reduzir custos das empresas e gerar mais postos de trabalho? Os sindicatos saíram enfraquecidos? Houve aumento da precarização do trabalho e da desproteção social?

Para discutir temas polêmicos da reforma, ainda sem definição nos tribunais, e apresentar um panorama atual do mercado de trabalho a juristas, magistrados e operadores do Direito, a Revista Justiça & Cidadania promoveu mais uma edição do Programa Conversa com o Judiciário, com coordenação acadêmica do Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Douglas Alencar. Foram convidadas para o debate “Questões controversas da reforma trabalhista” a Corregedora-Geral da Justiça do Trabalho, Ministra Dora Maria da Costa, e a advogada especialista em Direito do Trabalho Thalita Medeiros.

O encontro aconteceu em abril, em São Paulo (SP), e foi prestigiado por diversas autoridades da área, como o Ministro do TST Luiz José Dezena, a Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2), Desembargadora Beatriz de Lima Pereira, o Vice-Presidente Judicial e a Vice-Presidente Administrativa do TRT2, Desembargador Marcelo Freire Gonçalves e Desembargadora Maria Elizabeth Mostardo Nunes, respectivamente, e o Diretor da Escola Judicial da 15ª Região (EJUD 15), Desembargador Carlos Alberto Bosco, entre outros magistrados.

Longe de entrar em consenso sobre os pontos positivos e negativos das mudanças, mas certos sobre a necessidade de realizar uma modernização na CLT, os especialistas discutiram, entre outros temas, a validade jurídica dos contratos firmados antes da reforma, as dispensas coletivas, as regras da terceirização, o papel dos sindicatos, o benefício da justiça gratuita e a jornada de trabalho em ambiente insalubre. 

A Ministra Dora Maria da Costa enfatizou que é urgente revisar as súmulas do TST que colidem com as normas da reforma, para que possa existir segurança jurídica.

“A reforma era necessária. Ela tem pontos negativos, outros para serem discutidos, mas a CLT precisava de uma nova leitura. (…) Agora, o TST tem que assumir o seu papel, (…) fazer a revisão de todas as súmulas que estão contra as normas da reforma. Elas estão superadas, mas ainda estão em vigor, então isso traz desconforto. Não é fácil decidir contra uma súmula em vigor. Sem essa revisão, não vamos dar segurança jurídica a ninguém. A insegurança está na demora em se definir as regras tanto para os empregados quanto para empregadores”, avaliou a magistrada.

Autonomia da vontade – Já a especialista em Direito do Trabalho Thalita Medeiros considerou que a reforma trouxe mais segurança jurídica, dando mais previsibilidade às relações de trabalho. Duas mudanças apresentadas como positivas pela advogada foram a assertividade nos pedidos judiciais e a ampliação das possibilidades de terceirização. “A súmula 331 já permitia parte da terceirização, mas, por outro lado, havia interpretações e questões controvertidas sobre esse novo modelo estrutural de produção. Com a reforma, tivemos não só a questão da licitude, mas esse modelo passou a ser legal, foi normatizado. Já a assertividade trouxe menos pedidos, uma tramitação mais rápida. Quando se fala em razoável duração do processo, tem-se uma prestação jurisdicional mais efetiva e justa”, avaliou a especialista.

Para o Ministro Douglas Alencar, a reforma se debruçou sobre os eixos centrais da legislação trabalhista, mas em especial o que tange à autonomia individual da vontade. Assim, hoje é possível celebrar acordos individuais que alterem os parâmetros legais da jornada de trabalho, banco de horas, regime de prorrogação e compensação, por exemplo. “Tivemos o surgimento de uma nova classe que já nos incomodava bastante que é a dos trabalhadores hipersuficientes. Eles foram equiparados em termos negociais aos sindicatos”, explicou.

Negociado x legislado – Considerada pelo Ministro uma “inovação legal que bastaria para justificar toda uma reforma do arcabouço legal trabalhista”, a prevalência das normas negociadas sobre as legisladas foi outro ponto destacado. “As entidades sindicais têm capacidade para negociar em substituição ao direito legislado, que deve obviamente manter um patamar civilizatório mínimo. É algo que se harmoniza às convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Foi-se o tempo em que o Estado deveria ser o tutor de todas as relações privadas, mas temos um desafio que é definir o exato alcance dessa autonomia negocial coletiva, quais são os direitos relativamente indisponíveis e os absolutamente indisponíveis”, diferenciou o magistrado.

A dispensa coletiva sem necessidade da intervenção sindical foi defendida pela Ministra Dora. No entanto, ela alegou que as entidades sindicais precisam ser responsabilizadas e ter maior participação. “Não se trata de pedir autorização do sindicato para dispensa, mas eles têm que ser chamados à mesa para discutir, para que exista algum mecanismo que diminua os impactos da dispensa. A reforma deu visibilidade aos sindicatos e vai mostrar quem representa e quem não representa o empregado. Nós temos sindicatos demais que viviam à custa do imposto”, argumentou a Ministra Dora.

Sob análise – Três questões controversas da reforma já foram examinadas pela Quinta Turma, da qual faz parte o Ministro do TST Douglas Alencar. Duas delas foram concluídas e uma está pendente de resolução. A primeira trata da possibilidade de uma negociação coletiva estabelecer a prorrogação da jornada de trabalho em ambiente insalubre. Antes da reforma, era necessária a autorização prévia do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). “Já surgem ações questionando a validade de normas coletivas com esse objeto, mas entendemos que essas negociações coletivas são válidas. Se os sindicatos convencionam a possibilidade de uma prorrogação horária em ambiente insalubre e se essa prorrogação, seja por qualquer circunstâncias outras, acaba lesando a saúde do trabalhador, essas entidades sindicais, e não apenas a empresa subscritora deste negócio jurídico, serão também passíveis de responsabilização”, explicou.

O segundo caso trata da relação entre pagamento de horas extras e gratificação de função para bancários que exercem cargos de confiança. “A Convenção Coletiva dos Bancários estabeleceu uma regra simples. Se alguém tratado como empregado fiduciário diferenciado ajuíza uma ação e obtém na Justiça o reconhecimento do direito à sétima e à oitava horas como extras, a gratificação que lhe foi paga deverá ser compensada”, afirmou ele.

Já a questão pendente dedica-se a outra norma coletiva que proibia um segmento empresarial de substituir postos de trabalho por ferramentas tecnológicas. “Determinado Regional decidiu dizendo que está em linha de harmonia com a norma da Constituição que prevê a proteção dos trabalhadores em face da automação nos termos da lei. Só que a questão não é tão simples porque, ao fim e ao cabo, o sistema constitucional deve ser lido de forma abrangente e não fala apenas do valor social do trabalho, mas prestigia também a livre iniciativa”, avaliou.

Proteção da confiança – A Ministra Dora e o Ministro Luiz José Dezena também ponderaram sobre a possibilidade de aplicar ou não a reforma aos contratos em vigor. Essa discussão engendrou outra sobre as consequências das decisões dos magistrados para a sociedade. “Para mim, se não houver a aplicação, será o fim da reforma trabalhista. E o que vai acontecer é dispensa em massa”, concluiu a Ministra.

“Essa discussão é sobre direito adquirido. Se os contratos que estavam em vigor quando do advento da reforma trabalhista estariam sujeitos ou não a nova legislação, ou se eles teriam direito à aplicação da legislação anterior. Então, incentiva-se os empresários a renovar o seu quadro de funcionários e contratar todos na vigência da nova lei e não teremos problema nenhum? Essa pode ser uma consequência desse entendimento”, acrescentou Dezena.

Mesmo que os especialistas considerem que a reforma trouxe efeitos positivos, há ainda muitas resistências. Um exemplo disso é o número expressivo de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI). “São muitos questionamentos sobre a Reforma, se ela é constitucional ou não. Se começarmos a ter alterações sobre o que foi legislado e interpretações diversas, voltaremos a não ter a previsibilidade que é tão importante para o empregador, para a empresa e para gerar postos de trabalho”, enfatizou Thalita Medeiros.

“É natural que haja resistência na aceitação do novo. E o velho, que foi superado em muitos aspectos, teima em subsistir com base na ideia do direito adquirido a um regime jurídico. Temos o Direito posto, temos um processo democrático que bem ou mal produziu a reforma trabalhista, com seus vícios e virtudes. Então, nós magistrados, se não pronunciarmos inconstitucionalidade, precisamos aplicar o Direito posto em nome da segurança jurídica, da proteção da confiança”, declarou o Ministro Douglas Alencar.