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VI Prêmio AMAERJ Patrícia Acioli de Direitos Humanos

20 de dezembro de 2017

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Em tempos de violência e intolerância, a VI edição do Prêmio Amaerj Patrícia Acioli de Direitos Humanos novamente deu voz aos profissionais que, em diferentes áreas de atuação, lutam pela vida, pela justiça e pela paz na sociedade brasileira. Este ano foram premiados 12 trabalhos, dentre 223 inscritos de todas as regiões do país, sobre o tema “direitos humanos e cidadania”, nas categorias Reportagem Jornalística, Trabalhos de Magistrados, Práticas Humanísticas e Trabalhos Acadêmicos.

Criado em 2012, o Prêmio homenageia a juíza da 4a Vara Criminal de São Gonçalo, assassinada em agosto de 2011 em Niterói. A edição deste ano contou com o patrocínio da Caixa Econômica Federal, da Multiplan, da Itaipu Binacional e da Confederação Nacional do Comércio (CNC), com apoio do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) e da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj).

Os vencedores foram conhecidos durante a solenidade de premiação, que aconteceu no dia 6 de novembro, no Tribunal Pleno do TJRJ. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, foi homenageada com o Prêmio Hors-Concours por sua trajetória em defesa dos Direitos Humanos. Ela participou da cerimônia, cuja mesa de abertura contou ainda, dentre outras autoridades, com o presidente do TJRJ, desembargador Milton Fernandes; a presidente do TRE-RJ, desembargadora Jacqueline Lima Montenegro; o procurador-geral do Estado, Leonardo Espíndola; o procurador-geral do Município, Carlos Sá; o defensor público-geral do Estado, André Luís Machado de Castro; a primeira-dama do Estado e presidente do Rio Solidário, Maria Lúcia Horta Jardim; e o conselheiro especial da CNC, Senador Bernardo Cabral.

Nagasaki é aqui – À frente da solenidade, a presidente da Amaerj, juíza Renata Gil, dirigiu-se em suas palavras iniciais à procuradora-geral Raquel Dodge: “Tenha certeza de que do Rio de Janeiro a senhora terá sempre a força e a proteção que precisa para enfrentar essa difícil missão, que temos certeza será muito bem desempenhada pelos valores de vida que traz consigo”. Ao se dirigir ao presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Jaime Martins de Oliveira Neto, a juíza comentou o momento difícil vivido pela magistratura, “em que o parlamento tenta calar a voz daqueles que estão à frente dos grandes processos de corrupção”.

Em entrevista à revista Justiça & Cidadania, a magistrada explicou se tratar de um recado aos parlamentares que apoiam a tramitação da Lei do Abuso de Autoridade para permitir que juízes sejam investigados por atos inerentes ao desempenho de suas funções. Ela disse acreditar, contudo, que a parcela dos deputados e senadores que se preocupam com a manutenção do Estado Democrático de Direito vai “impedir esses retrocessos”.

Renata Gil aprofundou a reflexão sobre o momento crítico da segurança nacional: “É necessário transformar o discurso em defesa dos direitos humanos em verdadeira ação. Sete pessoas são assassinadas por hora no Brasil. No ano passado foram registradas mais de 60 mil mortes violentas, recorde negativo de homicídios na história do país. São números que equivalem às mortes provocadas pela explosão da bomba nuclear que dizimou Nagasaki durante a ­Segunda Guerra Mundial. Essa é a nossa guerra, diária, inaceitável”.

Magistratura resiste – Na presença dos filhos e do viúvo da juíza Patrícia Acioli, a juíza Renata Gil lembrou a todos que Rio de Janeiro é o estado do país com o maior número de magistrados ameaçados. “Patrícia Acioli foi uma das vítimas dessa guerra. O objetivo do seu covarde assassinato era calar a Justiça e anular a magistratura, mas a Justiça do Rio de Janeiro não se dobrou ao crime e ao medo. A atuação dos juízes fluminenses continua firme contra o crime organizado e o legado de coragem de Patrícia Acioli não será esquecido jamais”.

A magistrada lembrou ainda a quarta posição do Brasil no ranking internacional dos países com o maior número de jornalistas assassinados, atrás apenas de México, Síria e Iêmen. Lembrou ainda os 116 policiais militares que foram mortos até então no Estado do Rio de Janeiro – até o fechamento desta edição já eram 117. Além das mais de 800 mortes em confrontos registradas no estado apenas nos primeiros nove meses deste ano. “Mais do que estatísticas, são vidas ceifadas violentamente. (…) A sociedade ainda discute que direitos são humanos, ainda é indulgente com o racismo, a intolerância religiosa, e não é inclusiva quanto aos deficientes e diferentes”, acrescentou.

Neste contexto, para ela, ao dar visibilidade a projetos e atores que foram capazes de compreender e/ou transformar a realidade local ao seu redor, o Prêmio inspira a disseminação das boas práticas e dos princípios mais elevados dos direitos humanos na sociedade.

Hors concours A procuradora-geral Raquel Dodge recebeu o prêmio Hors Concours. Ao receber as homenagens, a procuradora comentou: “Esse prêmio honra a memória e o legado de coragem e de zelo pelo bem comum da grande juíza Patrícia Acioli. Que continue a ser um incentivo e uma esperança para todas as pessoas de boa vontade – sejam juízes, promotores, jornalistas, músicos, artistas ou cidadãos comuns – no seu cotidiano, façam sempre e cada vez melhor o que podem para tornar nossas cidades e nossas vidas melhores”.

“Reconhecer o valor das contribuições pela paz e pelo respeito à dignidade humana, como as que estão sendo hoje premiadas, é reconhecer publicamente o valor de resistir mesmo quando parece não haver outra saída”, continuou a procuradora. Para ela, há sinais muito preocupantes de ofensa aos direitos fundamentais no Brasil: “A morte precoce de nossos jovens atinge o destino da nação. A educação pública sem qualidade diminui a oportunidade de acesso ao trabalho e a compreensão da própria dignidade da vida humana. A falta de liberdade de religião, de reunião, de associação e de uma vida segura no campo e na cidade têm tolhido o sentido de comunidade e de pluralidade que tanto orgulha os brasileiros”.

Dodge, contudo, disse enxergar esperança no horizonte: “A intolerância com a corrupção e com a ineficiência da gestão pública tem aumentado. Isso é fruto do precioso debate público de ideias e do direito de livre associação, que são peças essenciais de nossa democracia, mas também do fato de que hoje as ideias circulam mais livremente com o auxílio da internet. O acesso aos meios de comunicação aumentou e as gerações recentes têm permanecido mais tempo na escola. Prêmios como este, dedicado à memória da grande juíza Patrícia Acioli, reanimam a coalizão de pessoas em torno da defesa dos direitos humanos, como aquelas brilhantemente premiadas este ano, e estimulam a confiança nas instituições e nas pessoas”.

Juízes vencedores – Na categoria Trabalhos dos Magistrados, o grande vencedor foi o programa Rede Mulher em Paz, idealizado pelo juiz Rodrigo de Castro Ferreira (TJ-GO). Na segunda colocação ficou o programa Justiça no Bairro, desenvolvido pela desembargadora Joeci Machado Camargo (TJ-PR), e em terceiro o Projeto de Combate à Evasão Escolar colocado em prática pelo juiz Carlos Eduardo Mattioli Kockanny (TJ-PR).


Juiz Rodrigo de Castro, do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Jataí (GO), vencedor na categoria Magistrados da VI Edição do Prêmio Patricia Acioli de Direitos Humanos

Como o Programa Mulher em Paz foi colocado em prática?
Diante da identificação de que a violência contra a mulher é um problema sistêmico, muito mais amplo do que um fato criminal simples, percebemos que por meio da sentença e do procedimento criminal tradicional resolveríamos apenas o problema jurídico, mas não o problema sociológico como um todo. Como tem por missão pacificar a sociedade, o Poder Judiciário deve buscar a resolução adequada dos conflitos. O que depende do tipo de atendimento, do tipo de violência, da situação pormenorizada daquela vítima e daquele agressor. Além das medidas protetivas, que são inerentes ao Poder Judiciário, nós fazemos também o acompanhamento, seja com justiça restaurativa, seja com ações sistêmicas.

Nada é feito só com o Poder Judiciário, até porque nós não temos orçamento para poder atender essas demandas. Nosso lema é que o atendimento multidisciplinar de vários atores sociais em conjunto é muito mais eficaz do que o atendimento individualizado de cada um deles. Quando eles não conversam, não surtem tanto efeito quanto o atendimento em rede. Também fazemos palestras. Estamos juntos ao Poder Legislativo em contato com os representantes de bairros para identificar quais são as localidades com maior número de ocorrências. É lá onde marcamos palestras e fazemos divulgação de informações por meio das rádios.

 


Desembargadora Joeci Machado Camargo, do TJ/PR, segundo lugar na na categoria Magistrados da VI Edição do Prêmio Patricia Acioli de Direitos Humanos

De que forma uma premiação como essa incentiva a perseverar aqueles que trabalham pela promoção dos Direitos Humanos no Brasil?
Todas as vezes que um trabalho dignifica o ser humano, a sociedade e a cidadania, ele tem uma repercussão extremamente positiva para aquele que o faz. Você geralmente fica mais feliz quando dá o presente do que quando o recebe. Hoje, me senti muito feliz de ser reconhecida, porque experimentei um pouco o receber depois de 15 anos em que eu e minha equipe só damos. Já fizemos mais de dois milhões de atendimentos.

Como funciona o Justiça no Bairro?
Hoje, viajamos pelo Estado do Paraná inteiro, mas inicialmente começamos atendendo à população carente de Curitiba. Aos sábados, íamos até a unidade da Assistência Social da Prefeitura de Curitiba, nos bairros, onde de segunda a sexta-feira as famílias carentes e vulneráveis têm acesso a serviços como o Cadastro Único e a carteira de identidade. Passamos a ir aos sábados, pedindo que todas as instituições também ficassem abertas para atender a população. Íamos junto com o Ministério Público, a Defensoria Pública, juízes e faculdades de Direito para atender. Fazemos tudo o que pode ser feito, de forma eficiente, para acelerar a entrega da prestação jurisdicional e fazer com que essa entrega tenha um resultado efetivo, evitando que essa ação se desdobre no Fórum.

 


Juiz Carlos Mattioli Kockanny, da Vara da Família, Infância e Juventude de União da Vitória (PR), terceiro lugar na categoria Magistrados da VI Edição do Prêmio Patricia Acioli de Direitos Humanos

Como funciona o Projeto Contra a Evasão Escolar?
O projeto vai completar dez anos em 2018. Visa o atendimento diferenciado, por parte do Judiciário, para crianças e adolescentes que estão fora da escola. Vale lembrar que o Judiciário já atende essas questões de abandono ou excesso de faltas, que são ajuizadas quando não resolvidas pelas escolas. O que nós fazemos no Paraná é inverter a ordem das coisas. Comparecemos de imediato. No início do ano letivo a Vara da Infância e da Juventude já se faz presente, no contato direto com os alunos evadidos, conversando para identificar as causas do abandono da escola. São aquelas causas que todos nós conhecemos, como gravidez precoce, drogas, álcool, bullying e doenças não identificadas. Conversando com os pais, com a rede de proteção e com o conselho tutelar nós estamos conseguindo, ano a ano, uma diminuição significativa dos alunos evadidos.

Consegue mensurar os resultados?
Mesmo tendo um índice de desenvolvimento humano (IDH) mais baixo do que a média do Estado do Paraná, hoje a nossa região é uma das que têm menor índice de abandono e reprovação, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio. Atendemos uma média de 700 famílias por ano e temos hoje um índice de menos de 1% de abandono no ensino fundamental, quando no conjunto do Paraná é de mais de 3%. O índice de abandono no ensino médio.