3 X 15 anos de protagonismo no STJ

12 de junho de 2023

Da Redação

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Em entrevista tripla, os ministros Luis Felipe Salomão, Og Fernandes e Mauro Campbell Marques falam sobre seus 15 anos no STJ e temas relevantes na agenda jurídica do País

Eles tomaram posse juntos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) no dia 17 de junho de 2008 e em 15 anos de judicatura foram protagonistas em inúmeros julgamentos importantes, responsáveis pela formação de precedentes judiciais de Direito Público, Privado e Penal que são hoje seguidos por tribunais e magistrados de todo o País – juntos, somaram nesse período mais de 597 mil julgados, dentre recursos, decisões liminares e decisões em recursos internos..

Além das várias funções administrativas e institucionais cumpridas no STJ, os ministros Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques e Geraldo Og Fernandes também tiveram nesses anos atuação marcante em outros órgãos de cúpula do Poder Judiciário, como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Conselho da Justiça Federal (CJF) e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam).

O trio de magistrados também compartilha destacada passagem há pouco tempo pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), num dos momentos políticos mais conturbados da história recente do País, no qual a Justiça Eleitoral atuou como esteio fundamental para a manutenção do Estado Democrático de Direito.

Às vésperas de completar a marca dos 15 anos de trabalho no STJ, eles aceitaram conceder essa entrevista tripla à Revista JC, cada qual a seu tempo, porém respondendo às mesmas perguntas, para falar um pouco sobre sua trajetória, sobre o papel que desempenham no Tribunal da Cidadania e ainda sobre questões relevantes da agenda da magistratura nacional.

Confira os melhores momentos das entrevistas a seguir. Leia em nosso site a entrevista com as respostas completas, incluindo detalhes sobre a trajetória dos ministros no Direito e ainda suas opiniões sobre os projetos para fixar mandatos nas cortes superiores, o trabalho telepresencial de magistrados, o ensino de Direito no Brasil e muito mais.

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Ministro Luis Felipe Salomão

Perfil e currículo resumido: 

Foi promotor de justiça no MPSP, juiz titular da 2ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro e desembargador do TJRJ, diretor-presidente da Enfam e secretário-geral da Associação dos Magistrados Brasileiros. É lembrado por ter presidido a comissão de juristas constituída pelo Senado para elaborar o anteprojeto da Lei da Arbitragem. Membro da Corte Especial do STJ, professor emérito da Enfam, coordenador do Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV e diretor do Centro de Pesquisas Judiciais da AMB, preside ainda o Conselho Editorial da Revista Justiça & Cidadania. Como Corregedor-Geral Eleitoral, instruiu e levou a julgamento seis ações de investigação judicial eleitoral envolvendo a chapa presidencial eleita em 2018; instaurou procedimento administrativo referendado pelo Plenário do TSE para apurar ataques à democracia e à legitimidade das eleições; e levou a cabo mais de 15 projetos que resultaram em relevantes melhorias nas ações das corregedorias eleitorais e da própria Justiça Eleitoral. Como Corregedor Nacional de Justiça, além das correições e medidas moralizadoras, destaca-se pela iniciativa da campanha “Registre-se – Semana Nacional de Registro Civil”, para enfrentar o sub registro de nascimento e levar a milhares de brasileiros em situação de vulnerabilidade os documentos fundamentais para o exercício da cidadania.

Alguns dos principais julgados no STJ: 

Casamento civil homoafetivo (REsp 1.183.378/RS, 2011) – Como relator, reafirmou que não há vedação expressa ao casamento entre pessoas do mesmo sexo no Código Civil e que “não há como se enxergar vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta aos princípios constitucionais da igualdade, da não discriminação, da dignidade da pessoa humana e do pluralismo e livre planejamento familiar”.

Obsolescência programada (REsp 984.106/SC, 2012) – Como relator, sustentou expressamente a abusividade da obsolescência programada, bem como que a responsabilidade do fornecedor de bens duráveis deve observar a vida útil do produto e não a garantia contratual.

Direito ao Esquecimento (REsp 1.335.153/RJ, 2013) – Em acórdão paradigmático, o ministro relator tratou de reforçar a importância de uma imprensa livre e que exerce seu poder-dever de informação, mas também do direito ao esquecimento dos condenados que já cumpriram sua pena e, na mesma extensão, dos absolvidos.

Revista Justiça & Cidadania – Como foi seu início no Direito? O que o fez optar por ser magistrado?

Ministro Luis Felipe Salomão – No meu caso foi simples, sempre quis ser juiz. Meu pai foi advogado e profissional liberal a vida toda. Desde pequenininho, quando minha mãe perguntava o que eu ia ser, dizia que seria juiz. Então, foi muito tranquila a minha escolha. Desde adolescente procurei ler bastante, para me forjar nas disciplinas da área de humanas. Comecei a ler todos os clássicos e me preparei para o vestibular, sempre focado no Direito. Passei para a Faculdade de Direito da UFRJ e já durante o curso comecei a fazer estágios na Defensoria Pública do Rio de Janeiro e no escritório do meu pai.

Tinha a intenção de fazer concurso para a Defensoria Pública enquanto aguardava a idade mínima para a magistratura, mas a Defensoria não abriu a vaga e acabei passando no concurso para o Ministério Público de São Paulo. Quando atingi a idade, fiz o concurso tanto para a magistratura do Rio de Janeiro, quanto para a magistratura federal. Passei nos dois e optei pelo Rio, voltei para a minha cidade, onde havia sido criado. Comecei minha carreira de juiz em Casimiro de Abreu, cidade pequena, depois passei por várias outras no interior do estado, como Paraty e Angra dos Reis. Fui substituto na capital, onde comecei nas varas regionais de Santa Cruz, Bangu, Campinho, até chegar ao foro central.

Na minha época, como juiz substituto na capital, havia um déficit muito grande na carreira, porque foi logo depois da Constituição de 1988, quando houve muitas aposentadorias. Pude passar por vários juízos, acumulando varas diferenciadas. Trabalhava bastante, porque às vezes tinha que acumular três, quatro, cinco varas para cobrir as faltas da carreira. Isso me deixava estafado no final do dia, numa época em que não havia computador nem telefone celular, mas, por outro lado, isso me deu uma experiência muito grande na magistratura. Participava ao mesmo tempo de uma audiência cível, corria para fazer um interrogatório criminal, voltava para fazer uma audiência na vara de órfãos, depois tinha que ir à vara de família. Era uma corrida, que me deixava exausto, mas a experiência foi muito grande.

Desde o começo da minha judicatura, fui juiz novo, comecei também a lecionar na Escola de Magistratura do Rio de Janeiro. Sempre acreditei que juízes bem preparados, com uma correta formação, são fundamentais para o exercício da cidadania, para que o Poder Judiciário seja fortalecido e para que a sociedade seja bem servida. Sempre tive muita afinidade com as escolas de magistratura e leciono desde a fundação da Emerj.

Em paralelo, me envolvi com o movimento associativo. Participei desde o início das atividades da Associação de Magistrados, percebi a transformação pelas quais as associações passaram, de clubes de serviços e locais onde se realizavam apenas ações sociais para dar um passo de legitimidade e representatividade político-institucional. Acompanhei de perto essa transformação. Portanto, isso permeou toda a minha carreira.

Fui depois juiz titular na comarca da capital do Rio de Janeiro, fui a desembargador e depois vim para o STJ.

JC – Nesses 15 anos desde que tomou posse no STJ, quais foram as suas maiores realizações como ministro e servidor público?

LFS – Acho que a vocação para a magistratura é a nota característica principal, a dedicação à carreira e à Constituição é o que marca bastante minha trajetória. Minha vida inteira foi convivendo com juízes, identificando os problemas, tentando modificar o mundo à nossa volta, mas sempre com essa visão de servir adequadamente à sociedade, fortalecer o Judiciário e fazer com que a magistratura seja cada vez mais respeitada e participativa. Esse esforço foi feito durante a vida inteira, uma contribuição infinitamente pequena diante de tantos que já contribuíram para isso.

JC – O que o senhor ainda espera realizar em sua trajetória no Poder Judiciário?

LFS – Não me vejo fora da magistratura, não consigo me imaginar, por exemplo, atuando na iniciativa privada ou em outra esfera que não seja o Poder Judiciário. Espero poder continuar contribuindo, seja na magistratura, seja atuando em atividades paralelas de pesquisa, sempre com foco no aperfeiçoamento do Poder Judiciário, seja atuando como presidente do Conselho Editorial da Revista Justiça & Cidadania, o que me dá muita honra e prazer. Desenvolvemos também eventos, atividades e estudos, sempre com foco no Poder Judiciário. Almejo manter saúde para continuar contribuindo nessa mesma linha, que foi a trajetória da minha vida.

JC – Qual é sua opinião a respeito das propostas de emenda constitucional que tramitam no Congresso para mudar as regras de nomeação e estabelecer mandatos fixos para os ministros dos tribunais superiores? É o momento oportuno para essa discussão?

LFS – No caso do STJ, é um Tribunal que nasceu do Supremo Tribunal Federal, a partir da ideia de que havia uma crise na Suprema Corte. Surge o STJ como uma das soluções, em linha com o que vinha acontecendo na Europa, com a criação das cortes constitucionais europeias, o que aconteceu principalmente a partir do pós-guerra, na década de 1950. A existência de cortes constitucionais com o modelo europeu pressupunha a existência de um tribunal similar ao STJ, que pudesse julgar as questões infraconstitucionais, dando a última palavra nessa matéria.

No Brasil isso também aconteceu, com algumas particularidades que só existem aqui. Foi criado o STJ com a Constituição de 1988, mas o Supremo manteve uma estrutura para julgar não só as questões constitucionais, por via das ações diretas, mas também as matérias infraconstitucionais, por via do recurso cabível, quando do julgamento da matéria pelo STJ.

Esse perfil do STJ tem similaridades e diferenças em relação ao perfil europeu, com muitas características próprias. Uma dessas características é o processo de seleção dos ministros, porque é um privilégio que o nosso Tribunal possa participar do processo de escolha, quase nenhum outro tribunal superior pelo mundo tem essa prerrogativa de formar uma lista, em processo que também conta com a participação do presidente da República e do parlamento. Algo que garante ampla legitimidade a quem ingressa no STJ, com a legitimidade dos membros do Tribunal, que escolhem os nomes da lista, do presidente da República, que seleciona um dentro dessa lista, e do parlamento, que chancela a escolha que começa com o Tribunal. É uma prerrogativa única e por isso mesmo é um Tribunal muito homogêneo, que tem bastante identidade, é um Tribunal mais técnico, no qual os ministros atuam com muita liberdade, e por isso é conhecido e respeitado como o Tribunal da Cidadania, que forjou uma jurisprudência muito própria, a partir da Constituição de 1988.

A história do STJ se cruza com a história da Constituição. A partir dali todas as leis e diplomas legais que vieram com a redemocratização do País foram interpretadas pelo STJ, como o Código Civil, o Código de Processo Civil, a Lei da Mediação, a Lei da Propriedade Intelectual e toda a legislação posterior à Constituição de 1988. A forma de ingresso no STJ tem sido um modelo de sucesso.

Em relação ao STF, o modelo de escolha pelo presidente da República, com a ratificação ou não pelo parlamento, é o mesmo de quase todas as democracias similares à nossa – cujo modelo maior foi o dos Estados Unidos. Quem interpreta a Constituição precisa ter a legitimidade democrática, que só é conferida pelo presidente da República, com a participação do parlamento. É um formato de escolha já testado, que funciona no mundo todo, e que no caso brasileiro também é aprovado pela excelência que o STF tem e demonstrou agora, sendo o responsável pela manutenção da democracia em nosso País. Esse processo de escolha vem dando certo.

A questão dos mandatos se encaixa bem com esse perfil que adotamos no STJ a partir da Constituição de 1988, um modelo de controle de constitucionalidade, com uma Corte constitucional e um Tribunal que interpreta a legislação infraconstitucional. É um modelo que permite a fixação de mandatos, resta saber, e isso tem que ser bem consensuado, se esse é o momento exato para trazer esse tema a debate. Precisa haver ampla participação da Suprema Corte, do Poder Executivo e do Parlamento para tentar encontrar o melhor modelo de atuação do STF. Há prós e contras, é preciso haver muito debate e um esforço para encontrar o melhor caminho nesse cenário.

JC – Assim como seus dois colegas nessa mesma entrevista, o senhor integrou recentemente o TSE e acompanhou de muito perto o trabalho desenvolvido pela Justiça Eleitoral para enfrentar a campanha de desinformação movida contra as urnas eletrônicas. Qual é a sua opinião a respeito da regulação das redes sociais? Se o Congresso Nacional não fizer a regulação pelo PL nº 2.630/2020, caberá ao Judiciário cumprir esse papel?

LFS – Tenho uma dupla experiência que muito me gratifica. A primeira foi no TSE, como ministro integrante e depois como corregedor da Corte. A segunda é essa passagem pela Corregedoria Nacional de Justiça, na qual ainda não cheguei à metade do meu mandato, mas já posso dizer que é uma experiência riquíssima. No caso do TSE tivemos uma participação bem interessante, porque era um momento crucial para a campanha, em que tivemos que adotar posições muito firmes para segurar tanto a propaganda eleitoral quanto o desenvolvimento da própria campanha eleitoral. Tivemos que instaurar um inquérito administrativo para apurar atos antidemocráticos que tentavam atingir o processo eleitoral como um todo e as urnas eletrônicas, colocando dificuldades para o desenvolvimento do trabalho do TSE. Instaurei um inquérito administrativo e a partir dali reunimos provas relevantes, que foram importantes para conter aquele movimento.

Também no TSE criamos uma jurisprudência, fui relator em dois casos muito marcantes. Um deles foi o caso Francischini, aquele deputado que fez uma live pouco antes da eleição atacando o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas. Fixamos a tese de que atacar as urnas eletrônicas pode gerar cassação e ele efetivamente foi cassado. Aquele precedente transitou em julgado e é muito importante para a jurisprudência do TSE.

Outro precedente muito importante foi aquele de quando julgamos a chapa presidencial, na qual se discutiu se disparos em massa podem gerar inelegibilidade e cassação. A Corte por maioria disse que sim, que disparos de WhatsApp em massa criando notícias falsas geram inelegibilidade e cassação. Foram dois precedentes muito importantes, fui relator em ambos, tenho muito orgulho deles, assim como o inquérito que acabou controlando a situação no âmbito da propaganda e da campanha eleitoral.

No caso da Corregedoria Nacional, é também uma experiência muito interessante. Assumimos na reta final do processo eleitoral e havia um grupo de juízes com a intenção de externar sua posição nas redes sociais e participar ativamente do processo eleitoral, o que fere as regras da Lei Orgânica da Magistratura, que impõem ao juiz a isenção, tanto na vida privada quanto na pública, algo que marca a magistratura. Tivemos que atuar muito fortemente para que os colegas pudessem compreender a importância dessa imagem, sobretudo para aqueles que têm a incumbência de atuar como juízes eleitorais. Como é que ele pode se manifestar na rede social favoravelmente ou contrário a determinadas posições políticas? Isso não combina em nada com a postura que se espera de um juiz.

Passada essa polarização do processo eleitoral, estamos desenvolvendo uma boa gama de projetos. A Corregedoria Nacional de Justiça tem políticas públicas a desenvolver muito interessantes, como a campanha para conferir registro de nascimento à população mais vulnerável, a regularização fundiária na região da Amazônia Legal, e a ideia que tivemos, no campo disciplinar, de fazer um painel para acompanhar em tempo real todos os procedimentos disciplinares no Brasil. Estamos trabalhando fortemente também na consolidação normativa, com muitos provimentos e regras para a própria Corregedoria que foram se perdendo no tempo, que estamos consolidando num só provimento. É muito trabalho, mas é muito gratificante.

JC – No início da pandemia de covid-19, muitos magistrados e servidores registraram dificuldades para realizar o trabalho telepresencial. Hoje, no entanto, diante da decisão do CNJ pela retomada plena do trabalho presencial, nota-se certa resistência de parcela da magistratura e dos servidores. Qual é sua opinião a respeito?

LFS – A tragédia da pandemia alterou tudo o que imaginávamos da vida, das pessoas e dos relacionamentos. Além da tragédia em si, fez com que todos pudéssemos refletir e repensar nosso papel na passagem brevíssima que temos pela vida. Não foi diferente em relação às instituições. Naquele primeiro momento, em que houve o confinamento social, achávamos que aquilo parecia um filme de ficção. Depois imaginávamos que poderia ser a nova regra o trabalho à distância. Agora estamos percebendo que todas aquelas especulações que fizemos no começo, nada daquelas projeções acabou acontecendo.

Estamos voltando à vida absolutamente normal, como era antes, com alguns avanços tecnológicos que foram produzidos justamente para atender aquele período. Esses avanços vieram para ficar, são importantes, mas têm que ser conjugados com o retorno à vida normal, presencial, que é tão relevante para o ser humano. O que estamos procurando fazer nesse momento é utilizar as ferramentas da tecnologia a nosso favor, mas não impedir ou atrapalhar o que é fundamental para o funcionamento do Judiciário, que é a presença do juiz na comarca, que precisa simbolicamente estar à frente do juízo sobre o qual ele é responsável, porque nada se justifica se não for para prestar um bom serviço à sociedade, fazer com que o Judiciário seja respeitado.

Tenho absoluta certeza de que todos os juízes pensam assim. Como vão explicar que estão lá o defensor, o promotor, o delegado, o prefeito, a câmara de vereadores, estão todos lá presentes, mas nós juízes não estamos na comarca? Como é isso? O retorno foi deliberado pelo CNJ equilibradamente, vem sendo cumprido, estamos atuando nessa seara para o cumprimento dessas medidas, nas correições que participamos estamos olhando por esse aspecto. O equilíbrio entre o avanço tecnológico e o retorno essencial das atividades da vida humana é a tônica atual.

JC – Os tribunais superiores têm investido em diferentes filtros processuais com o objetivo de reduzir o seu acervo de processos e para que possam, de fato, assumir o papel que para eles foi projetado pela Constituição de 1988 como cortes de precedentes – a exemplo da repercussão geral no STF, da transcendência econômica no Tribunal Superior do Trabalho e, mais recentemente, da arguição de relevância no STJ. Qual é a importância da criação de uma cultura de precedentes no Brasil?

LFS – Ela é fundamental para que o STJ retome seu papel de corte superior, de precedentes, de superposição, que é o papel que a Constituição destina ao STJ, mas que com a avalanche de processos foi desvirtuado, fazendo com que se transformasse numa quarta instância de julgamento. Agora, há a tentativa da criação dessas barreiras, que na verdade são condições para que o Tribunal trabalhe efetivamente como uma corte de superposição, o que é essencial.

Estamos apostando muito na relevância, para que ela possa cumprir com esse papel, ao lado de outros institutos que hoje já otimizam o trabalho do STJ, que são os recursos repetitivos e todos os instrumentos e ferramentas que o novo Código de Processo Civil destinou para a padronização dos procedimentos, para a segurança jurídica, para uma jurisprudência estável.

Essa imposição da relevância, que já é previsão constitucional, vai agora ser testada na prática com a criação efetiva desse instrumento processual. Acreditamos que possa fazer com que o STJ cumpra o seu papel como corte de superposição, sendo um farol na discussão dos temas e na criação dos precedentes, que também por imposição legal foi a linha que adotamos para otimizar ainda mais os julgamentos diante dessa avalanche de processos. Uma avalanche que existe não porque o Judiciário escolheu, foram a cidadania e os constituintes de 1988 que depositaram no Judiciário as expectativas da democracia. É para cá que os participantes da sociedade se dirigem para buscar os seus pleitos. Por isso mesmo, precisamos apostar na gestão, nas ferramentas de otimização do trabalho da magistratura.

JC – Por fim, gostaríamos de saber sua opinião sobre o ensino de Direito no Brasil. Com a criação da disciplina obrigatória da Conciliação, o senhor acredita que os estudantes de hoje estarão mais preparados do que estavam as gerações anteriores para buscar a resolução dos conflitos antes da judicialização?

LFS – Sem dúvida nenhuma é um passo muito importante na criação dessa cultura da mediação e da conciliação a inserção dessa disciplina na grade curricular normal da graduação. É muito importante, mas você não muda cultura da noite para o dia, é um processo que já vem caminhando há muito tempo. Começamos tarde, porque outros países já investem nesse sistema há muito tempo. Aqui, começou a se perceber a importância disso quando o Judiciário ficou muito assoberbado, foi quando começou a se trabalhar com a arbitragem, a mediação e a conciliação. Uma coisa que se percebeu muito claramente é que onde isso nasceu e se frutificou, não cresceu à sombra do Judiciário. As ferramentas da mediação, da conciliação e da arbitragem têm vida própria. É um avanço civilizatório, uma mudança cultural, isso leva tempo, é um processo que já iniciamos.

Participei do aperfeiçoamento da Lei da Arbitragem por mudança legislativa, foi muito gratificante a experiência que tive, e hoje ela é uma história de sucesso no País. A arbitragem já se desenvolveu e vem ganhando cada vez mais credibilidade. Na mediação hoje temos câmaras especializadas. A conciliação vem sendo trabalhada dentro do próprio Poder Judiciário, há uma semana nacional da conciliação promovida pelo CNJ. É um processo cultural que vai se desenvolvendo e a inserção da nova disciplina na grade curricular só faz crescer essa ideia e ampliar o mercado de trabalho para os advogados, porque abre uma nova frente. Temos que continuar essa mudança cultural. A jurisdição vai ter sempre o espaço dela e a cultura das soluções adequadas de conflito com ela convive muito bem, otimiza o trabalho da jurisdição.

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Ministro Mauro Campbell

Perfil e currículo resumido

Antes de se tornar magistrado, foi assessor jurídico da Companhia Energética do Amazonas, promotor de justiça, secretário-geral do MPAM, secretário de estado de justiça, secretário de estado de segurança pública e procurador-geral de justiça do Amazonas por três mandatos. No STJ, compõem a Corte Especial. Foi presidente da Comissão Permanente de Desburocratização da Administração Pública do Senado Federal; membro do Conselho Nacional de Direitos Humanos, como representante titular do CNJ; presidente da 2ª Turma; corregedor-geral da Justiça Federal; presidente da Turma Nacional de Uniformização; diretor do Centro de Estudos Judiciários e presidente da 1ª Seção, dentre diversas outras atribuições institucionais. Foi ministro efetivo do TSE entre 2020 e 2022, tendo atuado na segunda metade de seu mandato como corregedor-geral eleitoral.

Alguns dos principais julgados

Corresponsabilização por dívidas não tributárias (REsp 1.371.128/RS, 2014) – Como relator do recurso especial que discutia a possibilidade de redirecionamento da execução fiscal contra o diretor da empresa executada, diante de indícios de dissolução irregular, fixou a tese de que o sócio de empresa dissolvida irregularmente também responde por dívida não tributária.

Prescrição intercorrente na execução fiscal (REsp 1.340.553/RS, 2018) – Como relator, no julgamento em sede de recurso repetitivo, firmou o entendimento sobre os critérios de aplicação do art. 40 da Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6.830/1980), que trata da prescrição intercorrente na execução fiscal, dando solução a mais de 24 milhões de processos em todo o País.

Participação em licitação de empresa em recuperação judicial (REsp 1.826.299/CE, 2022) – Em voto paradigmático seguido pela 2ª Turma, concluiu que a empresa vencedora da licitação, mesmo em recuperação judicial, poderia participar do certame, na medida em que “não cabe à Administração Pública realizar interpretação extensiva da Lei de Licitações em vigor no caso concreto para restringir direitos, à luz do princípio da legalidade”.

JC – Como foi seu início no Direito? O que o fez optar por ser magistrado?

MC – No início da vida acadêmica, por influência de uma irmã, hoje falecida, que na época estudava medicina, estava decidido a cursar medicina para ser sócio de clínica dela. Fiz vestibular para a Universidade Federal do Amazonas, fui aprovado, mas – não vou dizer lamentavelmente, hoje, diante da felicidade que o Direito me trouxe – fiquei aguardando a classificação por uma vaga.

Fui para o Rio de Janeiro de férias, frustrado pela não classificação em medicina, e me dei conta de que quatro faculdades particulares por lá estavam com vestibulares abertos, dentre os quais para Direito. Fiz os quatro vestibulares e fui aprovado nos quatro para Direito. Fui incentivado pelo meu pai e pela minha irmã mais velha – que ainda não era bacharel, hoje é desembargadora no TJAM – que disseram: “Vai cursando Direito aí, que vai ter vestibular no meio do ano para medicina e tu fazes de novo”. Acabou que me apaixonei pelo Direito, tive excepcionais mestres, professores na acepção do termo, que construíram um bacharel em Direito e depois o levaram para o Tribunal de Justiça, eram juízes do Tribunal de Alçada. Fui estagiário deles no TJRJ e também no MPRJ.

Assim comecei minha trajetória no Direito, mas com a visão de que gostaria de ser advogado. Até que no final do curso, na IV Conferência dos Advogados Brasileiros, que se deu no Rio de Janeiro, houve um campeonato de júri simulado, no qual fui sorteado para a tribuna de acusação. Eu estava há um ano de me formar em Direito e isso virou a minha cabeça por completo. Vi assim a minha vocação e coloquei como escopo da minha vida servir ao meu Estado do Amazonas, inicialmente no Ministério Público. Atuei no MP durante 21 anos, com muito esmero, muito denodo, e tenho absoluta convicção de que servi bem ao meu estado.

Só muitos anos depois vislumbrei vir para o STJ. Recebi da Ministra Eliana Calmon, muito antes, uma brochura do STJ cuja capa era justamente a sala de posse do Tribunal e a cadeira 33 vaga. Lembro bem que minha filha tinha uns oito ou nove anos e eu brincava com ela: “Filha, teu pai vai sentar nessa cadeira um dia”. Ela brincava: “Pai, mas só depois que eu me casar, porque não quero sair de Manaus”.

Eu me inscrevi pela primeira vez para o STJ na vaga em que a Ministra Laurita Vaz entrou, se não me engano em 2000. Só que eu ainda não tinha 40 anos, tinha 37. Dos ministros que me conheciam aqui, faço questão de citar o protagonismo de quem mais me incentivou a me candidatar, o Ministro Paulo Costa Leite. Ele presidia o Tribunal e me incentivou, só que ele me conheceu quando eu era secretário de Justiça, tinha apenas 26 anos. Quando ele viu meu currículo depois que percorri alguns gabinetes para me apresentar, disse que com menos de 40 anos eu não poderia entrar. Até brinquei: “Mas o senhor entrou, no Tribunal Federal de Recursos”. (risos) O critério era outro, obviamente, mas não menos meritório.

Naquele momento eu já era procurador-geral de justiça do Amazonas, no primeiro mandato. Conclui meu segundo mandato, passaram-se os anos, e aí, na vaga em que entrou o Ministro Herman Benjamin eu também me inscrevi. Já éramos amigos de longa data e eu então realmente não fiz campanha para aquela vaga, mas não me dava conta de que ia acontecer com a vaga do Ministro Peçanha Martins o que aconteceu agora, 15 anos depois, com a vaga do Ministro Felix Fischer, que se converteu para outra classe. Como são 11 vagas do terço para o MP e para a Ordem dos Advogados do Brasil, ora ficam cinco advogados e seis membros do MP, ora inverte-se. Essa era uma vaga de inversão e foi o Ministro Benjamin que telefonou para me lembrar de me inscrever. Fui o último a me inscrever, a inscrição 65ª na vaga em que entrei.

Não quis ser juiz no início da minha carreira, porque o juiz naturalmente convive com uma coisa chamada angústia. É o prato do dia de qualquer magistrado que seja competente, honrado, isento, imparcial e corajoso, ele necessariamente será uma pessoa angustiada. Não estou dizendo que essa angústia o adoeça ou faça mal a ele. Você passa a conviver com isso sem notar, porque o juiz não pode decidir por suas convicções próprias, tem que decidir dentro do conteúdo de um processo, que nem sempre exprime a verdade real que se busca. Daí você terá que se esmerar profundamente para alcançar esse objetivo. Essa era a razão pela qual eu não divisava ir para a magistratura quando jovem.

Completei meu ciclo no MP quando fui pela terceira vez procurador-geral de justiça. Tinha só tenros 44 anos, mas uma carreira já encerrada no Ministério Público sob o ponto de vista hierárquico. Foi quando pensei que no STJ, como é um tribunal de precedentes, uniformizador da jurisprudência nacional, o nível de angústia seria bem menor. Ledo engano. A quantidade de angústia é menor, mas a intensidade é muito maior, obviamente, porque qualquer decisão que tomamos aqui tem um alcance extraordinário. A satisfação de ter êxito em prestar jurisdição com a certeza absoluta de que você está perseguindo o bem comum da sociedade compensa qualquer angústia que temos aqui no STJ.

JC – Nesses 15 anos desde que tomou posse no STJ, quais foram as suas maiores realizações como ministro e servidor público?

MC – Nasci para ser servidor público e tenho muita satisfação em sê-lo. Ser servidor público não é cumprir com os seus deveres, é ir além, antever problemas, dividir dúvidas e conhecimento. Sobretudo, é ter a consciência de que jamais podemos usar a expressão “dirija-se a outro balcão”. Temos que resolver, porque o cidadão ou cidadã que busca o Judiciário é rigorosamente o mesmo que buscava a delegacia de polícia quando eu era secretário de segurança, ou que buscava a penitenciária para visitar um ente querido, quando fui secretário de justiça. É o mesmo cidadão que só vai à repartição pública no momento de extrema dificuldade e sempre com um temor reverencial por regra. Isso mudou demais. Entrei no serviço público aos 21 anos de idade e hoje tenho 59. Obviamente, minha geração viu o aprimoramento do serviço público brasileiro.

Minha realização é ter feito além daquilo que me cobravam os manuais. Essa é a meta que tenho e o idealismo que me move, cada vez maior. No dia em que vocês souberem que pedi aposentadoria é porque cheguei ao limite, mas não persigo de jeito nenhum esse limite. Quero fazer cada vez mais e melhor, me qualificando dia a dia para decidir com mais critério, com mais embasamento técnico, e ter sempre essa satisfação extraordinária que é prestar jurisdição.

JC – O que o senhor ainda espera realizar em sua trajetória no Poder Judiciário?

MC – Um dos grandes desafios que temos pela frente é fazer o ajuste de contas com a tecnologia. O Judiciário nacional precisa muito se valer das tecnologias de ponta que estão aí, sem descurar do objetivo do juiz, que é não cair no automatismo. Esses instrumentos tecnológicos haverão sempre de servir a nós como suporte, como fonte de pesquisa e conhecimento, mas quem vai interpretar a lei somos nós. Não podemos abdicar do nosso dever de ver os jurisdicionados olho no olho. Tenho que deixar a virtualidade para quando for necessário, como alternativa.

Quando eu era secretário de segurança pública, uma das demandas mais preocupantes que tínhamos era o trafegar com os detentos para os atos judiciais. Naquela época, sem lei e sem nada, lá no Amazonas começamos a fazer um piloto, com o apoio da Empresa de Processamento de Dados do Amazonas (Prodam), exatamente para que o advogado ou membro do MP pudesse ir à penitenciária, numa sala especial com toda a segurança, para não termos que deslocar um aparato extraordinário de segurança pública. Em São Paulo isso é uma catástrofe. Este é um exemplo clássico de que a tecnologia precisa ser utilizada com esse limite, para que se alcance com mais facilidade o objetivo da jurisdição.

Alimento todos os dias o meu idealismo e a minha gana por trabalhar e servir ao povo brasileiro no STJ, certamente para qualificar ainda mais minhas decisões.

JC – Qual é sua opinião a respeito das propostas de emenda constitucional que tramitam no Congresso para mudar as regras de nomeação e estabelecer mandatos fixos para os ministros dos tribunais superiores? É o momento oportuno para essa discussão?

MC – É um tema que não podemos avaliar se é tempo ou não de análise, é um tema que por si só faz o seu tempo. O Congresso Nacional precisa dar uma resposta, a saber, primeiro se as regras merecem alguma alteração. Esse é um ônus/bônus do Legislativo que merece amplo debate.

No Direito comparado temos exemplos muito bons de mandatos. Salvo equívoco, nos projetos, o tempo fixado para os mandatos é razoável, porque não podemos fazer com que a jurisprudência seja volúvel. Ela não deve ser volúvel jamais, deve ser estável, eventualmente atualizada diante de alguma emenda constitucional ou projeto de lei, mas a inteireza e a estabilidade da jurisprudência são alicerces extraordinários para a segurança jurídica, que é um dever estabilizador para a nação, para atrair investimentos externos, para os contratos firmados entre o Estado e as empresas. Isso é essencial. Então penso que é hora sim do Congresso se debruçar sobre isso, mas ouvindo a magistratura, porque tenho convicção de que é uma evolução para o sistema.

JC – Assim como seus dois colegas nessa mesma entrevista, o senhor integrou recentemente o TSE e acompanhou de muito perto o trabalho desenvolvido pela Justiça Eleitoral para enfrentar a campanha de desinformação movida contra as urnas eletrônicas. Qual é a sua opinião a respeito da regulação das redes sociais? Se o Congresso Nacional não fizer a regulação pelo PL nº 2.630/2020, caberá ao Judiciário cumprir esse papel?

MC – Acho essencial que haja essa regulação. Não há nenhuma atividade humana no País que não esteja submetida a uma regulação. Como convencer a mim ou quem quer que seja que determinadas empresas vão viver num santuário chamado Brasil? O santuário é ecológico, não é para isso. Precisamos desmistificar, não temos que temer essa regulação. O feitio e a forma do órgão de controle vamos debater, para ver qual seria. Uma agência reguladora estatal estaria sob o controle do Executivo, mas já se fala, nas tratativas no Congresso, e vejo com bons olhos, a criação de um órgão constitucionalmente configurado, a exemplo do CNJ e do Conselho Nacional do Ministério Público, com ampla participação, que poderia regular melhor.

O fato do Judiciário ter que ser chamado a isso é outra situação que também precisamos desmistificar. Salvo equívoco, o Supremo tem dois feitos em que irá analisar na sua competência de controle concentrado, sobre os quais nem nós nem o Congresso poderemos influir, isso é inexorável. Não podemos dizer para o Supremo não intervir nisso, porque é uma tarefa do STF. O que se espera é que da Casa do Povo, onde a ressonância popular é maior, que é o Congresso Nacional, venha prioritariamente toda a formação de balizas de controle das redes sociais. Isso pode até tornar insubsistente a necessidade do STF analisar essa matéria, mas nós juízes não podemos desconhecer dispositivos da lei e é da competência do STF julgar as ações de descumprimento de preceito fundamental.

A experiência que tivemos nós três no TSE foi, sobretudo, alvissareira para nossas vidas. Nossa atuação no TSE teve um momento de agregação e intensidade muito potente diante das agressões que o povo brasileiro sofria. Quanto mais ataques sofríamos no TSE, mais os julgados passaram a ter unanimidade, com divergências mínimas, pontuais, de forma, raramente de conteúdo. A maior prova de civismo que demos ao País foi essa atuação do TSE. Nossos filhos e netos dirão isso na história de vida deles.

Inegavelmente, a base do meu raciocínio para afirmar e reafirmar a necessidade da regulação é a lei. Não há santuário no Brasil, a não ser ecológico. Um casal é regulado pela lei no âmbito do seu lar. Não podemos regular empresas sérias? Qual é o temor delas?

JC – No início da pandemia de covid-19, muitos magistrados e servidores registraram dificuldades para realizar o trabalho telepresencial. Hoje, no entanto, diante da decisão do CNJ pela retomada plena do trabalho presencial, nota-se certa resistência de parcela da magistratura e dos servidores. Qual é sua opinião a respeito?

MC – Lamentavelmente, tivemos que conviver com uma pandemia que ceifou milhares de vidas, mas tivemos ganhos extraordinários. Aqui no STJ, a Turma que foi protagonista em sistemas de julgamentos foi a melhor delas, a 2ª Turma. (risos) Foi dela que se espraiou aquele sistema que até hoje está no STJ, que todos nós julgadores utilizamos, que é extraordinário, porque é leve e fácil de operar. Tínhamos ministros mais idosos que não tinham nenhuma afeição por um computador, nem para digitar uma peça. Quando cheguei, tínhamos eminentes ministros que datilografavam suas decisões e votos, aqui ou em suas casas, para passar ao assessor uma minuta. Então, tínhamos que atrair o interesse dos colegas mais idosos para as tecnologias.

Eu até constrangi o pessoal lá em Londres [no seminário “New trends in the commom law”, promovido pela Revista JC], quando um magistrado me perguntou: “Ministro, estamos aqui a falar de plataformas 4.0 e vossa excelência vem falar de presença do juiz na comarca?”. Eu disse que realmente é meio constrangedor, tenho que reconhecer essa minha forma sincera em excesso de falar, mas quando o nosso salário foi fixado, considerou a solo de sapato que vamos gastar, o terno e a gravata que vamos vai utilizar, o combustível do carro, a escola dos seus filhos, o vai e vem para o trabalho, tudo isso está na equação que forja nosso salário.

Quando toma posse como juiz, você recebe uma ajuda de custo para residir na comarca, que se for no âmbito federal é proporcional ao número de pessoas da sua família. Vendi tudo o que tinha em Manaus e saí da minha casa para um apartamento funcional, com meus filhos e minha mulher, e não me arrependo disso. Então, não consigo divisar, com todo respeito às opiniões divergentes, que seja a regra que os juízes e servidores serão virtuais.

Essa opção tem que existir para que não haja solução de continuidade. Na semana passada, minha esposa estava com covid-19, eu não tive, mas fiquei isolado em casa. Porém não faltei a nenhuma sessão, não deixei de julgar nenhum processo, não houve nenhuma solução de continuidade nas estatísticas do meu gabinete, na minha Turma e na Corte Especial, os três órgãos julgadores que integro. Esta aí um exemplo claro do quão bem as tecnologias podem e devem ser utilizadas. Agora, elas não podem ser utilizadas para converter o múnus público que você tem que prestar servindo à sociedade num bico, num emprego qualquer.

Lembre-se, o meu conceito de servidor não é aquele que cumpre o que está no manual, é o que vai além. A decisão do CNJ foi acertadíssima e temos absoluta convicção de que é possível a virtualidade pontual e necessária conviver com o trabalho normal, corriqueiro e prazeroso que temos no Judiciário.

JC – Os tribunais superiores têm investido em diferentes filtros processuais com o objetivo de reduzir o seu acervo de processos e para que possam, de fato, assumir o papel que para eles foi projetado pela Constituição de 1988 como cortes de precedentes – a exemplo da repercussão geral no STF, da transcendência econômica no Tribunal Superior do Trabalho e, mais recentemente, da arguição de relevância no STJ. Qual é a importância da criação de uma cultura de precedentes no Brasil?

MC – Ela é essencial, exatamente para que tenhamos segurança jurídica no Brasil e para que fomentemos algo também essencial que é a disciplina judiciária. Vou contar um episódio a vocês. Estávamos visitando como turistas a Corte de Cassação italiana e, conversando com seu presidente, foi um erro meu, perguntei a ele quantos processos eles julgaram no ano de 2013. Ele pediu que o acompanhássemos e nos mostrou um troféu da União Europeia: “Fomos campeões esse ano, julgamos 38 mil recursos”. Deu aquele frio na espinha, torci para que não viesse a contra pergunta, mas não teve jeito, ele perguntou quantos tínhamos julgado. Eu respondi: “Um pouco mais”. Ele deu uma risada e disse que conhecia nossa rotina, mas que gostaria que o juiz auxiliar dele ouvisse os nossos números. Daí eu disse que julgamos 303 mil processos.

A singeleza disso é que lá na Corte de Cassação italiana são 245 ministros e eles julgaram 38 mil recursos, e aqui nós somos 33. Então, o presidente da Corte de Cassação disse: “Vou explicar o problema de vocês. É que aqui, quando decidimos, o juiz de primeiro grau cumpre e não desafia. Lá no Brasil, normalmente surge uma tese de doutorado ou mestrado contrária ao que o STF e o STJ firmaram com balizas técnicas”.

Daí digo que é extremamente alvissareira a vinda da arguição de relevância para que esta Corte definitivamente se converta numa corte de precedentes, mitigadamente em relação aos sistemas do Direito comparado. É muito peculiar o Judiciário nacional. O índice de judicialização ainda é enorme no Brasil, por causa da confiança do povo brasileiro no Judiciário nacional. Ninguém é capaz de fazer uma estatística dessa natureza sobre confiança, porque a prova inexorável que temos para dar a nação é essa pletora de recursos que recebemos. Se não confiassem em nós, iam colocar aqui para quê?

Esses filtros são bem-vindos e a Corte está em tratativas com os órgãos integrantes do Judiciário nacional exatamente para que se construa uma legislação regulamentadora que venha ao encontro não dos anseios do Superior Tribunal, da OAB, dos ministérios públicos ou das defensorias públicas, mas aos anseios da sociedade. A sociedade quer que o STJ se reúna, por exemplo, para julgar habeas corpus de duas chimpanzés? Com todo respeito às chimpanzés e aos direitos dos animais… A sociedade quer que os colegas do Direito Privado se reúnam para decidir se um golden retriever pode entrar pelo elevador social ou de serviço? Creio que não quer isso, porque não é esse o papel de uma corte como é o STJ.

Essencialmente, não se quer amarrar o sistema judiciário numa redoma indevassável. O que se quer é dar estabilidade e inteireza à jurisprudência nacional para isto se converter em absoluta segurança jurídica. O magistrado se notabiliza dentre outros atributos pelo alto teor de previsibilidade de seus atos. Fico extremamente feliz quando a maior parte dos advogados que vem aqui diz: “Ministro, já sei qual será seu ponto de vista no recurso”. Não me sinto ofendido. Ele não falou com nenhum assessor meu, apenas pesquisou e foi ver a estabilidade das minhas decisões sobre aquela matéria que veio me indicar por memoriais em processos que patrocina. Do mesmo modo é para o Ministério Público. Penso que esses filtros vieram para aprimorar o serviço público que o Judiciário presta. A qualificação desse serviço virá com mais ênfase diante dos filtros que estão sendo criados.

JC – Por fim, gostaríamos de saber sua opinião sobre o ensino de Direito no Brasil. Com a criação da disciplina obrigatória da Conciliação, o senhor acredita que os estudantes de hoje estarão mais preparados do que estavam as gerações anteriores para buscar a resolução dos conflitos antes da judicialização? Qual é o conselho que daria nesse sentido àqueles estudantes de Direito e advogados que almejam a magistratura?

MC – Tenho certeza de que com essas novas disciplinas nas academias vamos conseguir ver no mercado de trabalho profissionais do Direito que tenham por base que a última ratio deverá ser ingressar no Judiciário, não a primeira delas, como hoje ainda é para muitos. Ontem mesmo a professora Caitlin Mulholland [docente de Direito Civil das faculdades de Direito da UERJ e da PUC-Rio] disse em sua aula: “Fiquem tranquilos, não advogo mais no contencioso, advogo em arbitragem e em conciliação”. Isso é alvissareiro, uma profissional de altíssima qualificação que em tempo e hora viu que se pode ter uma solução até mais justa, porque analisada com a expertise da matéria. O juiz não pode dizer que ele acha que a solução melhor é esta, tem que afirmar que a melhor solução é esta, sabendo e estudando tudo o que vai tratar naquela decisão. Tenho a vigorosa esperança de que os cursos de Direito consigam incutir nos estudantes essa ratio, de que o trabalho deles não será avaliado menor por não ingressarem no Judiciário.

Há 15 anos, você ouvia muito dos advogados, dizendo a seus clientes: “Perdemos, mas não se preocupe, vou ao STJ e ao Supremo e isso vai para as calendas, até lá fazemos um acordo com a parte”. Esse não é um raciocínio excepcional, era o raciocínio, porque os processos eram físicos, inacessíveis. Quando cheguei tínhamos 12 mil processos no gabinete e o engenheiro veio aqui e disse que só poderíamos ficar com cinco mil, os outros teriam que ficar lá embaixo no porão, por causa do cálculo estrutural do prédio. O acesso aos autos era mais restrito. (…) Isso acabou, o Judiciário não é mais calenda.

Faço aqui o meu reconhecimento de que a advocacia pública e privada e o MP brasileiro se atualizaram para este quadro que temos hoje, de que não podem ser condutores de um congestionamento no Judiciário, tendo em conta de que nunca seremos máquinas de julgar processos. O fenômeno tecnológico do juiz robô, que já existe em alguns países, nos moldes em que a nossa criatividade traz, espero que nunca chegue. Até lá, cabe seguramente primeiro aos estudantes e professores de Direito fazer esse câmbio de conceito, de que o Judiciário não pode ser o primeiro balcão ao qual eles chegam para resolver suas demandas.

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Ministro Geraldo Og Fernandes

Perfil e currículo resumido

É um dos magistrados mais respeitados do Brasil. Chegou ao STJ após longa carreira em diferentes áreas. Formado em Direito e em Comunicação Social, foi advogado criminalista, repórter do jornal Diário de Pernambuco, professor das faculdades de Direito da UFPE e da Universidade Católica de Pernambuco, juiz de direito, desembargador e presidente do TJPE, além de ser escritor. Dentre várias atribuições institucionais no STJ, foi diretor-geral da Enfam. No TSE, foi ministro titular em dois biênios (2006-2018 e 2018-2020), ocupando no último ano de seu segundo período a Corregedoria-Geral da Justiça Eleitoral. Atualmente, além de Vice-Presidente, é membro da Corte Especial, integrante do Conselho de Administração e Presidente da Comissão de Documentação do STJ.

Principais julgados: 

Demora na prestação jurisdicional (REsp 1.383.776/AM, 2018) – Como relator, condenou o Estado do Amazonas a pagar indenização por danos morais no valor de 30 salários mínimos pela demora injustificada na prestação jurisdicional em ação de execução de alimentos. O Ministro declarou que ficou evidente a responsabilidade civil estatal pela “inaceitável morosidade” da Justiça.

Prazo para as obrigações de fazer (REsp 1.778.885, 2021) – Como relator, em voto seguido pela 2ª Turma, fixou que a contagem do prazo estipulado para a prática das obrigações de fazer não difere do regime legal previsto para os demais prazos processuais, devendo-se considerar os dias úteis, como diz o art. 219 do CPC.

Nível superior para cargo de técnico (Tema 1.094, 2021) – Como relator do recurso repetitivo, estabeleceu a tese de que o candidato aprovado em concurso público pode assumir cargo para o qual o edital exige ensino médio, caso possua diploma de nível superior na mesma área profissional.

Revista Justiça & Cidadania – Como foi seu início no Direito? O que o fez optar por ser magistrado?

Ministro Og Fernandes – Iniciei a vida profissional como assessor jurídico do Sistema Penitenciário de Pernambuco e com escritório de advocacia, em 1977. Logo depois fui convidado para ser professor auxiliar da cadeira de Processo Penal na Faculdade de Direito da Universidade Católica de Pernambuco. A magistratura sempre esteve na mira desde os bancos da faculdade.

JC – Nesses 15 anos desde que tomou posse no STJ, quais foram as suas maiores realizações como ministro e servidor público?

OF – Cada dia com a sua alegria e essa alegria se repete a cada dia. Extraio um aprendizado de cada sessão, de cada conversa, do contato com os advogados, com o Ministério Público, com o pessoal que trabalha comigo e com os colegas ministros. Todo dia há uma lição, um aprendizado, é um nunca acabar de satisfação nesse sentido, cada dia aprendo um pouquinho mais.

Não tenho um registro muito especial a respeito desse ou daquele caso. De modo geral, destaco minha preocupação com a área ambiental. Os temas da área ambiental que decidi ou que participei na Turma e na Seção de Direito Público várias vezes foram muito sensíveis e me permitiram apresentar minha verdade a respeito desses assuntos à sociedade brasileira.

A atuação como Vice-Presidente do STJ também faz parte desse aprendizado. É uma atuação mais na área administrativa, que permite a interação com os outros Poderes e com a sociedade, sob um ângulo distinto, que é o da administração judiciária, no lugar da função de julgador.

 

JC – O que o senhor ainda espera realizar em sua trajetória no Poder Judiciário?

OF – Manter o mesmo compromisso que assumi, desde 19 de outubro de 1981, quando tomei posse no cargo de juiz de Direito em Pernambuco, a saber: velar pelo Judiciário em cada gesto. Todo dia é uma satisfação, não há dias semelhantes nessa carreira. Fundamentalmente, espero deixar um dia o exercício profissional da magistratura, o que não está tão longe, com o mesmo gosto pela profissão com o qual ingressei em 19 de outubro de 1981.

JC – Qual é sua opinião a respeito das propostas de emenda constitucional que tramitam no Congresso para mudar as regras de nomeação e estabelecer mandatos fixos para os ministros dos tribunais superiores? É o momento oportuno para essa discussão?

OF – A discussão é sempre oportuna e fechar a porta ao debate nunca é a melhor escolha numa democracia. Além disso, devemos reconhecer, também, que a sociedade evolui e é necessário estarmos abertos às novas necessidades e dinâmicas que se apresentam, fazendo frente aos desafios, inclusive por meio do aperfeiçoamento das regras que regem o Estado.

Por outro lado, é preciso ter em mente que a inexistência de prazo certo para o exercício das funções de ministro de uma corte superior dá maior liberdade e independência ao magistrado, afastando o risco de, com um mandato a termo, tornar-se o exercício da jurisdição um projeto intermediário, no qual o julgador se coloca pensando no dia de amanhã.

Deve-se ter em mente, também, que a maior duração do período de Tribunal faz com que eventuais ventos de mudanças não sejam imediatamente sentidos, sem o necessário embate entre diferentes concepções. Explicando melhor: mandatos curtos ou limitados podem ensejar renovação muito rápida e possivelmente submissa a certas concepções de poder ou política que estejam em voga em determinado período.

Por tudo isso, deve-se ter bastante cuidado quanto a essa regra, buscando conhecer os prós e contras que ambos os sistemas apresentam em outros países, sempre considerada a realidade brasileira.

 

JC – Assim como seus dois colegas nessa mesma entrevista, o senhor integrou recentemente o TSE e acompanhou de muito perto o trabalho desenvolvido pela Justiça Eleitoral para enfrentar a campanha de desinformação movida contra as urnas eletrônicas. Qual é a sua opinião a respeito da regulação das redes sociais? Se o Congresso Nacional não fizer a regulação pelo PL nº 2.630/2020, caberá ao Judiciário cumprir esse papel?

OF – Antes de um bebê dar seu primeiro respiro as regras jurídicas já atuam, conferindo proteção e regulando as diversas relações sociais. Numa sociedade civilizada é difícil pensarmos na existência de alguma atividade capaz de pairar acima da regulação social. Até por isso, a regulação não deve ser vista, por si só, como algo bom ou ruim, podendo ser boa ou ruim conforme a concebamos. Na verdade, ela já existe, sempre existiu, mas apenas vivemos tempos em que a alta e pulverizada disponibilidade de meios de comunicação indica a necessidade de adaptação dessas regras, para fomento dos benefícios dessas possibilidades e minimização dos potenciais danos à sociedade.

Qualquer regulação, portanto, deverá respeitar os princípios constitucionais aplicáveis, tais como o da liberdade de expressão, que sempre foi tutelado de maneira muito ampla e aguerrida pelo Poder Judiciário.

Por fim, quanto ao papel do Judiciário nesse contexto, especialmente caso não seja proposta uma regulação pelo Congresso, é preciso lembrar que escolher não julgar certos conflitos é um privilégio que não foi conferido aos juízes, que tem o dever de apreciar os conflitos postos em juízo, haja ou não regras mais específicas. Relembre-se que o ideal seria que a sociedade não possuísse conflitos, mas como isso é impossível, se o Judiciário for demandado, deverá apreciar as controvérsias, sempre aplicando as normas constitucionais e legais disponíveis para a solução compatível com o nosso ordenamento jurídico.

JC – No início da pandemia de covid-19, muitos magistrados e servidores registraram dificuldades para realizar o trabalho telepresencial. Hoje, no entanto, diante da decisão do CNJ pela retomada plena do trabalho presencial, nota-se certa resistência de parcela da magistratura e dos servidores. Qual é sua opinião a respeito?

OF – Todos temos o direito de querer o melhor que cada situação nos confere. E, às vezes, quando somos forçados a novas oportunidades, temos a chance de descobrir novas possibilidades. O trabalho remoto possui muitas vantagens, mas também tem efeitos colaterais negativos. Após a experiência forçada de teletrabalho emergencial, precisamos construir, sem a pressão de um vírus mortal, um modelo que nos autorize usufruir dos benefícios dessa modalidade, sem que tenhamos perdas em qualidade e eficiência.

O caminho parece ser a construção de modelos híbridos, mais bem planejados e estruturados, nos quais qualidade do atendimento, benefícios da presença física, vantagens da atuação remota, economia de insumos e materiais, equilíbrio das relações familiares e profissionais e tantos outros elementos se equilibrem, para a formação de um modelo novo e sustentável, no qual o exercício da jurisdição encontre muitos ganhos e afaste quaisquer prejuízos.

O que não podemos é manter um trabalho que foi adotado de modo emergencial para um contexto de pandemia mesmo após as limitações sanitárias causadas pela pandemia. É preciso trabalhar na construção, mais lenta e bem pensada, de um novo modelo.

JC – Os tribunais superiores têm investido em diferentes filtros processuais com o objetivo de reduzir o seu acervo de processos e para que possam, de fato, assumir o papel que para eles foi projetado pela Constituição de 1988 como cortes de precedentes – a exemplo da repercussão geral no STF, da transcendência econômica no Tribunal Superior do Trabalho e, mais recentemente, da arguição de relevância no STJ. Qual é a importância da criação de uma cultura de precedentes no Brasil?

OF – O feito é melhor que o perfeito. Os tribunais são chamados a fazer muito com poucos recursos e a racionalização dos métodos é essencial para que o produto desse trabalho chegue a todos que batem às portas do Judiciário. Até por isso, é preciso encontrar formas de deixar bem claro o papel constitucional de uniformização que a Constituição conferiu ao STJ.

As partes, muitas vezes, têm a esperança de encontrar no STJ ou no STF um novo julgamento, uma terceira ou quarta chance para vencer uma causa, para debater os fatos. Contudo, a Constituição não conferiu essa responsabilidade aos tribunais superiores, razão pela qual ferramentas como a repercussão geral, os recursos repetitivos e, agora, o filtro de relevância, se bem estabelecidos e amadurecidos, podem nos levar à devida fidelidade que devemos à Constituição sobre o nosso papel.

JC – Por fim, gostaríamos de saber sua opinião sobre o ensino de Direito no Brasil. Com a criação da disciplina obrigatória da Conciliação, o senhor acredita que os estudantes de hoje estarão mais preparados do que estavam as gerações anteriores para buscar a resolução dos conflitos antes da judicialização? Qual é o conselho que daria nesse sentido àqueles estudantes de Direito e advogados que almejam a magistratura?

OF – As medidas adotadas pelo CNJ, as inovações legislativas e tudo o que se volta para essa compreensão de que o Estado não é responsável original para a resolução dos conflitos, mas apenas aquele que pode ser acionado quando a resolução autônoma não for possível, é algo essencial numa democracia. Levar essa reflexão e conhecimento aos bancos acadêmicos, demonstrando ao estudante do Direito que lutar na Justiça é um caminho subsidiário para a pacificação social é algo muito importante e que já contribui para novos e necessários ares.

Trata-se de uma mudança de cultura, que leva o seu tempo. Se todas as gerações tem que lidar com os desafios de sua época, a solução para o problema de cada geração é, surpreendentemente, a mesma: estudar com afinco, dedicar-se ao fenômeno jurídico e conhecer o mundo em que se vive. Até por isso, o melhor conselho aos estudantes e advogados que almejam a magistratura é uma singela lembrança: conhecimento não ocupa espaço, estudar é o melhor jeito de saber e conhecer o mundo é fundamental. Para quem está disposto a servir como vidraça e cumprir a difícil, porém prazerosa, função de resolver os conflitos postos pela sociedade, com qualidade, afinco e muito serviço, o convite está feito: dedique-se e busque o ingresso no Judiciário.