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Teto remuneratório e jornada semanal para o magistério

31 de janeiro de 2008

Joaquim Antônio Castro Aguiar Presidente do TRF-2ª Região

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Põem-se sob análise duas questões, as quais, a meu juízo, transcendem o interesse pessoal de alguns juízes e interessam a toda a magistratura, federal e estadual, de primeiro grau, dos tribunais, inclusive do Supremo Tribunal e do Superior Tribunal de Justiça.
A primeira questão diz respeito ao teto constitucional – se ele é ou não aplicável ao caso de acumulação dos cargos de juiz com o de professor de universidade pública. A segunda questão cuida da acumulação em si – a quais atividades e vínculos de magistério pode dedicar-se um juiz.

Teto constitucional
No pertinente ao teto constitucional, alguns estudiosos entendem que os juízes que também ocupam cargo no magistério público, uma vez somado o valor que percebem como magistrados à remuneração como professores univer-sitários, não poderiam receber acima do teto. Assim pensam alguns auditores do Tribunal de Contas da União, tanto que conseguiram, em fundamentação que apresentaram na Tomada de Contas nº 025.320/2006-9, que o referido Tribunal seguisse a linha desse entendimento, em respeito, segundo sustentaram, à Constituição da República.
No entanto, já houve manifestação do Supremo Tribunal Federal sobre essa questão. Com efeito, uma decisão normativa da Suprema Corte, proferida no processo administrativo nº 319.269 (sessão de 5 de fevereiro de 2004), firmara o entendimento de que, para os fins do teto instituído pela Emenda Constitucional nº 41, não se consideravam os cargos acumuláveis. Na ocasião, o então Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Maurício Corrêa, registrou que poderia decidir sozinho a questão, mas preferira levá-la à análise de todos os Ministros, por entender que o assunto, além de revelar evidente complexidade, possuía caráter normativo de repercussão nacional, circunstâncias suficientes a indicar, segundo assinalou, uma decisão colegiada que lhe permitisse garantir maior transparência, eficácia e segurança jurídica.
Vale registrar que daquela sessão administrativa parti-ciparam os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Nelson Jobim, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa.
Em julgamento no Supremo Tribunal Federal que envolvia matéria assemelhada, o Ministro Maurício Correa observara, quanto ao teto remuneratório e à gratificação recebida pelos Ministros do Supremo que atuam no Tribunal Superior Eleitoral, que, entendida a impossibilidade da acumulação de ganhos, o exercício simultâneo de cargos ficará obstado de forma reflexa, pelo que se há de exigir, desde logo, interpretação conforme a Constituição, de modo a harmonizar, efetivamente, seus comandos. Não é possível – sustentara o Ministro – aceitar que uma norma autorize e determine a acumulação e outra a proíba, total ou parcialmente, sendo inadmissível o conflito de normas constitucionais que ostentam igual hierarquia e que, por isso mesmo, reclamam ponderação simétrica de valores.
Partindo daí, o Ministro Maurício Correa concluiu que as remunerações respectivas, nesses casos de acumulação constitucionalmente permitidas, deverão ser consideradas isoladamente, para fins da aplicação do inciso XI do art. 37 da Constituição, somente estando sujeitas à redução se cada uma das remunerações, consideradas de per si, ultrapassar o limite estabelecido. (Notícias do STF, 10 de fevereiro de 2004.)
Esse posicionamento foi acompanhado pelos demais Ministros, não obstante tenha o Ministro Marco Aurélio ido além disso ao fazer ver que consubstancia direito e garantia individual a acumulação tal como estabelecida no inciso XVI do art. 37 da Constituição, importando o exercício dos cargos constitucionalmente acumuláveis a percepção de subsídios, ou vencimentos, ou salários, ou proventos, ou pensões, na totalidade do que é percebido em cada um.
Em verdade, o teto representado pela remuneração do cargo de Ministro do Supremo Tribunal não pode limitar, pura e simplesmente, a remuneração percebida pelo exercício de dois cargos constitucionalmente acumuláveis. Aliás, se considerada a soma dos ganhos de cada um dos cargos, o teto remuneratório já estaria, em regra, ultrapassado, pelo que, em última análise, chegaríamos à conclusão de que a acumulação autorizada terminaria, por via de conseqüência, negada. Com efeito, o direito assegurado estaria inviabilizado. Não é, pois, sem lógica a conclusão a que chegou o Ministro Marco Aurélio ao sustentar que, admitida pela Lei Maior a acumulação surge inconstitucional emenda que a inviabilize, a tanto equivalendo a restrição aos valores remuneratórios dela resultantes.
Com observação bastante perspicaz e concluindo pela inconstitucionalidade da expressão “percebidos cumulati-vamente ou não”, contida no art 1º da Emenda Constitucional nº 41/03, o Ministro Marco Aurélio adianta:

“Simplesmente o Estado não pode dar com uma das mãos e tirar com a outra; não pode assentar como admissível a acumulação e, na contramão desta, afastar a contrapartida que lhe é natural, quer no todo – quando, então, se passaria a ter prestação de serviço gratuito -, quer em parte, mitigando-se o que devido. Direitos e garantias individuais são aqueles previstos na Constituição, não cabendo distinguir posições, ou seja, integração passada, presente ou futura, em certa relação jurídica.
Quanto à norma do artigo 9º da Emenda, a per-plexidade é ainda maior. O poder de emenda é derivado, submetido ao texto do mencionado artigo 60 e, especificamente, ao inciso IV do § 4º nele contido. A ressurreição do artigo 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias de 1988 conflita com a disciplina constitucional. Direitos e garantias individuais hão de ser preservados, resguardando-se a segurança jurídica. Daí a cláusula permanente da Constituição, segundo a qual a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”

Por tais fundamentos, essa decisão administrativa do Supremo Tribunal Federal consta dos “considerandos” das Resoluções 13 e 14 do Conselho Nacional de Justiça, que seguiu a orientação normativa da mais alta corte de justiça do país, ao regulamentar a aplicação do teto remuneratório aos magistrados que estejam sob regime de acumulação com o cargo de professor em universidade pública.

O regime docente de 40 horas e o cargo de juiz
Pode parecer impossível que um juiz federal destine semanalmente 40 horas à atividade de magistério. A situa-ção, porém, é mais complexa do que se possa imaginar. O tratamento dessa situação em abstrato pode ocasionar dificuldade em nível nacional, não somente aos magistrados de universidades públicas, mas também aos vinculados a universidades privadas; na prática, em outras palavras, terminar-se-ia por afastá-los das universidades.
No “Formulário do Cadastro de Docentes”, cujo preenchimento foi imposto às Instituições de ensino superior por força da Portaria MEC nº 327, de 1º de fevereiro de 2005, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) define os regimes de trabalho docente da seguinte maneira:

“Docentes com dedicação exclusiva: São docentes contratados com 40 horas semanais de trabalho na mesma instituição, nelas reservado tempo de pelo menos 20 horas semanais destinadas a estudos, pes-quisa, trabalhos de extensão, gestão, planejamento, avaliação e orientação de alunos que se dedicam integralmente às suas funções na IES, não podendo exercer qualquer outra função, ocupar cargo ou executar atividades de caráter contínuo, remuneradas ou não, em outra instituição.
Docentes em tempo integral: São docentes contratados com 40 horas semanais de trabalho na mesma instituição, nelas reservado tempo de pelo menos 20 horas semanais destinadas a estudos, pesquisa, trabalhos de extensão, gestão, planejamento, avaliação e orientação de alunos.
Docentes em tempo parcial: Docentes contratados com 12 ou mais horas semanais de trabalho na mesma instituição, nelas reservado pelo menos 25% do tempo para estudos, planejamento, avaliação e orientação de alunos.
Docentes horistas: Docentes contratados pela insti-tuição exclusivamente para ministrar horas-aula, independentemente da carga horária contratada ou que não se enquadrem nos outros regimes de trabalho acima definidos.” (Os grifos não são do original.)

O Decreto nº 5.773/2006, em seu art. 69, parágrafo único (com origem nos Decretos nº 2.20797, art. 5º, § 4º, nº 2.306/97, art. 10, e nº 3.860/2001, art. 9º), que regulamenta a Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases – LDB) e, portanto, aplicável às instituições públicas e privadas, é a fonte normativa do conceito de regime integral contido no citado “Formulário do Cadastro de Docentes do INEP”, ao dispor que o regime integral de 40 horas obriga que o docente destine 20 horas semanais, no mínimo, a atividades de estudo, pesquisa e avaliação. Isso significa dizer que o professor no referido regime dedica, no máximo, 20 horas semanais a atividades em sala de aula (embora na maioria absoluta dos casos as atividades em sala de aula sejam em torno de 8 a 12 horas semanais).
A propósito, destaco do Parecer Normativo da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, aprovado em 10 de maio de 2007, o seguinte excerto:

“Tais normas preocuparam-se em afastar a percepção de que o regime de trabalho docente relaciona-se basicamente à quantidade de horas exercidas em sala de aula, de forma presencial. Afinal, isso desconsidera os propósitos da Constituição Federal e da LDB, uma vez que contraria o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Nesse sentido, e como reflexo da prerrogativa de autonomia de gestão didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, deve-se atribuir ao docente contratado em regime de tempo integral o exercício de outras atividades que não apenas a de ministrar aulas presenciais.” (Parecer CNE/CES nº 121/2007; processo 23001-000068/2006-88CES). (Grifos nossos.)

Exatamente neste sentido, limitando a 20 horas de aulas semanais, a acumulação com o magistério foi regulamentada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, na Resolução nº 03/2005, art. 1º, in verbis:

“Ao membro dos Ministérios Públicos da União e dos Estados, ainda que em disponibilidade, é defeso o exercício de outro cargo ou função pública, ressalvado o de magistério, público ou particular, por, no máximo, 20 (vinte) horas-aula semanais, consideradas como tais as efetivamente prestadas em sala de aula.”

É certo, entretanto, que ao ter admitido o limite de 20 horas semanais em sala de aula, o Conselho Nacional do Ministério Público assegurou aos membros do parquet um regime docente superior a 20 horas semanais de trabalho, pois, embora desnecessário registrar, “ao trabalho docente em sala de aula associam-se atividades que demandam horas adicionais do professor, como planejamento da disciplina, preparação das aulas, acompanhamento e orientação de alunos, elaboração e correção de provas, interação com secretarias e coordenações do curso. A quantidade adicional de horas configura o regime de trabalho docente, podendo representar, a cada hora em sala de aula, um valor igual, inferior ou superior a uma hora adicional de trabalho, dependendo do tipo de curso – o dispêndio é maior na pós-graduação stricto sensu, por exemplo – e mesmo das responsabilidades e atribuições devidas a cada professor” (Parecer CNE/CES nº 121/2007; processo 23001-000068/2006-88CES).
Realmente, difícil seria admitir que um magistrado ou membro do Ministério Público lecionasse 40 horas semanais. Em tese, no regime de trabalho do professor horista (Formulário do Cadastro de Docentes/INEP), seria possível que um docente assumisse junto a uma única instituição um encargo semanal de 40 horas de aula, o que poderia exigir dedicação ainda superior a essa carga horária, já que, como acima consignado, para cada hora-aula normalmente se investe tempo extra de trabalho.
Com base neste exemplo o Supremo Tribunal Federal (ADIn. 3126, Rel. Min. Gilmar Ferreira Mendes, e ADIn. 3508, Rel. Min. Sepúlveda Pertence) admitiu que o magistrado atuasse em mais de uma universidade. Ainda assim, cauteloso, ressaltou o Supremo Tribunal a necessidade de avaliação, no caso concreto, se a atividade de magistério inviabiliza o ofício judicante (ADIn. 3126, Rel. Min. Gilmar Ferreira Mendes), pois, de fato, em determinadas situações poderia ser a atividade do magistério destinada ao aperfeiçoamento e formação de magistrados e no interesse do próprio Poder Judiciário, por exemplo (Resolução CJF 336, art. 3º).
Por tal razão, a Corte Suprema (ADIn. 3126, Rel. Min. Gilmar Ferreira Mendes) se valeu, com precisão, da expressão “hora-aula”, ao referir-se à improvável incompatibilidade de um magistrado lecionar por 40 horas semanais em uma única instituição, e assinalou “na totalidade de 20 horas”, ao referir-se ao magistrado que teria maior possibilidade de dedicação à magistratura ainda que possuísse vínculo com mais de uma instituição. E não poderia ser diferente, pois, como se depreende dos atos normativos acima mencionados, no regime de trabalho integral de 40 horas, o docente é remunerado especialmente para se dedicar à pesquisa, o que, em geral, é feito em sua residência, durante sábados, domingos, feriados, férias, madrugadas, etc.
Com efeito, revela-se muito mais freqüente do que se imagina juízes, promotores e procuradores terem vínculos de magistério, com regime integral de 40 horas, junto a universidades públicas e também a estabelecimentos privados de ensino superior. Os juízes que possuem título de doutor tendem, em expressiva maioria, a atuar, naturalmente, em cursos de mestrado ou doutorado. No entanto, por exigência da CAPES, as universidades públicas ou privadas mantenedoras de programa de pós-graduação stricto sensu são obrigadas a dispor no quadro docente respectivo de percentual mínimo de “professores permanentes”, que, de acordo com a Portaria CAPES 478, de 3 de agosto de 2004, são aqueles que “mantenham regime de dedicação integral à instituição –  caracterizada pela prestação de quarenta horas semanais de trabalho” (art. 2º, V), participando de projetos de ensino e de pesquisa na mesma instituição (art. 2º, I e II). Na área do direito, a CAPES exige que esse percentual mínimo de professores permanentes em regime integral (40 horas) seja de 80% do quadro do programa de pós-graduação (Deliberação do Conselho Técnico e Científico, 86ª Reunião, 23 e 24 de maio de 2005).
Portanto, a prevalecer a noção de que o regime de 40 horas nas universidades é incompatível com o cargo de juiz, estes passarão a ser professores de segunda classe, pois, embora com qualificação adequada, não sendo reconhecidos formalmente como pesquisadores ou “professores permanentes” pelas agências regulamentares e de fomento (Capes, INEP etc.), serão os juízes federais em curto espaço de tempo alijados dos programas de pesquisa (grupos de pesquisa, orientação de alunos de iniciação científica, auxílios, etc.) e, conseqüentemente, dos programas de pós-graduação stricto sensu de qualquer instituição de ensino superior, pública ou privada.
Em curto espaço de tempo serão, ainda, os juízes relegados ao magistério horista, contratados apenas para dar aulas, em estabelecimentos de ensino superior ou, quando muito, em cursos preparatórios para concursos, o que, se não pode ser considerado demérito, deveria decorrer de medida voluntária dos magistrados, jamais de imposição, já que restringe o direito à acumulação de cargos autorizada constitucionalmente.
Dois pontos também interferem na hipótese: a) a questão da vigência da LOMAN e das resoluções do CNJ e do CJF em matéria de compatibilidade das atividades jurisdicional e docente desenvolvidas pelos juízes; b) a questão referente às atribuições dos Corregedores e dos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, o que enseja a verificação acerca do órgão fiscalizador a que se encontram subordinados os juízes.
Ora, se o magistrado observa a Resolução 336, do Conselho da Justiça Federal, comunicando à Corregedoria, de modo detalhado, as suas atividades docentes, e a Corre-gedoria, por sua vez, considera a atividade docente do juiz junto à universidade como regular e lícita, não registrando incompatibilidade entre ela e a atividade jurisdicional, nos exatos termos da citada Resolução do CJF e também da Resolução 34 do Conselho Nacional de Justiça, a situação estará, a meu ver, resolvida satisfatoriamente.