“A advocacia não é profissão de covardes”

5 de outubro de 2020

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Por atuar cotidianamente contra as arbitrariedades, injustiças e abusos, desde os mais banais aos mais graves, o advogado é um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Não é por acaso que a escalada autoritária ora em curso no Brasil tenha dentre seus alvos justamente o livre exercício da advocacia.

Com frequência cada vez maior – o que é lamentável e desconcertante – algumas autoridades públicas têm provocado, por meio da defesa expressa de ilegalidades, o fortalecimento de uma narrativa ambígua, que cria propositada confusão entre as atividades dos advogados e aquelas dos seus clientes. O que ocorre com o aparente propósito de criminalizar a advocacia.

É o que vemos, por exemplo, no uso de grampos telefônicos em escritórios jurídicos; na expedição de mandados ilegais de busca e apreensão em firmas de advocacia; e no monitoramento das conversas sigilosas entre advogados e clientes. Da mesma forma, na validação de provas ilícitas; nas conduções coercitivas para promover a exposição midiática de investigados e testemunhas; e nas prisões temporárias para fins de interrogatório, prática questionável, que não encontra qualquer respaldo na Constituição Federal ou nas leis do País. Assim como na invenção de regras arbitrárias, como critérios subjetivos para considerar próprios ou impróprios os trajes das advogadas, ou a proibição do uso de celulares pelos defensores em estabelecimentos penais.

O momento exige coragem. Por sorte, como apregoou o brilhante criminalista Sobral Pinto, a “advocacia não é profissão para covardes”. Afirmação irrefutável, sobretudo quando consideramos que fazem parte da história da advocacia brasileira nomes à altura de Rui Barbosa, que tanta galhardia demonstrou em sua luta contra a escravidão e em defesa do voto feminino; Luís Gama, filho de escravos, que tornou-se o patrono da Abolição no Brasil; e Myrthes Gomes de Campos, que enfrentou o machismo e a misoginia para se tornar a primeira advogada brasileira.

Nomes como o do próprio Sobral Pinto, ferrenho defensor dos direitos humanos, que enfrentou o Estado Novo e o Regime Militar; e de tantos outros que, como ele, tiveram a coragem de se contrapor a ditaduras para defender presos políticos, a exemplo de Evandro Lins e Silva, Heleno Fragoso, Sepúlveda Pertence, José Carlos Dias e Marcello Alencar; além de Raymundo Faoro, presidente da OAB na luta pela Anistia e pela retomada da democracia.

Que a vida e a obra desses grandes juristas brasileiros sirvam de inspiração para as presentes gerações de advogados. A Revista Justiça & Cidadania está ombreada aos advogados e às suas entidades de classe na defesa das prerrogativas da advocacia e das garantias previstas na Constituição Federal. Pois sem advogado não há liberdade, não há Direito, não há Justiça e nem cidadania.

Do vizinho Uruguai, vem em nosso auxílio a voz de outro grande jurista, Eduardo Juan Couture, a nos inspirar nessa lida: “Teu dever é lutar pelo Direito; porém, quando encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça”.