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30 anos de Constituição O que esperar nas próximas décadas?

11 de outubro de 2018

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A sociedade brasileira, em um ano marcado pela festividade democrática do ciclo eleitoral, vivencia o aniversário de 30 anos da Constituição Federal de 1988, a “Constituição Cidadã”, no dizer de Ulisses Guimarães. Servindo de exemplo para o constitucionalismo contemporâneo, a lei fundamental é um marco na história da estabilidade política do Brasil em face de sua carta de direitos e limitações dos poderes.

Fruto do processo constituinte mais democrático que as instituições políticas brasileiras já testemunharam, onde os mais amplos setores da sociedade se fizeram representar, ela é modelo de organização social e política, para o Brasil e o mundo. Seu texto tem o peso de uma geração que lutou pela redemocratização do país e logrou assentar o Estado Democrático de Direito para as gerações vindouras. Nela se cristalizaram os grandes avanços do constitucionalismo do pós-guerra, aliados a conceitos e instrumentos jurídicos próprios da experiência brasileira.

Após três décadas de vigência, é possível afirmar que, por obra de nossos juristas e da Suprema Corte brasileira, transformamos a história das Constituições no Brasil. Antes apontadas como meras folhas de papel, no dizer de Ferdinand Lassalle, e sem força para intervir na realidade, evoluíram para um documento supremo, legítimo, soberano e organizador efetivo da vida do estado e da sociedade brasileira. Conforme expressão de Konrad Hesse, transformamo-la em Constituição com efetiva força normativa.

Necessário destacar que fora a primeira Constituição brasileira a positivar, expressa e claramente, os direitos e garantias fundamentais como cláusulas pétreas. E foi a primeira Constituição, no globo, e subjetivamente, a dar real eficácia a esses direitos, através de efetivos e respeitados controles concentrados e difusos de constitucionalidade.

Além, edificamos um sentimento constitucional que nos faltava, tornando o debate constitucional um elemento do cotidiano da população e não mais um assunto exclusivo de juristas e acadêmicos. Ter consciência sobre o significado da Carta Magna é exercício de pura cidadania, constituindo-se em fator essencial para que perdure o projeto de uma sociedade livre, democrática e justa.

Para os próximos 30 anos, espera-se o fortalecimento da Constituição Federal como um marco de estabilidade política e jurídica, especialmente nos períodos de crise, como a que ora se se vivencia. Isto só será possível se as suas funções no âmbito do estado-nação forem preservadas e respeitadas pelos atores político-jurídicos que compõem o cenário nacional.

São funções primordiais do texto constitucional a serem protegidas: a) a normatização constitutiva da organização estatal brasileira, compondo a Federação, estruturando e separando as funções estatais; b) a racionalização e os limites dos poderes públicos constituídos, como os devidos processos legislativos, judiciais e administrativos e as regras e os princípios que limitam a ação do juiz, do legislador e do administrador, mediante procedimentos e garantias processuais; c) a padronização da fundamentação da ordem jurídica da comunidade brasileira, ao estabelecer os principais bens constitucionais e direitos fundamentais que o País deve preservar para as gerações presentes e futuras; d) o estabelecimento de um programa de ação, um rol de políticas públicas para serem efetivadas pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário – e pelo poder social – através de normas fins e normas tarefas, e mesmo de normas de direitos fundamentais que reclamam processos distintos de concretização constitucional: em nível de Constituição, em nível de legislação, em nível de administração e em nível de jurisdição.

A adequada preservação de tais funções dependerá do realce dos valores constitucionais basilares da soberania popular e da dignidade da pessoa humana. A soberania popular implica que a legitimidade para o exercício do poder por qualquer representante decorre da vontade popular, mediada por autênticos instrumentos democráticos, resultando na vedação, sob qualquer pretexto, de designações autoritárias. Enquanto a dignidade da pessoa humana importa em considerar que cada indivíduo tem uma esfera mínima de direitos e liberdades inatingíveis pelo Estado ou por terceiros, independente de qualquer outra condição.

Papel proeminente nessa tarefa é reservado ao Judiciário, ao Ministério Público e à Advocacia, entes constitucionais destinados a guarnecê-la e concretizá-la, principalmente no controle de atos de poder que extrapolem os limites constitucionais. Ator primordial para a consolidação constitucional é o STF, guardião da Constituição, responsável pela construção de uma verdadeira doutrina constitucional, destinada, efetivamente, a compreender e auxiliar o País no caminho da concretização jusfundamental, especialmente quanto à definição dos deveres e poderes de estado e dos direitos fundamentais das pessoas.

Um dos nomes que vem contribuindo para a concretização dos valores constitucionais é o Ministro Dias Toffoli, presidente da Corte no próximo biênio. Sua larga experiência de atuação nos diferentes poderes da República e a lucidez com que profere seus votos certamente lhe qualificam para comandar com prudência o Judiciário brasileiro. Sob sua presidência, poderemos observar o STF pautando questões relevantes para a República, priorizando o diálogo institucional e a “accountability” do Poder Judiciário perante a sociedade.

Essa liderança torna-se ainda mais essencial no momento em que ressurgem vozes pelo retorno do autoritarismo e, portanto, estranhas ao documento constitucional. Tais ameaças antidemocráticas só podem ser desfeitas pelo respeito estrito àquilo que diz a Carta Magna. Afinal, Democracia contemporânea e efetividade constitucional são interdependentes, não é possível que se tenha uma sem a outra.

Enfim, se espera que a Lei Máxima, com sua ampla gama de direitos fundamentais, princípios e regras, continue um símbolo para o Direito Constitucional contemporâneo. Nunca antes uma Constituição havia proporcionado estabilidade e garantido tanto progresso social, econômico, jurídico e político à Nação. E a Constituição de 1988, efetivando princípios democráticos e republicanos, atingiu esse objetivo se tornando um marco nacional e universal de valores cívicos e jurídicos a serem observados nos anos vindouros da democracia brasileira.

Notas_____________________

1 LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. 4. ed. Rio de Janeiro: Líber Juris, 1998

2 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1991.