Senadora Heloisa Helena: em defesa de sua honra e dignidade

5 de março de 2001

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O pronunciamento feito da tribuna do Senado Federal, pela Senadora Heloisa Helena, em defesa de sua honra e dignidade, – seja como mulher, como cidadã e principalmente como Senadora da Republica -, em revide as insinuações que Ihes foram atribuídas pelo Senador Antonio Carlos Magalhães, merece a sua transcrição abaixo, por oportuna e necessária. E o fazemos em homenagem a intimerata e valorosa Senadora por Alagoas, principalmente, pela sua coragem cívica e moral com que pauta sua atuação no Congresso Nacional, em defesa do Povo e da Patria, tomando-a plenamente merecedora do respeito amplo e irrestrito do povo brasileiro.

“Neste final de tarde, farei algumas considerações. Embora nao goste de ler pronunciamentos, para evitar a excessi­va adjetivaçao que gosto de fazer, hoje farei uma exceçao.

Existem muitas publicações espalhadas pelo mundo sobre um conjunto de antigos tra­tados chineses. E um volume de oraculos chamados Estratagemas. Geralmente, tais estratagemas sao exemplificados com publi­cações, fatos da historia, da literatura, da tra­diçao militar. Um dos mais comentados tem como titulo “Criar Algo a Partir do Nada”. En­tre muitos exemplos, ha um que se passa na epoca dos estados guerreiros, que vou citar. Certa vez, o conselheiro mais proximo e de mais confiança do rei, chamado Pang Gong, foi designado para assumir uma tarefa im­portantissima, que era acompanhar e prote­ger um principe num cumprimento de um tra­tado entre dois Estados que estavam em guer­ra. Como Pang Gong, que era o conselheiro mais estimado pelo rei, sabia que, na sua ausencia, certos cortesaos iriam difama-Io diante do monarca, resolveu fazer algumas perguntas ao rei: “Majestade, se alguem vos contasse que um tigre esta vagando pelas ruas da capital, acreditari­as nele?” Ao que o rei respondeu de pronto: “Claro que nao. Como tal coisa seria possivel?,” Mas, continuou Pang Cong, ‘se uma segunda pessoa trouxesse a mesma noticia, Vossa Majestade dar-Ihe-ia cre­dito?’ Apos refletir um momento, o monarca respondeu: ‘Nao. Mes­mo duas pessoas nao me convenceriam.’ ‘Mas’, continuou Pang Gong, ‘se uma terceira pessoa viesse e dissesse que viu um tigre na capital, Vossa Majestade acreditaria nisso?’ – Acreditaria – respon­deu o monarca. Se tres pessoas dizem a mesma coisa, deve ser verdade. Ao que o conselheiro respondeu: – Majestade, partirei em breve em direçao ao distante Estado de Zhao para acompanhar o vosso filho, o nosso Principe. Durante a minha ausencia, certamente mais de tres pessoas virão aqui caluniar-me. Espero que Vossa Majestade pense duas vezes antes de chegar a quaisquer conclusões. O rei anuiu com a ca­beça e disse: – Entendo perfeitamente o que dizes. Vai sossegado.

De fato, muitos cortesaos solicitaram audiencia ao rei e caluniaram Pang Gong. De inicio, o Rei nao deu ouvidos, mas com o au­mento do fluxo de vozes em condenaçao a Pang Gong, o Monarca foi ficando desconfia­do, ate acabar se convencendo do suposto mau carater do seu principal e estimado con­selheiro. Apos o seu retorno, mesmo tendo Pang Cong cumprido a sua tarefa com perfei­çao, trazendo o Principe a salvo, percebeu que ja nao tinha a confiança do Monarca, sim­plesmente porque rumores repetidos com certa frequencia passam a ser encarados como verdade, do mesmo jeito que tres pes­soas podem criar um tigre do nada.

No capitulo desse estratagema ‘criar algo a partir do nada’, ha uma passagem muito inte­ressante que diz assim: ‘Os rumores estao en­tre as coisas mais temiveis. Umas poucas pa­lavras podem levar um heroi a depor as suas armas ou um homem a subtrair sua propria vida. O tempo que um rumor esta em circula­çao nao é importante, pois depois que sua exatidao foi apropriadamente certificada, seus efeitos normalmente ja se tornaram irreversiveis’.

Imaginem, Sras. e Srs. Senadores, uma noticia que nao é dada somente por tres pessoas, mas por milhares de estruturas de co­municaçao deste Pais, espalhadas por todo o seu territorio, atravessando mentes e corações dizendo o seguinte: ‘O Senador Antonio Carlos Magalhaes, ex-Presidente do Congresso Nacional, disse numa reuniao com tres Procuradores da Republica, no Ministerio Publico Federal, que a Senadora Heloisa Helena votou contra a cassaçao do ex-Senador Luiz Estevao’.

Antes de falar o que se faz necessario sobre o fato, agradeço profundamente a todas as pessoas que pensaram duas vezes, a todas as pessoas que foram solidarias comigo, na minha querida Alagoas, onde as pessoas me conhecem profundamente, onde nem os meus mais ferozes adversarios foram capazes de manipular politicamente esse tipo de calunia. Agradeço a todos do Parlamento e de varios lugares do Brasil que, mesmo nao conhecendo a minha historia, fo­ram capazes de pensar duas vezes.

Certa vez, Confúcio, velho filosofo chines, disse, que Ihe pergun­taram sobre o que ele considerava a essencia da clareza de visao: ‘Aquele que nao se deixa impressionar por uma longa e constante barragem de calunias pode ser considerado clarividente’.

Pensei muito durante todos esses dias sobre como alguem, em sa consciencia, poderia acreditar num fato de tal natureza. Por que minha palavra, minha vida de absoluta honestidade, de rigor etico ­a custa de tantas privações e de tantos enfrentamentos -, poderia ser colocada num mesmo patamar de legitimidade da palavra do Senador Antonio Carlos Magalhaes, sem qualquer prova? Por isso, Sras. e Srs. Senadores, é de fundamental importancia que a listagem com os votos apareça com meu voto Sim pela cassaçao do entao Senador Luiz Estevao.

Quando chegamos a esta Casa, como Senadores recem-elei­tos recebemos um envelope com uma senha. Alguem designa um numero, nao somos nos que o escolhemos privativamente como uma senha de banco. Alguem colocou uma senha num papel e de­pois num envelope e entregou-nos. Prefiro pensar, sinceramente, que nesta Casa nao há Senadores que furtam senhas, que sao capa­zes de fraudar uma eleiçao. Portanto, a Iistagem com meu voto Sim tem que aparecer.

Agora vamos ao mais doloroso, ao pérfido, ao que se comenta por esses corredores azuis. Se levantarmos o tapete azul, a lama sobe. Vamos ao que se comenta pelos corredores para argumentar o meu ‘tal voto contra a cassaçao’. Vamos ao que ha de pior na calunia, ao mais asqueroso.

Dizem: ‘a Senadora poderia ter recebido dinheiro do vigarista’!

Essa afirmaçao me faz reviver tudo o que já passei na vida, lutando contra gentinha suja como essa. Nao passei minha vida enfrentando metralhadora giratoria, passei minha vida enfrentando metralhadora de verdade, para lutar contra os que saqueiam os cofres publicos, contra um dinheiro sujo que jamais poderia ter recebido.

Falam ainda que ‘a Senadora poderia ter tido um caso com o vigarista’! Este é o argumento machista, tipico de uma sociedade impregnada do costume nojento de colocar as mulheres subservientes a homenzinhos riquinhos e ordinários como ele, homenzinhos ordinarios sobre os quais eu nao cuspo, mas vomito sobre esse e sobre qualquer outro, quer seja Deputado ou Senador, que tenha a ousadia de falar sobre isso.

Dizem tambem que ‘a Senadora atendeu a um pedido do Sena­dor Renan Calheiros, por acordos politicos regionais’. Deus certamente fez-me com muitos defeitos, mas me concedeu algumas com­pensações. Nao permitiu que a pobreza fosse sufici­ente para degenerar os meus neuronios a ponto de fazer um acordo eleitoral com dois anos de antece­dencia. Deus deu-me tam­bem um temperamento in­suportável, uma intoleran­cia crônica com acordos espurios, que os dois Sena­dores pelo Estado de Alago­as, Senador Teotônio Vilela e Senador Renan Calheiros – especialmente – conhecem muito bem. Os dois sabem que ainda esta para nascer o homem – o que podia me calar morreu quando eu tinha tres meses de idade, o meu pai – que me faça, efetivamente fazer algo que eu nao queira.

É exatamente par isso, Senador Antônio Carlos Magalhaes, que, quando chamei V.Exª de canalha e usei palavras supostamente grosseiras, distantes do tempero de civilidade reivindicado por V.Exª, o fiz porque essa e a unica forma de V.Exª entender e ouvir. V.Exª foi muito mal acostumado neste Pais, tendo assustado muitas pessoas com a sindrome do capitao-do-mato, que, no grito e com o chicote, arrasta as pessoas pela orelha para a senzala.

Nasci negrinha neste mundo para nao me dobrar para absolutamente ninguem. Vim negrinha para este mundo com a força que Deus me deu para arrombar porta de senzala se preciso fosse e para ja­mais ser arrastada para ela.

Solicito muito a V.Exª que nao fale da minha família. Ela tem tudo que o falso moralismo que uma sociedade cinica e dissimulada apre­senta como escoria. A elite tambem os tem, so que esta esconde os seus em baixo do tapete persa. O meu, nao. Todos os que sao classi­ficados como escoria trago-os no meu coraçao e por eles sou capaz de fazer qualquer coisa para protege-los, porque, Senador, fizemos uma opçao de vida, embora o mundo seja preparado para os corrup­tos, para os dissimulados, o covil dos ladrões tolerados. Esses é que levam vantagem no mundo.

Nos fizemos outra opçao: pelo Natal no quartinho de emprega­da, pela fome, pela miseria, pelo sofrimento e pelo cabo da enxada. Nao fizemos a opçao para aquilo que o mundo espera.

V.Exª deve entender que fui educada, nao domesticada para ser­vir os grandes como V.Exª. Fui educada ate para lamber escara de pobre, se preciso for, para salvar-Ihe a vida. Jamais seria domesticada para servir aos grandes e aos poderosos.

V.Exª tenha absoluta certeza de que as minhas palavras foram insignificantes diante do que posso fazer para defender a honra dos meus filhos, da minha familia e a minha dignidade.

Para terminar, pois eu realmente nao gostaria mais de tocar neste assunto no plenario, embora volte a faze-Io se preciso for e se eu quiser, quero dizer que nos, Senadores da Oposiçao, queremos aprofundar todas as investigações dessas denuncias feitas agora pelo Senador, como sempre fizemos em todas as areas. Faremos isso cumprindo nossa obrigaçao constitucional quanta aos casos Eduardo Jorge, Banco do Para, aeroporto da Bahia, privatizações, Cayman, pasta-rosa, tudo que possa significar crimes contra a Administração Publica, trafico de influencias, exploração de prestigio e intermediação de interesses privados. Muitos aliados de hoje e muitos ex-aliados participaram da operação ‘abafa’ e esconderam tudo mesmo quando a Oposição queria investigar. E exatamente por isso que continuamos lutando pela Comissao Parlamentar de Inquerito.

Eu nao poderia deixar de vir a esta tribuna para deixar bem claro para todos, especialmente para o Senador Antonio Carlos Magalhaes, que nao me dobro, nao me curvo; fui educada numa familia pobre, nao fui domestica da para servir aos grandes.”.