Entrevista com o Desembargador Murta Ribeiro

31 de outubro de 2006

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“NÃO PODEMOS SER O PAÍS DO FAZ DE CONTA”   

Senhor Desembargador, há quantos anos milita no Judiciário fluminense? 

Estou inserido no poder judiciário fluminense praticamente por toda a vida já que meu saudoso e inesquecível pai, José Murta Ribeiro, exercia o cargo de promotor de Justiça em Garça, interior de São Paulo, antes de se mudar para a maravilhosa cidade do Rio de Janeiro, onde nasci em 31.07.41 e vivo até hoje. Naquele então, meu querido pai prestou concurso para a magistratura e logrou ser aprovado naquele que foi o 1º concurso público para juiz de direito na capital da República. De conseguinte, desde então, sempre convivi estreitamente ligado ao poder judiciário fluminense, cujo Estado, historicamente, passou por três condições especiais diferentes como ente Estatal: primeiro foi Distrito Federal; a seguir, com a mudança da capital do país para Brasília, tornou-se estado da Guanabara; e, hoje, após a fusão, passou a nominar-se estado do Rio de Janeiro.

Quais as recordações de suas origens?

Como não podia deixar de ser, são elas muitas e muitas, mas, a mais importante de todas é sem dúvida aquela através da qual, vivendo eu sempre em casa de juiz – e para mim e muitos dos seus milhares de ex-alunos, um grande juiz –, me fez buscar também o caminho da magistratura. Carreira a qual me dedico com afinco e amor há mais de trinta e quatro anos, galgando degrau por degrau seus patamares, sempre por merecimento.

Qual a opinião de V. Exa. a respeito dos juizados especiais? 

São eles de uma importância enorme para a democratização da Justiça.

Antes deles, inúmeros conflitos permaneciam, sem solução, à margem do poder judiciário. E isto, porque ante o formalismo processual desistiam os prejudicados da propositura de ações para obterem o reconhecimento de seus direitos e o necessário ressarcimento dos danos por eles sofridos.

Instituído o novo ordenamento, aumentaram-se os poderes do juiz e simplificou-se o procedimento, ensejando a solução rápida e eficiente das lides, o que foi logo percebido pela população que passou a procurar os juizados especiais de forma até surpreendente para alguns. E, ao demais, com uma quantidade incrível de postulações.

Aproximaram-se, assim, Judiciário e povo – um objetivo permanente do poder judiciário – através de uma interação constante, valorizada pela rapidez e excelência dos trabalhos executados, produto do talento dos magistrados que operam nessa área. Trabalho este prestigiado por todas as recentes administrações do poder judiciário e que assim continuará sendo.

Sem medo de errar, os juizados especiais constituem uma das vitrines do Judiciário fluminense.

Como vê V. Exa. a entrega da prestação jurisdicional no estado do Rio de Janeiro? 

Vejo-a entregue de forma correta e possível dentro da conjuntura político-institucional que atravessamos, e, sem falsa modéstia, a magistratura fluminense nada fica a dever em confronto direto com as demais carreiras judiciais dos demais estados. Na verdade, as sentenças e decisões judiciais devem obedecer ao binômio rapidez e qualidade e este objetivo procuramos sempre alcançar.

No estado do Rio de Janeiro, esta busca vem sendo obtida pelos mecanismos estruturais hoje fornecidos aos juízes através de um grande esforço de gestão, que encontrou na informática sua pedra de toque.

Assim, a célere informatização, cada vez mais aperfeiçoada no correr dos anos, já agora atinge a todo o nosso estado do Rio de Janeiro, sepultando de vez práticas ultrapassadas pelo tempo. Por exemplo, as consultas feitas via internet e intranet são instantâneas. De sorte que, apesar de conhecidas imperfeições do sistema processual, a magistratura fluminense vem decidindo os conflitos, em regra, dentro dos prazos previstos em lei. Há, reconheça-se, distorções, que as sucessivas administrações do tribunal vêm enfrentando e corrigindo.

A quantidade das questões apresentadas não estaria prejudicando a qualidade?

Creio que não. Na verdade, a qualidade dos decisórios de primeiro grau é compatível com o esperado pelos jurisdicionados e é reconhecida por todos aqueles que atuam no Judiciário. Sendo certo que isto se deve ao bom nível dos julgadores aprovados em rigorosos concursos de provas e títulos. Como um exemplo do até agora afirmado, temos o número de sentenças confirmadas. Neste particular aspecto, o número de sentenças confirmadas é muito maior do que o das sentenças reformadas. Tal constatação, mais uma vez confirma a pré-falada combinação da rapidez dos julgadores com a qualidade dos julgados.

Já no Tribunal de Justiça, em 2ª instância, a celeridade é ainda maior, o que surpreende até mesmo os profissionais dos outros estados, onde a prestação jurisdicional, por dificuldades estruturais, na maioria das vezes, é mais lenta.

Recente reportagem da série “Caminhos para o Crescimento”, publicada na revista Exame do dia 13 de setembro próximo passado, trouxe a lume interessante matéria intitulada “Para Fazer a Justiça Andar”, onde justamente se destacou à página 110 que nosso tribunal de Justiça é citado como exemplo para se dar partida a  este processo de agilizar os trabalhos forenses. Esta agilização ora cria varas empresariais, ora juizados especiais cíveis e criminais, bem como atualiza e informatiza a infra-estrutura de nossa Justiça fluminense, a ponto de atrair várias empresas para nosso estado. Empresas que aqui vêm a fim de ter como foro o do Rio de Janeiro, e, mesmo quando para cá não transferem suas sedes, tem o foro de nossa cidade como “foro de eleição” para resolver futuras demandas judiciais.

Os desembargadores fluminenses, quer os de carreira, quer os oriundos do quinto constitucional, destacam-se, assim, pela cultura, imparcialidade, presteza e talento na solução dos conflitos de interesse inerentes a toda sociedade moderna.

Como V. Exa. se sente integrando o tribunal de Justiça, já agora reconhecido como um dos mais ágeis e eficientes do Brasil? Os ônus são de grande monta para manter-se tal condição? Como pretende governá-lo, se vier a dirigi-lo em futuro próximo?

Sem dúvida sinto-me bastante orgulhoso, porquanto juiz e professor por toda uma vida é confortador receber este reconhecimento. Ainda recentemente, em encontro informal com a Eminente Ministra Ellen Gracie – presidente do Supremo Tribunal Federal, lídima e incontestável líder da magistratura nacional –, pude externar a Sua Excelência que estes trabalhos assim executados exigem esforços e sacrifícios de nossos juízes todos – juízes de 1º grau e de nós, desembargadores –, mas, mesmo assim, procuramos enfrentar e superar as  dificuldades que se nos apresentam.

Pretendo, eleito, manter os princípios norteadores das últimas administrações vencedoras de nosso Tribunal, sempre tendo como norte o bem comum, alcançável este com trabalho e dedicação integral. Em recente artigo publicado nesta mesma revista, cujo título era “O Polinômio da Boa Administração da Justiça – Ética – Competência – Participação – Transparência – Efetividade”, tive a oportunidade de externar que no estado do Rio de Janeiro esta busca constante no aperfeiçoamento do aparelhamento do poder judiciário local passa também pelo alto nível de informatização que já obtivemos. Certo que estes ingentes esforços hão de ser humanizados, e usando de uma expressão que nos vem da lição do eminente e douto ministro Nelson Hungria: “Há que se buscar temperar nossas forças, para que, sem prejuízo do desempenho, possamos amenizar a carga de trabalho”, o que, a meu sentir, só será possível com a mudança das leis do processo.

Idéias novas, em prol da população e, também, de nossos magistrados, hão de surgir da necessária e esperada participação de todos, uma das fases de nossa proposição administrativa.

As idéias podem ser novas, mas os ideais são antigos. Isto é, fazer justiça mais completa e cada vez mais respeitada como instituição. Outro objetivo permanente de quem queira bem administrar o poder judiciário é manter e ampliar a credibilidade dos juízes e, para tal, motivá-los ao aperfeiçoamento constante, buscando a eficácia e a eficiência.

Neste momento de nossa história, fala-se muito da “reforma do Judiciário”. O que V. Exa. pensa sobre sua efetiva aplicação?

O que penso é o que, a meu juízo, pensa a maioria dos atores que convivem no nosso universo do direito público e privado, isto é, é ela necessária, mas ainda não se completou. Assim, as reformas estruturais levadas a efeito, a maior parte delas na 2ª instância e nos tribunais superiores, não resultarão na efetiva melhora dos trabalhos judiciais se não se implementarem as reformas nas leis do processo e no primeiro grau de jurisdição. Uma reforma vencedora foi, sem dúvida, a criação dos juizados especiais cíveis e criminais, que, como vimos, aproximou o Judiciário dos jurisdicionados. Mas há que se perseguir outros êxitos, porquanto as mutações sociais, que no passado se faziam através dos séculos, hoje se perfazem em décadas. Sendo certo que o poder judiciário, como guardião das garantias individuais e dos direitos fundamentais, não pode compactuar com práticas menos éticas e menos transparentes que nos impeçam de chegar ao bem comum. Não podemos deixar de nos indignar com práticas recém-destacadas na imprensa nacional, a envolver a corrupção em todos os níveis de governo, tais como: “mensalão”, “sanguessugas”, “propinoduto” e outras mais. Não podemos ser o país do faz-de-conta.