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Reconhecimento Ao Mérito

31 de maio de 2008

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Senhor Presidente, eminentes pares, colegas, minhas senhoras e senhores, embora muito honrado por poder usar a palavra neste momento, confesso que me vejo em grande dificuldade.
Falar do desembargador Sylvio Capanema não é tarefa difícil. São tantas as suas qualidades, virtudes e realizações que até o mais jovem dos advogados seria capaz de falar sobre ele fazendo uma bela preleção. Já tive o privilégio de falar do Capanema algumas vezes. A última delas foi em nossa Assembléia Legislativa, quando Sua Excelência foi agraciado com a Medalha Tiradentes. Disse, naquela oportunidade, que o Capanema consegue ser, ao mesmo tempo, espelho e janela: espelho porque é brilhante, reluzente, cheio de esplendor; janela porque não reflete a si mesmo, pelo contrário, deixa entrar a luz, o ar, a vida onde quer que esteja, compartilhando com todos as suas qualidades.
Um pouco mais difícil do que falar do Capanema é falar com o Capanema, mormente num mesmo evento.
Todos sabemos que ele é um orador primoroso, o Catão da Magistratura: palavras fáceis, imagens empolgantes, pensamentos cristalinos. Falar com o Capanema, mormente depois dele, é uma grande dificuldade. Passei por essa dificuldade algumas vezes quando juntos percorremos o Brasil para falar do Código do Consumidor, nos seus primórdios. Foram tantas vezes que chegaram a nos chamar de dupla CACA – Capanema e Cavalieri. Tive a honra de ser apresentado como “Sérgio Capanema” e ele o dissabor de ser chamado de “Sylvio Cavalieri”.
A maior dificuldade, entretanto, está em falar para o Capanema num momento como este. E esta é a minha grande dificuldade neste momento.
Prefiro pensar, até para diminuir a minha dificuldade emocional, que este não é um momento de despedida; é um momento de alto valor simbólico de fazermos preservar na memória deste Tribunal a significativa presença, a participação e a passagem do eminente desembargador Capanema por esta Casa.
Estas palavras poderiam ser dirigidas ao grande magistrado, prolator de votos brilhantíssimos, formador de jurisprudência neste Tribunal e até nos Tribunais Superiores; poderiam também ser dirigidas ao jurista consagrado, autor de importantes obras e trabalhos; ao conferencista renomado, vigoroso defensor de suas teses jurídicas, formador da doutrina. Prefiro falar para o Professor. E falo, Sylvio, não em nome dos milhares de alunos que você teve (e tem) ao longo de sua brilhante carreira no magistério, hoje espalhados por todo o país e exercendo as mais importantes funções na vida pública e privada. Falo em nome de todos nós que aqui estamos, membros deste Órgão Especial e de todo o Tribunal de Justiça.
Sem termos tido a oportunidade, verdadeiro privilégio, de estarmos formalmente em uma sala de aula tendo você como professor, todos nós somos seus alunos; a todos nos ensinou com o seu exemplo, com a sua vida.
O padre António Vieira, o príncipe dos pregadores, disse que o maior e mais poderoso sermão é o sermão do exemplo; é o sermão que se prega aos olhos e não apenas aos ouvidos; é o sermão que se prega com atos e ações e não somente com palavras.
Você, Sylvio, sem nunca ter tido a pretensão de nos dar uma aula, foi e é o nosso mestre, a todos nos ensinou nos anos que integrou este Tribunal, porque você nos ministrou, diariamente, a lição do exemplo. É, como já disse, um orador brilhante, eloqüente, mas o seu exemplo e a sua vida são ainda mais brilhantes – falam mais alto que os seus discursos. Tem tudo para se orgulhar da sua brilhante inteligência, mas com a vida nos ensina a humildade, a ética, a transparência, a amizade e a lealdade. Sua extraordinária carreira de magistrado é uma lição de vida para todos os seus colegas, principalmente para os novos juízes – exemplo de dedicação, de eficiência, de pontualidade, de responsabilidade.
Permita-me citar um único exemplo, embora devassando um pouco a sua vida privada. Acompanhei, consternado, a longa agonia de sua genitora; meses em coma internada no CTI. Você, como bom filho que é, nada lhe deixou faltar, e sem que ela pudesse saber, diariamente ia visitá-la no hospital. Mas não faltou um só dia de trabalho neste Tribunal. Poucos tinham conhecimento do drama que estava vivendo. E quando, finalmente, ela partiu, no dia seguinte você estava em plena atividade neste Tribunal. É possível maior exemplo de dedicação de filho e de homem público?
Há pessoas que são admiradas de longe pela fama, beleza, cultura ou fortuna, mas depois de conhecidas de perto – a convivência, o dia-a-dia mostram que são ídolos de pé de barro. É por isso que muitos casamentos fracassam.
Há pessoas que não são conhecidas de longe – não têm fama, não têm fortuna, não têm projeção. Mas depois de conhecidas de perto, pessoalmente, tornam-se admiradas, estimadas e até veneradas pelas suas qualidades e virtudes internas.
Dificilmente uma pessoa admirada e respeitada de longe se torna ainda mais admirada e respeitada de perto. E uma dessas raras pessoas, Sylvio, é você. Você chegou a este Tribunal já admirado e respeitado por todos – pela sua cultura, pela sua brilhante carreira como advogado, pela sua renomada atuação no magistério. Mas depois de 14 anos de convivência diária com seus pares neste Tribunal, depois de 14 anos de convivência com juízes, advogados e servidores, você sai ainda mais respeitado, admirado e engrandecido.
No exercício da magistratura você conseguiu ser enérgico sem arrogância, rigoroso sem prepotência, constante sem obstinação, bondoso sem condescendência, inflexível e ao mesmo tempo compreensivo. Conseguiu personalizar o magistrado que todos nós gostaríamos de ser.
Nestes últimos meses de convivência neste Órgão Especial tenho tido o privilégio de me sentar ao seu lado, o que me permitiu perceber, bem de perto, mais uma de suas admiráveis virtudes: o seu acendrado senso de justiça. Chega a ser comovente o seu empenho, a sua preocupação, verdadeira angústia em fazer justiça. E com isso aprendi mais uma lição depois de mais de 35 anos como julgador.
Por que isso é importante? Porque a maior injustiça não é aquela que é feita pelo nosso maior inimigo; isso é vingança. Tampouco é aquela que é feita pelo nosso melhor amigo; isso é traição. A maior injustiça é aquela que é feita pela própria Justiça; que é perpetrada pelos agentes da Justiça e em nome dela – quando o direito, a eqüidade e a boa-fé são substituídos por motivação política e interesses pessoais. Então a vingança, a traição e a própria injustiça são travestidas em justiça. O branco passa a ser preto, o bom passa a ser mau, a virtude passa a ser defeito, às vezes até crime.
“Não existe pior desordem do que a injustiça.” Com essa ponderação, Maurice Duverger, eminente jurista francês, denuncia e condena a ordem aparente, a utilização de leis e decisões jurídicas com motivação política e interesses pessoais para o acobertamento de injustiças, sob pretexto de garantir a ordem e proteger as instituições.
Senhor Presidente e eminentes pares, aposenta-se o desembargador Sylvio Capanema; não se aposentam, entretanto, as virtudes norteadoras desse grande homem público – humildade, sabedoria, disciplina, lealdade, honra e senso de justiça. Deixa três brilhantes magistrados, seus filhos – a Márcia, a Flávia e o João Paulo –, que darão continuidade ao seu extraordinário trabalho e perpetuarão o seu nome neste Tribunal.
Sylvio, meu irmão, em nome de todos os seus colegas, muito obrigado por tudo aquilo que você foi, é e será, e que Deus torne ainda mais brilhante a estrela que lhe deu ao nascer.
Um abraço carinhoso.