A arguição de relevância no recurso especial

4 de maio de 2023

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Em debate o filtro que promete reduzir o acervo de processos do STJ

A arguição de relevância do recurso especial, filtro recursal recentemente incorporado ao art. 105 da Constituição Federal pela Emenda nº 125/2.022, ainda a ser regulamentada, e suas consequências para o sistema de Justiça, foram os temas do programa “Conversa com o Judiciário”, promovido pela Revista Justiça & Cidadania no fim de março, em Belo Horizonte (MG). O debate contou com a participação dos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) João Otávio de Noronha e Sebastião Reis Júnior, e do advogado e professor de Direito Processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Flavio Galdino.

O objetivo do filtro de relevância é semelhante ao da ferramenta da repercussão geral, implementada em 2007 e exigida desde então para os recursos extraordinários no Supremo Tribunal Federal (STF): reduzir o número de processos, trazer celeridade em sua tramitação e colaborar, desta vez com o STJ, para que a corte superior possa cumprir sua missão constitucional original de “assegurar a integridade do ordenamento jurídico” e não atuar como mero órgão de revisão, como expôs o Ministro João Otávio de Noronha.

“É necessário trabalhar com filtros por uma razão muito simples. Nenhum país em sã consciência vai criar uma terceira instância recursal preocupada com o direito subjetivo da parte, porque isso atenta contra a celeridade, importa em elevado custo. (…) As decisões das cortes superiores transcendem o caso concreto para trazer à sociedade uma pauta de comportamento”, apontou o Ministro Noronha.

O Ministro do STJ Sebastião Reis Júnior lembrou que é preciso uma mudança de mentalidade da advocacia, magistratura e Ministério Público, em casos de matérias de Direito Penal, para que os filtros processuais possam surtir efeito. Ele enfatizou ainda a importância de uniformizar decisões para que o sistema de Justiça ganhe em segurança e estabilidade.

“Estamos num momento em que não há como lutar contra a necessidade de tornar efetivas as decisões do Tribunal. Vai beneficiar os advogados, os processos vão ter uma durabilidade menor, vai facilitar para o cidadão comum, que vai ter uma linha para agir, e vai facilitar para a administração pública. (…) Determinadas questões têm que ser resolvidas o mais rápido possível e isso só vai acontecer quando aqueles tribunais com competência para dizer qual é a melhor interpretação puderem fazer essa manifestação, mas só vai haver essa possibilidade quando não tivermos esse volume alucinante de processos”, opinou o Ministro Sebastião Reis.

Segundo estatísticas trazidas pelo professor da UERJ Flavio Galdino, o STJ já é um Tribunal eficiente do ponto de vista processual, mas ele acredita que, caso a arguição de relevância seja bem aplicada, a tendência é que produza um efeito ainda melhor do que o instituto da repercussão geral produziu no STF. Mesmo assim, o docente fez uma ressalva sobre o que pode prejudicar a aplicação do filtro recursal: a exclusão das ações penais na aplicação do instrumento, como prevê a Emenda nº 125/2.022.

“O número de recursos que o STJ aprecia tende a cair substancialmente por conta da arguição de relevância, mas se a ressalva feita pela emenda constitucional ficar de pé, o STJ vai continuar recebendo de 100 a 120 mil processos por ano, ou seja, o filtro não vai ter a eficiência esperada.(…) O principal cliente do STJ é o Ministério Público de São Paulo, com 160 mil casos sobre tráfico de drogas, em cinco anos”, exemplificou Galdino.

De acordo com o docente, alguns pontos da Emenda nº 125/2.022 estão definidos, mas há outros que suscitam questionamentos, como a natureza da presunção de relevância de temas como ações penais, ações de improbidade administrativa, ações cujo valor da causa ultrapassa 500 salários mínimos, ações que geram inelegibilidade e hipóteses em que o acórdão contraria a jurisprudência dominante no STJ, além da definição de qual é o órgão interno do STJ competente para apreciar a arguição de relevância.

“Talvez seja um erro do legislador criar tantas hipóteses. Por mais que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tenha conversado com o Tribunal e tenha sido encaminhado um projeto oriundo desse diálogo, tenho medo do que vai vir do Congresso, porque pode tirar a razão de ser da repercussão com a criação de tantas presunções absolutas. Quando você for ver, estamos discutindo uma questão por anos e o impacto vai ser insignificante”, alertou o Ministro Sebastião Reis.

Competência – Sobre o órgão que irá julgar o mérito da repercussão, os ministros concordam que a  competência deve ser das seções e não das turmas. “O filtro para aceitação da questão pode ser feito nas turmas, afinal de contas o recurso especial é julgado lá num primeiro momento, mas admitida a repercussão pela turma, o mérito deve ser julgado pela seção”, apontou Reis.

O evento contou com a participação da Presidente do Tribunal Regional da 6ª Região (TRF6), Desembargadora Mônica Sifuentes, do Presidente da seccional da OAB em Minas Gerais, Sérgio Leonardo, do Procurador-Geral da Justiça de Minas Gerais, Jarbas Soares Júnior, e dos desembargadores do TRF6 Grégore Moreira de Moura, Luciana Pinheiro Costa, Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes, André Prado Vasconcelos, Álvaro Ricardo de Souza Cruz, Rubens Rollo D’Oliveira, Klaus Kuschel e Simone Lemos, além dos desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) Luís Carlos Gambogi e Afrânio Vilela.