O crime de terno e gravata

5 de julho de 2005

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Para nada servem as leis quando o Estado, encarregado de fazer cumpri-las, se enfraquece e se distancia, ampliando o dissenso entre a sociedade e os grupamentos políticos incumbidos de fazê-lo funcionar. As leis não se realizam na sua força coercitiva quando a sociedade, indiferente, não as legitima. Sem legitimidade, não há autoridade e, sem autoridade, tudo resulta num teatrinho de intermináveis formalidades. As pessoas do povo em geral já não disfarçam o cansaço com a desfaçatez que há muito estamos vivenciando.

Do mesmo modo como a política de juros altos não pode ser o único remédio para o controle da inflação, também o Código Penal não pode ser a única saída para o enfrentamento da violência.

A criminalidade a ser combatida não é apenas a das ruas, das praças e favelas. Não podemos perder de vista a criminalidade do conluio, da cumplicidade, do silencio; a criminalidade engravatada, exatamente aquela do malandro “que nunca se dá mal”, conforme os versos de Chico Buarque de Hollanda.

O povo brasileiro, que é todo, em si, íntegro, trabalhador, honesto, ético, envergonha-se quando se apercebe de que está sendo enganado por quantos, malandramente, conseguem mandatos políticos e, malandramente, passam a atuar no seu nome. Não sendo tais políticos pessoas honradas, não têm como honrar a representação. Aliás, nem precisam, até porque os seus compromissos são outros e com outros igualmente malandros.

Não há que haver condescendência. Não há que haver proteção. Proteção se dá é a vítima de injustiça; a quem sofre constrangimento ilegal por abuso de poder. Nas ditaduras, isso se justifica se a vítima, pessoa honrada, é perseguida pelas suas idéias políticas. Nas democracias, não. Nas democracias, é possível distinguir a impunidade de imunidade. Nas democracias, é dever da Justiça Pública perseguir os acusados de qualquer crime, inclusive os lesivos aos cofres públicos.

Então, precisamos cuidar melhor da democracia.

Precisamos combater a sonegação fiscal, a pirataria, o tráfico de drogas, o contrabando de armas, a lavagem de dinheiro. Precisamos trazer para a legalidade a chamada economia informal, que não assina carteira do trabalhador, nem paga imposto. Se conseguirmos que todos saiam da economia informal e se juntem aos que, na economia, não tem problemas com a legalidade, somaremos uma arrecadação maior; assim, será possível reduzir, de pronto, as alíquotas dos impostos.

Só com justiça tributária – todos pagando pouco e a arrecadação somando mais – será possível apresentar ao País um orçamento forte, suficiente para responder aos compromissos do Estado e às promessas da democracia para com a sociedade.

Vamos ter que interiorizar mais as ações da Polícia Federal, do Ministério Público Federal, da Justiça Federal. Os mecanismos da União Federal de apoio à sociedade e de garantia do dinheiro público e do patrimônio das pessoas não se estendem com eficácia ao interior do Brasil. E é para o interior que o crime está indo, que o bandalho das licitações de “araque” está migrando. Não havendo punição em tempo, quem manda é a impunidade. No Brasil, vemos o Poder Executivo paralisado por um Estado mastodonte, incapaz de cumprir os seus deveres elementares e de atender aos reclamos essenciais da população; o Legislativo dividido entre sua missão maior de elaborar as leis da Democracia Representativa e o emaranhado de lutas políticas e partidárias intestinas.

Apesar dos seus problemas e falhas, só o Poder Judiciário ainda pode inspirar à sociedade a confiança de que ela tanto necessita. O Poder Judiciário emerge, neste momento, como uma luz na escuridão, uma chama de esperança para os que ainda crêem na força do Direito, no respeito às leis e aos contratos legitimamente firmados, na garantia das liberdades individuais.