Sociedade só tem a ganhar com mulheres nos espaços de poder

5 de outubro de 2021

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Entrevista com a Presidente do TCU, Ministra Ana Arraes

Ana Lúcia Arraes de Alencar iniciou sua trajetória no Direito em 1993,
 na histórica Faculdade de Direito de Olinda, transferindo-se depois para a Universidade Católica de Salvador, na qual concluiu seu curso. Após exercer os cargos de técnica judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região e secretária parlamentar na Câmara dos Deputados, em 2006 foi eleita deputada federal pelo PSB, ao qual é filiada desde 1990. 

Se não foi a primeira mulher no cargo, foi a segunda. Antes dela, a única mulher eleita deputada federal pelo Estado de Pernambuco havia sido Cristina Tavares, em 1978. Fato que se repetiu quando, em 2011, Ana Arraes foi indicada pela Câmara dos Deputados para ser ministra do Tribunal de Contas da União (TCU), tornando-se a segunda mulher na história a ocupar o cargo e a presidir o Tribunal, após a pioneira Élvia Castello Branco, que permaneceu na Corte de Contas entre 1961 e 1995.

Nessa entrevista à Justa, a seção da Revista dedicada à presença feminina nas carreiras jurídicas, a Ministra Ana Arraes conta um pouco sobre sua trajetória, faz um balanço de sua gestão, e – candidata à reeleição – fala dos planos para um eventual segundo mandato. 

Revista Justiça & Cidadania – A senhora é filha de Miguel Arraes, um grande nome da política brasileira. Quais foram os principais aprendizados que ele lhe deixou?
Ministra Ana Arraes – O exemplo de meu pai ensinou-me muito a respeitar os que mais precisam, os mais vulneráveis. Todos têm direito a condições dignas de vida, moradia, saúde, alimentação e educação. Também aprendi com ele que a educação é o caminho para progredir, para sair da vulnerabilidade. Assim, acredito que a trajetória de uma pessoa com responsabilidade pública deve sempre se dar na direção de buscar soluções que reduzam o sofrimento das outras pessoas. Outro exemplo que levo comigo é buscar sempre o diálogo. É com diálogo que compreendemos as necessidades das pessoas, as suas razões e as suas capacidades.

RJC – Quando começou a cursar Direito, em 1993, a senhora já havia passado dos 40 anos e era mãe de dois filhos. Por que decidiu fazer faculdade naquele momento e o que a atraiu no Direito? 

AA – Casei-me muito cedo e na época tomei a decisão de cuidar diretamente dos meus filhos. Então, quando eles estavam crescidos, resolvi investir nos meus estudos. Escolhi a faculdade de Direito porque a Justiça sempre me atraiu, no sentido de buscar as soluções mais justas, sentia que com o Direito eu poderia contribuir para isso. 

RJC – O que mais a marcou de sua experiência como parlamentar?
AA – Embora eu ainda estivesse atuando como secretária parlamentar, antes de ser eleita deputada, atuei muito em prol da Lei Maria da Penha. Essa experiência me marcou muito. Participei ativamente da votação. Foi uma mudança importante, capaz de provocar grandes transformações para enfrentar a violência contra mulher.

Durante minha atuação parlamentar pude acompanhar várias ações em favor das mulheres. Vejo que ainda é necessário avançar em participação na política, em valorização profissional, em autonomia econômica, pois há situações em que as mulheres ainda permanecem em relações disfuncionais, sujeitas à violência, em razão da dependência econômica. 

RJC – A senhora foi apenas a segunda mulher eleita deputada federal por seu estado, em 2006. Apesar dos muitos avanços conquistados pelas mulheres nesses últimos 15 anos, ainda hoje Pernambuco possui apenas uma mulher numa bancada de 25 deputados federais. A senhora é também a única mulher entre os nove ministros do TCU, a segunda em 131 anos de história da Corte. O que ainda falta para que as mulheres superem o patriarcalismo na política brasileira?
AA – Para enfrentar o patriarcalismo as mulheres precisarão buscar ativamente entrar e permanecer nos espaços de poder. Vejo, por exemplo, que o número de mulheres que se lançam candidatas ainda é proporcionalmente baixo. É preciso arriscar, concorrer, e os partidos precisam apoiar essas mulheres, reconhecer seus talentos e compreender que ter mais mulheres na política é fundamental para assegurar a legitimidade na representação política. Raciocínio semelhante se aplica às posições de liderança nas organizações públicas e privadas. Há muitas mulheres talentosas, competentes, que precisam ser reconhecidas e chamadas a ocuparem esses espaços. A sociedade só tem a ganhar.

RJC – A senhora assumiu a Presidência do TCU em dezembro do ano passado. Qual é o balanço que faz da gestão até aqui?
AA – Estou muito satisfeita com o que temos feito. Temos cumprido todas as metas a que nos propomos e avançamos em diversos projetos para os quais nos comprometemos quando assumi a presidência.

O período tem sido desafiador para todos os órgãos públicos e organizações de modo geral. Preocupo-me muito em garantir que os servidores possam desempenhar o seu trabalho com segurança. As atividades têm sido realizadas prioritariamente de forma remota e só retomaremos o formato presencial ou híbrido quando realmente tivermos certeza de que será seguro para todos.

RJC – Como o TCU contribuiu no esforço para mitigar os efeitos da pandemia?
AA – Nos primeiros meses da pandemia lançamos um plano de acompanhamento, no qual foram previstas diversas ações para avaliar em paralelo a aplicação dos recursos voltados às diversas ações do Governo Federal para enfrentar a pandemia. O esforço representou, e ainda representa, avaliar se os recursos estão sendo aplicados corretamente. Por outro lado, também focamos nas orientações, em estabelecer o diálogo o mais próximo possível. 

Essas ações evitaram que diversas aquisições que se mostraram prejudiciais para a administração se concretizassem; em algumas situações foram identificados desvios nos quais, após serem devidamente apurados, buscou-se a devolução dos recursos ao erário. 

RJC – O que mudou na rotina de trabalho do TCU durante a pandemia?
AA – Uma mudança muito impactante foi a decisão de que praticamente todo o trabalho do órgão passou a ser feito à distância. Para isso, investimos em equipamentos, softwares e capacitação. Tem sido um aprendizado enorme, que certamente trará alterações para nossa forma de trabalhar no futuro. Aprendemos a usar o potencial da tecnologia da informação para facilitar as relações de trabalho e para rastrear a aplicação dos recursos, identificar riscos e avaliar grandes massas de dados, entre outras ações.

RJC – No Poder Judiciário, muitos tribunais tiveram um incremento da produtividade durante a pandemia, sobretudo pela intensificação do uso de novas tecnologias. O mesmo aconteceu nas Cortes de Contas?
AA – Sim. Em um primeiro momento, ainda em 2020, mudamos o perfil das atividades e focamos na instrução de processos. Depois foram desenvolvidas formas de realizar fiscalizações utilizando ferramentas de TI e aumentamos a produtividade.

RJC – A Corte fiscaliza a gestão dos recursos do Poder Executivo Federal no enfrentamento da covid-19. Em que momento as conclusões serão apresentadas à sociedade?
AA – Já foram concluídas diversas ações relacionadas à fiscalização dos recursos utilizados no enfrentamento da covid-19 e os resultados vêm sendo discutidos nas sessões que o Tribunal realiza semanalmente e publicados no portal do TCU. Por exemplo, apenas para citar uma das ações de destaque, em agosto foi apreciado o quinto ciclo do processo de acompanhamento das medidas adotadas pelo Ministério da Saúde (inclusive órgãos e entidades vinculados) para o combate à crise gerada pelo coronavírus. A decisão deu origem ao Acórdão 1873/2021 Plenário.

RJC – Em junho, a senhora acatou pedido do Ministro-Corregedor do TCU, Bruno Dantas, e determinou o afastamento preventivo do auditor Alexandre Marques. Determinou ainda a abertura de um processo disciplinar para apurar a elaboração e vazamento de um documento que contestava o número de notificações de mortes por covid-19 no Brasil, além de ter solicitado à Polícia Federal a abertura de um inquérito sobre o caso. Como está o andamento destes procedimentos?
AA – O processo disciplinar foi concluído. Decidiu-se pela suspensão por 45 dias (sem remuneração) do servidor. Ele foi considerado responsável por atos irregulares, porém, por sua trajetória profissional de bom desempenho, boas relações de trabalho e não ter incorrido antes em outras falhas, optou-se por uma sanção não tão severa como uma demissão.

RJC – O mandato é de um ano, com possibilidade de reeleição. A senhora é candidata? Quais são os planos para o segundo ano da gestão?
AA – A princípio, sim. Pretendo, em um segundo ano de gestão, consolidar o que fizemos no primeiro ano, avaliar o que foi feito e identificar se é possível aperfeiçoar mais algum ponto, a partir do aprendizado construído.