Edição 13
Voto secreto de parlamentar: esconder o que de quem?
3 de março de 2001
Sérgio Cabral Presidente da Assembléia Legislativa do estado do Rio de Janeiro
O Brasil tem assistido a uma enorme polêmica acerca da violaçao ou nao do sigilo do voto em votações secretas no Senado Federal, discutindo apenas se o sistema de computador e seguro o suficiente para garantir aos Senadores o segredo da sua posiçao politica em relaçao a certas materias. Nao ha duvida de que se a lei determina o sigilo, ninguem esta autorizado a quebra-Io. Sera, no entanto, que o ponto central da discussao deve ser esse?
Em uma democracia, em que o parlamentar representa os seus eleitores, qual o sentido de se esconder daqueles que nele votaram a sua posiçao politica diante da cassaçao de um parlamentar ou da derrubada ou nao de um veto do Poder Executivo? O eleitor nao tem o direito de saber como o seu representante votou? Por que se garante ao Parlamentar a prerrogativa de se esconder dos seus eleitores sob o veu do sigilo do voto? A verdadeira democracia comporta o voto escondido?
Todos certamente se lembram das eleições do ano de 1995 para Presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro – ALERJ. O nosso Poder Legislativo Estadual se encontrava totalmente desgastado com a opiniao publica, em razao da falta de transparencia com que a Casa era dirigida, o que resultava no pagamento de salarios absurdos, engavetamento de projetos de lei, desperdicio de dinheiro publico e sessões legislativas em que imperava a falta de compostura e respeito mutuo.
Nessa eleiçao de 1995 duas candidaturas se apresentaram: a da situaçao que tinha como plataforma dar seguimento a politica praticada ate entao; e a da oposiçao, tendo sido eu o candidato, com uma plataforma de moralizaçao do Parlamento Estadual, atraves da transparencia, tanto na atividade-fim,legislativa, quanto na atividade-meio, administrativa.
Um dos maiores empecilhos a derrubada do regime anterior e das suas praticas pouco ortodoxas, residia na regra regimental do voto secreta para a eleiçao da Mesa Diretora. Nos da oposiçao sabiamos que o desgaste do Poder Legislativo junto a opiniao pública era a epoca tao grande, que se a votaçao fosse aberta poderíamos obter a vitória. Com a votaçao secreta, no entanto, tínhamos poucas chances, em razao de um estilo de fazer politica de que nem gostamos de lembrar …
Fizemos, entao, uma enorme campanha, com o apoio da midia e da opiniao publica, que acabou tendo exito, para tornar o voto para a Mesa Diretora aberto, que tinha o seguinte mote: “Deputado, mostre a sua cara”. A situaçao recorreu a Justiça, que em boa hora decidiu que se tratava de questao “interna corporis” e nao interferiu.
O resultado todos sabemos. Venceu a Democracia e a ALERJ tem conseguido nos ultimos anos resgatar a sua imagem e o seu conceito perante a opiniao pública, atraves da transparencia na conduçao das sessões legislativas, com a garantia da tramitaçao e votaçao de todos os Projetos, em um regime de cordialidade e respeito mutuo que antes nao se via. No plano administrativo foi efetivada uma verdadeira revoluçao, com a participaçao ativa do cidadão-eleitor, principalmente atraves da disponibilizaçao de informações no site da ALERJ na internet.
Esse e apenas um exemplo do que a total transparencia das posições politicas dos parlamentares pode fazer em favor da moralidade publica e da democracia.
O fim do sigilo do voto do Parlamentar traz, portanto, benefícios de toda a ordem. Nao so revela por inteiro o parlamentar para o seu eleitor, como tambem diminui a possibilidade de atritos e desconfianças intra-partidarias. Toda votaçao secreta e sucedida por especulações de toda a parte sobre quem traiu quem, ou quem nao seguiu a indicaçao partidaria, o que acaba se tornando um manancial para os intrigueiros e boateiros de plantao, e certamente enfraquece um dos pilares do sistema democratico, O Partido Politico.
E chegada a hora, nesse momenta em que o Brasil começa a alcançar a sua maturidade democratica, de se abolir, em todas as suas formas, o voto secreta do Parlamentar. No Estado do Rio de Janeiro estou apresentando Projeto de Emenda a Constituiçao para retirar do § 2°, do art. 104, da Constituiçao, o sigilo do voto na deliberaçao sobre a cassaçao de Deputado, e do § 4°, do art. 115, o sigilo do voto na deliberaçao sobre os vetos do Poder Executivo. Estou apresentando tambem Projeto de Resoluçao para retirar do Regimento Interno da ALERJ todas as referencias a voto secreto.
Nao ha democracia sem transparencia. Nada legitima o legislador a esconder do eleitor a sua posiçao política sobre qualquer tema, por mais complexo e delicado que seja. O Estado Democratico de Direito de ha muito ja aboliu a possibilidade de alguem ser julgado secretamente. E chegada a hora de avançarmos ao ponto em que nenhum representante dos cidadaos deve poder decidir qualquer coisa em seu nome sem o seu conhecimento e o seu controle. Afinal, o voto secreto serve para esconder o que de quem?