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Dos atuais efeitos da liminar em mandado de segurança para suspender a exigibilidade de tributo e para autorizar a compensação de tributos

18 de setembro de 1999

Desembargadora Federal e integrante do Tribunal Regional Federal da 2ª Regiao.

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Com satisfação participo desta publicação e penso que deve ser o foro para o debate das nossas dívidas, e não das nossas convicções, que consistem em nossos votos, e por lei integram os respectivos acórdãos.

A legislação tributaria vem mitigan­do os efeitos da suspensão da exigibilidade do tributo, por liminar em mandado de se­gurança, o que justifica uma reflexão sobre o assunto.

A lei n.° 1.533, de 31.12.1951, que disciplina o mandado de segurança, determina em seu art. 7, que a medida liminar deve ser deferida quando for relevante o fundamento e o ato impugnado puder resultar na sua ineficácia, e a jurisprudência já esclareceu que a liminar e direito da parte, se presentes seus pressupostos, sendo vedada a exigência de qualquer contra-cautela.

O Código Tributário Nacional (CTN), em seu art. 151, IV, estabelece que a concessão de liminar em mandado de segurança suspende a exigibilidade do tributo, e, no seu art. 206, estatui que o tributo cuja exigibilidade esteja suspensa por liminar em mandado de segurança ensejara certidão positiva de debito fiscal, mas com efeito de negativa.

O Decreto n.° 70.235, de 06.03.1972, que tem eficácia de lei e disciplina o procedimento administrativo de constituição de crédito tributário, em seu art. N.° 62 vedava a instauração de procedimento fiscal relativamente a tributo cuja exigibilidade estivesse suspensa por liminar em mandado de segurança.

Alem disso, ate 1992 0 tributo cuja exigibilidade estivesse suspensa por liminar em mandado de segurança não perdia sua dedutibilidade para efeitos para efeitos de apuração da base de calculo do imposto de renda (IR).

Em síntese, ate 1992, a concessão de liminar em mandado de segurança para suspender a exigibilidade do tributo produzia os seguintes efeitos: a) impedia a autoridade fazendária de autuar o contribuinte; b) transformava em negativa a certidão positiva de debito fiscal; c) não interferia na dedutibilidade do tributo para fins de IR.

Por conseguinte, o deferimento de liminar em mandado de segurança para suspender a exigibilidade de tributo era extremamente útil para o contribuinte e podia causar evidente prejuízo à Fazenda, porque o debito fiscal era acrescido de juros de mora de 1% (inferior aos do mercado financeiro) e ainda se questionava se, decorridos mais de cinco anos, a autoridade teria perdido o seu direito de efetuar o lançamento tributário, vista que o prazo de decadência não se interrompe.

Isso não era razão para se ter como regra negativa de liminar. Mas, com todos esses efeitos, é fácil justificar que a deferimento de liminar em mandado de segurança para suspender a exigibilidade de tributo pressupunha do magistrado exame estrito do fumus boni iuris (subjetivo, que seria a primeira impressão da tese do contribuinte, e objetivo, existência, ou não, de precedentes judiciais sobre a questão) e do periculum in mora, que a jurisprudência pacificou ser a probabilidade de o contribuinte ser autuado, visto que o lançamento e ato administrativo vinculado.

Algumas liminares foram concedidas com liberalidade e os meios de comunicação chegaram ate a falar de “indústria de liminares”, em tom evidentemente pejorativo, tentando inibir o Judiciario no exercício da função judicante.

Com evidente objetivo de esvaziar os efeitos da liminar em mandado de segurança para suspender a exigibilidade de tributo, foram publicadas leis para: a) tornar indedutível, para efeitos de apuração da base de calculo do IR, o tributo não pago, por qualquer motivo, inclusive o da suspensão da exigibilidade por força de liminar em mandado de segurança (art.8 da Lei n.O 8.541, de 23.12.1992), e b) permitir a autoridade fazendária autuar o contribuinte mesmo na vigência da liminar, sem multa de lançamento (em regra 75°0 do valor do tributo), mas com juros de mora, calculados à taxa Selic (que e a taxa media do mercado financeiro), passando a incidir na multa de mora (20°0 do valor do tributo) se o tributo com exigibilidade suspensa não for pago ate trinta dias apos a cassação da liminar (art. 63 da Lei n.O 9.430, de 27.12.1996).

A partir de 1997, a liminar em mandado de segurança para suspender a exigibilidade do tributo passou a ter apenas uma única utilidade para o contribuinte, qual seja a de tornar negativa a certidão positiva do debito fiscal (art.206 do CTN) e deixou de causar prejuízo para a Fazenda, porque esta recebe antecipadamente o IR pela não dedutibilidade do tributo nao pago (se a despesa nao e dedutível, nao reduz o lucro e o IR passa a incidir sobre essa parcela de lucro nao reduzida pela indedutibilidade da despesa) e porque pode, desde logo, autuar o contribuinte, com juros calculados à taxa Selic, desaparecendo o risco de perda do direito de cobrar o tributo pela decadencia do direito de constituir o credito tributario e com certeza de que o debito sera acrescido da multa de mora (se o tributo nao for pago ate trinta dias contados da cassassão da liminar), independentemente da possibilidade de ser tambem acrescido da multa de lançamento (se nao houver o pagamento integral do debito apos trinta dias)

Lembro que as certidões negativas de debito fiscal, ou positivas com efeito negativo, sao de suma importancia porque sem ela o contribuinte estaria impedido de celebrar com a Administração Publica Federal, direta e indireta, convenios, acordos, ajustes ou contratos que envolvessem desembolso, a qualquer titulo, de recursos Públicos (Medida Provisória n.° 1699 – 41, de 29.10.19998 – art.7), participar de licitações (art. 29 da Lei n.° 8.666, de 21.06.1993) e de obter a inscrição no cadastro nacional de pessoa jurídica (CNPJ – Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal n.° 27, 05.03.1998 – arts. IS, § 1° e 18).

Nesse passo, sei que a aplicação do art. 7 da MP n.° 1,699/88 e do art. 15, § 1° da INSRF n.° 27/98 está suspensa por força das liminares deferidas nas Ações Diretas de inconstitucionalidade n.° 1454 e n.° 1859, res­pectivamente, mas o fato publico e notório para aqueles que militam na área é o de que, na pratica, as certidoes negativas ou positi­vas debito fiscal, com efeito negativo, conti­nuam a ser exigidas pelas autoridades para todos aqueles e outros efeitos.

Excluída a vedação para a instauração de procedimento fiscal tendente a constituição do crédito tributário dos efeitos da liminar em mandado de segurança para suspender a exigibilidade de tributo, e reduzido este efeito à transformação em negativa da certidão positiva de debito fiscal, e razoável sustentar que o fumus boni iuris, um dos requisitos para a concessao de liminar, deixou de ser a “probabilidade de sucesso no merito da questão” e passou a ser o exame do direito do contribuinte a ter certidão positiva com efeito negativo.

Assim sendo, deve-se recordar o enunciado de algumas sumulas do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que é vedado a  Administração pública promover qualquer ato que impeça ou cerceie o exercício da atividade social do contribuinte em prol da satisfação de debito fiscal: Sumula 70 – “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para a cobrança de tributo.”; Súmula 323 – “É inadmissível a apreensão de mercadoria como meio coercitivo para pagamento de tributo.”; Súmula – 547 – “Não e Iícito a autoridade proibir que o contribuinte em debito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.”

Pelo enunciado destas Súmulas do STF, não se pode impedir o exercício da atividade social do contribuinte sob a alegação de que não obteve certidão negativa de debito fiscal porque tal atitude caracterizaria indiretamente ato coercitivo para a cobrança de tributo.

Em suma, mitigado o efeito da liminar em mandado de segurança para suspender a exigibilidade de tributo, reduzido deve ser o exame do requisito para sua concessao: sendo a transformação em negativa de certidão positiva de debito fiscal o único efeito da liminar do contribuinte, o fumus boni iuris passa a ser o exame da seguinte questão: tem, ou não, a Fazenda direito de cercear a atividade do contribuinte que quer discutir a exigibilidade de determinado tributo, questão esta que, como visto,já foi apreciada e sumulada pelo STF no sentido que favorece o contribuinte.

Quanto ao periculum in mora, a mitigação dos efeitos da liminar em mandado de segurança para suspender a exigibilidade de tributo produz os seguintes efeitos: mantém a questão anterior, qual seja, a probabilidade do contribuinte ser autuado com todos os acréscimos legais, inclusive a multa de lançamento, e acrescenta uma nova, qual seja, a relativa aos danos causados pela não obtenção de certidão positiva com efeito de negativa.

Ora, se o fumus boni iuris passou a ser o exame de questão já apreciada e sumulada pelo STF e se o periculum in mora continua sendo a questão de há muito pacificada na jurisprudência, a única conclusão lógica que se pode tirar e a de que, com a mitigação dos efeitos da liminar devera ser sempre concedida, porque a jurisprudência também já se firmou no sentido de que, presentes seus pressupostos, e direito da parte o deferimento da liminar.

À primeira vista essa conclusao pode surpreender, mas nao se pode desconsiderar que sua consequencia é deferir uma liminar cujos efeitos estao reduzidos a transformação de negativa de certidão positiva de debito fiscal.

Faço, por fim, algumas considerações sobre as liminares em mandado de segurança deferidas para autorizar a compensação de tributos.

O Direito Tributario, ramo autonomo que é , tem suas normas gerais previstas em Lei Complementar (art.146, III, da CF/88), que sao as do CTN. Este, por sua vez, esta­belece, em seu art. 156, II e X, que a com­pensação e a decisao judicial passada e julgada são formas de extinção do credito tributario.

Assim, a decisao liminar que autoriza a compensação de tributo, na verdade, nao extingue o credito tributario porque, pelo CTN, apenas a decisao transitada em julgado tem esse condão. 0 que essa decisao liminar produz e a suspensão da exigibilidade do tributo que sera quitado, por compensação, quando transitar em julgado a decisao final do mandado de segurança.

Logo, a decisao liminar que autoriza a compensação tem o mesmo efeito da decisao liminar que suspende a exigibilidade de tributo. A diferença esta na decisao final do mandado de segurança: numa declarar- se-á o indebito e na outra a extinção do tributo por compensação.

Dessa forma, a liminar que autoriza a compensação de tributo nao e satisfativa (nem poderia ser), porque ela tem apenas o condao de suspender a exigibilidade do tributo que sera considerado compensado somente com o transito em julgado da decisao concessiva da segurança e, como ja visto, esse condao nao impede a autoridade de autuar, desde logo, o contribuinte; ademais, cassada a liminar, o contribuinte tem ate trinta dias para pagar o tributo que estava com a exigibilidade suspensa acrescidos de juros de mora calcu­lados à taxa Selic, sob pena passar a incidir a multa de mora e de ser devida a multa de lançamento, se nao ocorrer o referido paga­mento.

Por estes motivos entendo que os mesmos pressupostos exigidos para se deferir a liminar suspensiva da exigibilidade do tributo devem ser satisfeitos para se conceder a liminar autorizativa de compensação de tributos (nem mais nem menos), face à identidade de efeitos.

Em conclusão, eis a minha duvida: Por que nao caberia liminar para compensar tributos, se os seus efeitos sao exatamente os mesmos de liminar para suspender a exigibilidade e quanto a esta nao ha a menor dúvida sobre o seu cabimento, notadamente apos a mitigação dos seus efeitos?