O abuso na utilização das contribuições

19 de outubro de 2015

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Luiz_Gustavo_BicharaAo se tratar de reforma tributária, é lugar comum que sejam citados como principais problemas do sistema brasileiro: (i) a sua complexidade; (ii) o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que, em razão do anacronismo característico ao Federalismo brasileiro, é objeto da chamada guerra fiscal, com os estados concedendo benefícios caso a caso, sem qualquer coordenação; e (iii) a tributação excessiva da folha de salários, entre outros.

No entanto, pouco se tem dado atenção a um elemento que colabora para desestruturar o sistema tributário brasileiro, qual seja: o abuso na utilização das contribuições.

Vale destacar – deixando de lado, para os fins do presente artigo, as outras espécies tributárias (taxas, empréstimos compulsórios e contribuições de melhoria) – que enquanto o imposto tem por característica o fato do produto da sua arrecadação não ser vinculado a uma destinação específica, a contribuição é um tributo marcado por sua destinação, eis que o respectivo ingresso é obrigatoriamente direcionado para o financiamento da atuação do Estado em determinado setor, como, por exemplo, a educação, a seguridade social, os interesses das categorias profissionais, e a intervenção do estado no domínio econômico.

É dizer, ao contrário dos impostos, a receita das contribuições é, por imposição constitucional, vinculada a determinadas atividades estatais. Não pode o Poder Executivo aplicá-la livremente. São receitas constitucionalmente carimbadas.

A razão para o aumento da tributação pelas contribuições é por demais simples: ao contrário do que ocorre com os impostos, a receita desses tributos não precisa ser partilhada com os outros entes da federação. Trata-se de uma maneira simples e eficaz de se burlar o Pacto Federativo.

Um exemplo disso é que, no período compreendido entre 1991 a 2009, houve aumento considerável na arrecadação das contribuições na ordem de 60%, enquanto a dos impostos subiu 28,5%. Fica clara a preferência da União por essa espécie tributária.

Na prática, contudo, é evidente o abuso na utilização desse tributo, destacando-se, pelo menos, as seguintes razões: (i) os recursos advindos das contribuições vêm sendo aplicados em finalidades diversas daquelas para as quais foram criadas, desvirtuando-se por completo a destinação das receitas em questão (tredestinação); (ii) a instituição ou manutenção de contribuições para finalidades que não são atendidas; e (iii) a sua cobrança com base em alíquotas inequivocamente descoladas da realidade.

Nessa linha, a título de exemplo, vale lembrar que a Lei Complementar no 110/2001 criou a contribuição social de 10% dos depósitos devidos ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) durante a vigência do contrato de trabalho, com incidência na despedida, sem justa causa, do empregado. O objetivo precípuo era de que os valores arrecadados cobrissem os rombos nas contas do FGTS, provocados pelos expurgos dos Planos Verão e Collor I, em 1989 e 1990.

Considerando que as contas do Fundo já se encontram superavitárias, o Senado Federal editou o Projeto de Lei no 198/2007, que tinha por objetivo extinguir a contribuição. Porém, a Presidente Dilma Rousseff o vetou integralmente, sob a justificativa de que o impacto nas contas da União Federal prejudicaria o desenvolvimento de projetos que, embora essenciais para o país, não guardam relação com a finalidade para a qual a contribuição foi instituída.

Importante frisar que não se questiona a essencialidade de certos projetos para o futuro do Brasil. Porém, tais projetos não podem ser bancados com fontes de custeio compromissadas – insista-se, constitucionalmente – com outras finalidades.

O cenário se repete no setor de telecomunicações, considerando que a contribuição ao Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), no elevado montante de 1% da receita bruta de serviços de telecomunicações, foi instituída para proporcionar recursos destinados à universalização de serviços de telecomunicações.

Breve análise da lei orçamentária demonstra que os recursos de FUST arrecadados não vêm sendo aplicados em nada, mas apenas contabilizados como reserva e para cômputo de superávit primário.

Para que se tenha uma ideia, somente no ano de 2013, a arrecadação do FUST supera o montante de dois bilhões de reais, sendo que, no último exercício, nem um por cento foi efetivamente investido, restando o imenso saldo como reserva de contingência. Desde sua instituição, a União arrecadou o incrível valor de 15 bilhões de reais a título de FUST, e não se tem notícia de que nem cinco por centro disso tenha sido investido.

Nessa linha, o Deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM/SP) apresentou brilhante Parecer opinando pela aprovação do Projeto de Lei no 2.217/2015, o qual pretende a suspensão das contribuições ao FUST até que seja aplicado o total arrecadado desde a sua instituição, afirmando que:

[…] apesar das imensas necessidades de universalização dos serviços de telecomunicações, que deveriam se estender, inclusive, a muitos outros serviços que não só a telefonia, os recursos do FUST nunca foram utilizados para o fim a que se propunha com a aprovação da Lei no 9.998, de 2000. Assim, observamos não só um contínuo desrespeito à política pública instituída pelo Congresso Nacional, como também a uma falta de visão política que poderia colocar o Brasil em patamares muito mais elevados no grau de desenvolvimento. 

Diante de todo o exposto, entendemos que o governo deve não só a buscar a melhor forma de cobrança dos tributos, mas também controlar a aplicação das receitas. 

Afinal, as receitas carimbadas das contribuições devem ser utilizadas nas finalidades para as quais foram criadas, em vez de servirem como instrumento para que a União Federal deixe de repartir as receitas tributárias com os demais entes federados, burlando o pacto federativo, ou apenas para fins de superávit primário.