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Breves comentários sobre a declaração e a repatriação de ativos por meio do regime especial de regularização cambial e tributária

31 de maio de 2016

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Leonardo-AntonelliComo é público e notório, instaurou-se há algum tempo, em nosso país, um grave quadro de recessão econômica. Neste contexto de acentuada desaceleração da atividade produtiva, é natural que o governo federal adote medidas visando incrementar a arrecadação. Dentre tais providências, destaca-se a recente anistia para a legalização de patrimônio de origem lícita não declarado, mantido no exterior em períodos anteriores a 31 de dezembro de 2014, por meio da criação do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária – RERCT, instituído pela Lei no 13.254/16 e regulamentado pela Instrução Normativa RFB no 1627/16.

Em passado não tão remoto, momentos de incerteza e volatilidade no Brasil levaram pessoas físicas e jurídicas a transferirem irregularmente para países estrangeiros recursos que outrora haviam sido legitimamente auferidos. A possibilidade que agora se abre para declaração e eventual repatriação destes ativos, portanto, pode ser bastante oportuna, sobretudo para aqueles contribuintes que já desejavam normalizar antigas erronias, porém não o faziam apenas por temer as inevitáveis repercussões tributárias e sobretudo criminais.

No tocante à taxação, verifica-se que o arcabouço legal impõe o pagamento de imposto de renda por ganho de capital à alíquota de 15%, somado ao mesmo percentual de multa, totalizando assim o montante de 30% sobre o quantum declarado, na forma dos artigos 6o e 8o da Lei no 13.254/16. Todavia, para o estabelecimento da base de cálculo será utilizado o câmbio do dólar norte-americano vigente no último dia do exercício de 2014, fixado em R$ 2,65. Ora, atualmente a moeda estadunidense se encontra cotada a cerca de R$ 3,60. Por conseguinte, como resultado da operação de conversão, resultaria uma alíquota real menor, de aproximadamente 22% do valor corrigido do ativo. Outrossim, a alta do dólar, acaso mantida, por si só já se encarregará de subsidiar significativa parcela do montante de imposto e multa que seriam originalmente devidos pelo contribuinte, tornando atrativa, sob este viés, a declaração do patrimônio.

Por sua vez, no que diz respeito à persecução penal, novamente os contribuintes se deparam com o recorrente vício dos órgãos estatais em editar ato administrativo que ultrapassa os limites da própria lei hierarquicamente superior a qual deveria se restringir apenas a regulamentar. No caso concreto, a Lei no 13.254/16 determina que a extinção da punibilidade do sujeito passivo ocorrerá com o cumprimento dos requisitos de adesão ao RERCT antes do trânsito em julgado de eventual decisão criminal condenatória (artigo 5o, parágrafo 2o, inciso II). Nada obstante, a Instrução Normativa RFB no 1627/16 impede a adesão do contribuinte que porventura possuir condenação penal, ainda que não transitada em julgado (artigo 4o, parágrafo 3o). Vale dizer: o sujeito passivo condenado em primeira instância cujo recurso ainda não tenha sido julgado em segundo grau poderá aderir ao RERCT, de acordo com a lei, mas paradoxalmente não logrará fazê-lo, a teor do regulamento. Cuida-se de desnecessária insegurança jurídica, ao que tudo indica a ser solucionada nos tribunais.

Numa outra vertente, prevê a Instrução Normativa RFB no 1.627/16 que o recurso ofertado pelo sujeito passivo contra decisão que ordene sua exclusão do RERCT será decidido em última instância pelo Superintendente da Receita Federal do Brasil com jurisdição sobre o domicílio tributário do contribuinte (artigo 30, parágrafo único). Há que ser criticada tal opção do fisco, por contrariar frontalmente o Decreto no 70.235/72, o qual “Dispõe Sobre o Processo Administrativo Fiscal” e cujo artigo 25, inciso III, preconiza competir o julgamento do processo de exigência de tributos ou contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, em segunda instância, ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF. Não se pode comungar com a subtração da prerrogativa de o sujeito passivo ter eventual peça recursal apreciada por órgão colegiado, técnico e paritário.

Finalmente, é de bom alvitre consignar que o Brasil em breve deverá se incorporar ao instrumento intitulado CRS – Common Reporting Standard, criado pela OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico com o objetivo de padronizar o intercâmbio automático de dados e informações tributárias em escala mundial. Todos os indícios apontam, nessa ordem de ideias, para um futuro próximo no qual a colaboração entre órgãos de controle e instituições financeiras tornará praticamente impossível a manutenção de recursos não declarados em qualquer canto do globo. Neste cenário, recomenda-se fortemente que os contribuintes consultem advogado especializado e avaliem a pertinência da adesão ao RERCT, cujo prazo se encerra em 31 de outubro de 2016.