A vida imita a arte

5 de maio de 2005

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“Não morro antes de receber meus atrasados”. (Jacques Pedreira, personagem de Senhora do Destino).

Uma expressão muito difundida entre nós é que a vida imita a arte. No caso da novela Senhora do Destino, que atingiu enorme sucesso de audiência ao lado de vários dramas que se cruzaram e deram vida e sentido à trama, uma em especial chamou a atenção. É o drama de Jacques Pedreira, aposentado do INSS que lutava há oito anos para receber as diferenças de sua aposentadoria, pois essa  fora calculada em valor abaixo do correto.

Infelizmente, a vida de uma expressiva parcela de cidadãos brasileiros é bem semelhante a essa mesma angústia de Pedreira e suas realidades muito mais trágicas do que se viu na novela. Há milhões de segurados do INSS questionando os valores de suas aposentadorias. O Judiciário brasileiro conhece essa realidade de perto, pois o mesmo drama faz parte de milhares de processos que abarrotam os nossos Fóruns em novelas que parecem não ter fim.

No entanto, e isso talvez seja o pior de tudo, esses “equívocos” nos valores das aposentadorias não decorrem da desonestidade dos ocupantes dos cargos junto ao Ministério da Previdência ou do INSS. Com efeito, o ministro Amir Lando não sofre suspeitas sobre sua correção na gestão da Pasta, bem como a maioria dos funcionários do INSS. Os desvios que vemos denunciados na mídia são exceções. Antes de Amir Lando, outros homens corretos foram ministros da Previdência e outros brasileiros igualmente sérios ocuparão o cargo após ele. Mas então, afinal, o que há de errado que leva a tantos questionamentos sobre os valores das aposentadorias?

O que há é que, no Brasil, grassa uma cultura de pouco caso com os aposentados, de desrespeito aos direitos dos mais carentes, como se fossem cidadãos de segunda classe.

Isso pode ser visto quando aposentados morrem nas filas do INSS, como Severino dos Santos, que faleceu após doze horas de espera na agência de Padre Miguel, Rio de Janeiro, justamente em busca da aposentadoria. Pode ser visto quando os processos administrativos são destruídos pelo tempo, pelas más condições em que estão guardados. Pelo fato de que passamos mais de uma década sem concursos para preenchimento dos cargos no INSS.

E pode ser visto, ainda, pelo fato do Ministério da Previdência ser moeda de troca em qualquer reforma ministerial, como se a Previdência fosse apenas parte de um tabuleiro de xadrez, e não responsável pelo bem-estar de milhões de brasileiros. Enfim, o pouco caso com o idoso pode ser visto pelo fato de o INSS ser o réu com maior número de processos na Justiça.

A novela acabou e o drama de Seu Jacques continuou. A protagonista informou que, mais de cinco anos depois, ele ainda não recebera as diferenças. Como ele, milhares de brasileiros.

Seu Jacques afirmou que não morreria antes de receber seus atrasados. Infelizmente, para muitos brasileiros, a morte chega antes por conta de uma burocracia. As novelas de suas vidas não têm um final feliz.

Nos cabe, como brasileiros, não apenas esperar por esse final feliz, mas cobrar de nossos governantes que tenham pena dos inúmeros Jacques que estão em busca dos seus direitos. Que determinem aos órgãos sob sua responsabilidade que siga a jurisprudência dos Tribunais em matéria de benefícios previdenciários e, ao menos nesses casos em que a questão já está consolidada, deixem de recorrer. Que instruam os funcionários do INSS sobre esses posicionamentos para evitar demandas inúteis. Que orientem os procuradores a fazer acordos, reconhecendo os direitos de nossos cidadãos. Que, em resumo, paguem em vida o que é direito dos aposentados.