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Aspectos da responsabilidade objetiva

18 de março de 2013

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A CF, no § 6º, do seu  art.  37, prescreve: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” Aí está a regra-matriz que disciplina, atualmente, a responsabilidade objetiva dos entes mencionados, por danos causados por agentes seus, nessa condição, a terceiros.

Note-se que  a inexigibilidade da demonstração de culpa do agente causador do dano constitui seu elemento diferenciador, essencial, daí ser chamada de objetiva, em oposição à responsabilidade civil subjetiva, tradicional, regida, primordialmente, pelo nosso Código Civil, que pressupõe culpa “latu sensu”, resultante da ação ou omissão causal, além dos demais requisitos, em regra comuns, que informam as duas espécies obrigacionais. Como assinalam doutrinadores em obras específicas, dentre eles o saudoso Prof. Wilson Melo da Silva, “a paz social, a solidariedade, o bem comum e a eqüidade” constituem seus elementos basilares, asserindo, a seu turno, o Prof. e Magistrado Guilherme Couto de Castro,  “… que a responsabilidade sem culpa do Estado existe e tem como fundamento a idéia de socializar o ônus injusto recaindo sobre um ou alguns isoladamente; a vítima também não é culpada, e como foi a ação própria e direta da administração a causadora do mal, é mais justo, em tais casos, a divisão de custos pela coletividade, representada pelo ente público”. Aí está, diríamos, o substrato moral, a idéia de justiça, que permeia referida  espécie  obrigacional.

Inovando, a norma em foco introduziu as pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público, sob os princípios que norteiam a responsabilidade objetiva, ou sem culpa. Como se sabe, UF, Estados, Municípios e respectivas autarquias, constituem as pessoas jurídicas de direito público, cujos serviços são, por natureza ou definição, igualmente públicos, sendo prestados diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, c.f. art. 175/CF. As fundações públicas,  por extensão, equiparam-se aos entes autárquicos, recebendo no ponto, igual tratamento.

Além de autarquias e fundações, existem na administração indireta, empresas públicas e sociedades de economia mista, estas, com natureza jurídica de direito privado, cujos objetivos consistem na exploração de atividades econômicas, dispondo o inciso II, § 1º, art.173, da mesma carta, sujeitarem-se “ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto  aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários”. Embora o fim precípuo a que se destinam seja econômico, lucrativo, de concorrência no mercado, é comum, ao lado disso, exercerem parcela, às vezes ponderável, de serviço público. Não é difícil identificar, por exemplo, nas atividades da CEF, BNDES, BB, Petrobrás, etc., prestação de serviços públicos, a par de suas atividades normais, privadas. Em conseqüência, quando  preposto seu, em tal situação, causar a outrem, dano indenizável, para saber se aplicam-se ou não, os princípios que informam a responsabilidade objetiva, será necessário definir, previamente, a natureza do serviço por ele desenvolvido, quando tal ocorreu, se público ou não. Na hipótese negativa, a obrigação reparatória sujeitar-se-á aos princípios subjacentes à responsabilidade subjetiva, que supõe, além dos demais elementos típicos, que a ação ou omissão tenha sido culposa ou dolosa. A inovação constitucional, como se observa, a despeito de sua importância, requer atenção do intérprete para evitar até mesmo inconstitucionalidade na sua aplicação. O § 6º só se aplica às pessoas jurídicas de direito privado, de forma excepcional, estrita, quando prestarem serviços públicos e daí resultar o dano a ser reparado. Na atividade normal para a qual foram criadas, tendo em vista suas finalidades básicas, levando-se em conta princípios que emergem da mesma Carta Magna, suas responsabilidades por atos lesivos a direitos de terceiros deverão ser definidas sob influxo do direito privado, quais sejam, os princípios que orientam a responsabilidade subjetiva, civilista, que pressupõe, dentre outros elementos a gerar obrigação de indenizar, que a conduta do autor do dano tenha sido culposa, no sentido amplo.

É oportuno observar, ainda, que o preceito em foco vincula, nos termos que ele se contém, as pessoas  jurídicas ali referidas e terceiros, ou seja, não se aplica, a nosso ver, para disciplinar o cumprimento de obrigação entre elas, significa dizer que, se um agente, da UF, por exemplo, em tal condição, causar um dano a um Estado –membro, ou vice-versa, a responsabilidade deverá ser apurada não sob os princípios da teoria objetiva, na variante do risco administrativo, entre nós adotado, mas, sim, pelas regras que disciplinam a responsabilidade civil subjetiva, inscritas, basicamente, no CC, arts. 159 e 1518 e seguintes. Assim deve ser, não só levando-se em conta a literalidade da norma que menciona terceiros, o que denota não se tratar das pessoas jurídicas nela referidas, adicionando o fundamento equitativo, teleológico, consistente na divisão  dos ônus e encargos sociais que subjaz à espécie objetiva em apreço, resultantes do atuar estatal que prejudique ao particular, o qual  deixaria de existir quando a vítima fosse outro ente, porém dentre um daqueles relacionados em tal preceito.

Também o dano moral que resultar para a vítima, oriundo da conduta do agente público, em tal condição, será indenizável, aplicando-se os mesmos princípios, recordando-se que a CF, mais uma vez inovando, o previu ao lado do material, no item V, do seu art. 5º, tendo a jurisprudência do STJ, a sua vez, previsto ser possível sua cumulação em decorrência do mesmo fato e que a pessoa jurídica também pode sofrer aquele dano – Súmulas 37 e 227, respectivamente-.