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Direitos Humanos, Tributação e Democracia num Mundo Globalizado

5 de maio de 2000

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A contextualização desse tema  reflete vários eixos de pesquisa, de reflexões e de trabalhos realizados notadamente com trilogia do Devido Processo Legal Tributário – os limites da legalidade tributária no Estado Democrático de Direito, Fisco versus Contribuinte na área jurídica e a Reconstrução dos Direitos Humanos na Tributação.

Para começar, temos o Direito e direitos, como temos Direitos do Homem e Direitos Humanos. Esses direitos sempre foram frutos de determinados tipos de sociedade e de era. Tivemos direitos de determinadas categorias, de determinados grupos, de estamentos, de corporações, de etnias, de proprietários, estatutos, domínios, comunidades. Como tivemos Tribunais voltados para determinados grupos : o Tribunal dos Mouros, o Tribunal dos Judeus. Realmente, já tivemos esse direito particularizado, até mesmo aqui no Brasil, como Direito dos Proprietários: podia condenar-se a morte um escravo, mas um homem livre, só o Rei.

Assim sendo, percebemos que esse Direito, como uma concepção do homem, espraia-se para a sociedade, dentro de determinadas estruturas jurídicas e dentro de determinados regimes. Portanto, tivemos um Direito tipicamente rural para uma era do homem rural; tivemos uma era pastoral, uma era mercantil, uma era industrial, o mundo capitalista, agora um mundo pós‑capitalista, quer dizer, um mundo financeiro e, finalmente, entra um Direito Global, o que não significa dizer que esses outros direitos tenham desaparecido, mas que o Direito se planetiza. Essa é a nossa realidade contemporânea.

Chegamos então ao item da Tributação; e o que o tributo tem a ver com isso ? – tudo, é óbvio. Onde houve a presença de um homem, houve tributação. Tributação essa que assumiu, vem assumindo e continuará assumindo funções diversificadas, como na Idade Média, com o senhor feudal exigindo do vassalo e, ao mesmo tempo, o acerto que ele tinha com o rei. No estado burguês, uma tributação se disseminou: a indireta, invisível, que atinge bens básicos; no caso brasileiro, a cesta básica. Em que pese o artigo 145, da atual Constituição, ter explicitado, mais uma vez, o princípio da capacidade contributiva, uma tributação impiedosa, sem distingüir a capacidade, priva, às vezes, dos recursos mínimos para assegurar a sobrevivência.

Nessa linha evolutiva, essa tributação passa por uma transformação total porque o mundo se modificou, o burgo, a cidade, rompeu-se e se espalhou nessa nova globalização. Isso significa que a tributação está influindo dentro da matriz econômica mais do que antes, na medida em que o Estado nacional se torna impotente para atingir determinados segmentos. Por exemplo, as grandes multinacionais praticamente estão fora da tributação, porque onde houver, elas não se instalam. Aqui no Brasil, por exemplo, na indústria automotiva, toda tributação foi transferida para o consumidor através de IPI e de ICMS, ou da nossa chamada guerra fiscal.

Assim, estamos diante de novos “senhores da terra”, um pequeno grupo de eleitos, fortunas mundiais; só que há o problema da violência, o controle social. E o Juiz, vai pôr todo mundo na cadeia ? Na América, cinco milhões cumprem pena, e não há como construir mais penitenciárias ou algemas eletrônicas para acompanhar a liberdade condicional. Esse é o problema que agora se volta para os Direitos Humanos. E não é por acaso que hoje os grandes centros de decisão política do mundo estão chamando atenção para isso : o rico se torna prisioneiro da armadilha que ele preparou.

Essa é a realidade planetária da globalização: um novo Direito e um Judiciário que possa assegurar as Liberdades Públicas , os Direitos Humanos e os Direitos Fundamentais. Assim sendo, nessas três vertentes, os Direitos Humanos não são apenas aquelas Liberdades Públicas especiais para determinados fins ou aqueles Direitos Fundamentais. É o homem visto, quem quer que seja, em qualquer lugar do planeta, em qualquer situação, perante qualquer autoridade, inclusive judiciária, como um homem igual a qualquer outro. Essa igualdade material certamente não significará  uma fábrica  de homens iguais, de mulheres iguais, mas no sentido da igualdade material. Então, todos terão a mesma proteção e o direito às mesmas circunstâncias, de o homem ser tratado como homem, e não como um cidadão daqui ou de acolá.

Um mundo globalizado de uma forma humana com a tributação servindo para assegurar, em termos sociais, aqueles Direitos Fundamentais, ou os mínimos sociais, em qualquer lugar. Evidentemente, um país ou região mais ricos terão um padrão mais elevado. Não se está pensando aqui num comunismo utópico, mas sim, em vivência comum.  Rompidas todas as fronteiras – as clássicas e as modernas – não há escolha, todos estão expostos. Então, entre essa mundialização e as regionalizações, surge o tributo, mais uma vez, como um instrumento de realização dessa tarefa.

Assim sendo, é uma oportunidade que o homem tem para arrumar a sua casa, limpá-la, ocupá-la decentemente, substituir o egoísmo pelo humanismo, respeitar o outro, não mais apenas como uma questão de consciência individual, mas porque se torna absolutamente indispensável uma sociedade que realmente assuma e concretize esses valores. Uma mentalidade que não seja compatível com esse modelo será uma mentalidade fora da época e não o levará à felicidade. Ele não será feliz se não compreender e construir esse novo mundo.