A magistratura pede socorro

31 de dezembro de 2009

Eliana Calmon Ministra aposentada do STJ

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NOTA DO EDITOR ____________________________
Fincado no princípio adotado pela Revista, desde os primórdios de sua fundação há 10 anos, de defesa intransigente do Poder Judiciário e da Magistratura, temos que concordar e aplaudir o posicionamento da magnífica e extraordinária Ministra Eliana Calmon, no seu pedido de SOCORRO!
Inicialmente, declaramos ser inteiramente favoráveis ao princípio proporcional, reservado aos membros do Ministério Público e representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, na constituição e formação das Cortes dos Tribunais Superiores.
Entretanto, como demonstrado pela nossa ilustre articulista, a representatividade constitucional do MP e da OAB no Superior Tribunal de Justiça, como vem acontecendo, por certo extrapola o intuito dos legisladores da Carta Magna, pois a continuar o atual sistema de nomeações no STJ, proximamente teremos nessa Corte, não um quinto, mas a metade ou mais dos ministros representantes dessas duas conceituadas categorias, o que, certamente, contraria, não somente as regras e normas, como objetivamente devem ser preenchidas as vagas decorrentes das aposentadorias e afastamentos dos respectivos titulares.
A digna e conceituada Ministra Eliana Calmon, está de parabéns pelo inconformismo e razão no apelo, cabendo aos vários órgãos associativos da Magistratura agirem junto à cúpula do Poder Judiciário, para postulação perante o Poder Legislativo, de regulamentação da matéria, a fim de que o preceito constitucional do quinto proporcional não seja desvirtuado.
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O quinto constitucional, criado pela Constituição Federal de 1934, vem sendo questionado ao longo dos anos, principalmente agora quando se abre uma ampla discussão sobre a sua sobrevivência.
Não pretendo discutir tal aspecto, mas outro bem mais sério em relação à Magistratura, tão questionada e cobrada no momento em que se faz a revisão das instituições nacionais e assume o Poder Judiciário a importância necessária à realização dos novos direitos.
A estrutura constitucional do Poder Judiciário tem na base  apenas magistrados que ingressam na carreira por concurso público, com experiência mínima de dois anos e, depois de no mínimo cinco anos, podem chegar aos tribunais intermediários. Os tribunais, diferentemente, contam na formação não apenas com os juízes de carreira, mas também com membros do Ministério Público e advogados, na proporção de um quinto, escolhidos pelas suas categorias respectivas, sendo chamados de representantes do quinto constitucional.
As três categorias de magistrados, nominados de desembargadores, estaduais ou federais, têm formação inteiramente distinta; por isso mesmo, na composição das turmas de julgamento, tem-se a preocupação de mesclar a formação, de modo a se manter o equilíbrio na representação, considerado a essencialidade na aplicação da justiça.
No topo da estrutura, como órgãos máximos da Justiça, estão o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça. Para os juízes, entretanto, é o STJ o órgão maior pela sua formação, constituído de dois terços de magistrados de carreira, dentre os seus trinta e três integrantes.
Enquanto são os ministros do Supremo Tribunal Federal, como Corte política, escolhidos livremente pelo Presidente da República, o Superior Tribunal de Justiça tem formação eminentemente técnica e eclética, contando com trinta e três integrantes, sendo onze desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados, onze dos Tribunais Regionais Federais e onze outros dentre membros do Ministério Público e advogados.
A escolha dos integrantes do STJ obedece a um complexo procedimento, mas é um ponto luminoso sob a ótica democrática, porque dele participam os Três Poderes da República: o Judiciário escolhe três candidatos, formando uma lista tríplice levada ao Executivo; este indica ao Legislativo um dos nomes para exame; se homologada a indicação, caberá ao Presidente da República a nomeação daquele que até os setenta anos de idade será o julgador maior de todos os conflitos de interesse da nação.
Quando da elaboração da Constituição de 1988 e das Emendas Constitucionais seguintes, pretendeu-se estabelecer, como texto impresso, regra que consagrasse o equilíbrio entre as categorias, a exemplo do consignado para a formação do Tribunal Superior do Trabalho; na escolha dos ministros daquela Corte, observa-se a origem, de forma a se manter equilibrada a participação dos magistrados de carreira e dos oriundos do quinto constitucional.
Seja por atrofia política, seja por falta do necessário empenho dos órgãos representativos, o certo é: deixou de constar no texto constitucional a observância da gênese dos magistrados na composição do STJ.
A falta de texto escrito tem ensejado grave distorção na formação do “Tribunal da Cidadania”, deixando-se de observar a paridade pretendida pelo legislador constitucional.
Assim, os desembargadores que chegam aos tribunais como representantes das categorias dos advogados e do Ministério Público tornam-se juízes e podem, a partir da nomeação, concorrer a uma vaga no Superior Tribunal de Justiça.
A prática, à evidência, desequilibra a formação eclética da Corte, porque os advogados transformados em desembargadores somados aos ministros ocupantes da vaga de advogado originalmente terminam por se constituírem em maioria. No passado, a escolha dos desembargadores, oriundos do quinto, dava-se dentre os que tinham especial realce na Corte, identificados como verdadeiramente vocacionados; isto somente se pode saber com o desempenho da função jurisdicional. Entretanto, nos últimos anos as
escolhas passaram a obedecer a critérios outros, de tal forma que advogados recém-chegados aos tribunais, com dois ou três anos de Magistratura, podem concorrer às vagas do STJ, disputando com desembargadores de carreira, com mais de vinte ou trinta anos de Magistratura e vasta experiência de julgador.
A prática, além de quebrar a paridade, é de flagrante injustiça para com a Magistratura de carreira, cujos integrantes a escolheram em tenra idade, prepararam-se por toda a vida para o exercício da função, após se submeterem a concurso de provas e títulos, viverem o desconforto da judicatura em longínquas cidades do interior, angustiarem-se com as disputas promocionais, padecerem com as dificuldades de escolha até ascenderem aos tribunais. E, quando podem almejar o coroamento da carreira, ascendendo a um Tribunal Superior, enfrentam como concorrentes os colegas do quinto constitucional, muitos dos quais com menos de cinco anos de Magistratura; se tivessem ingressado por concurso não estariam aptos a disputar sequer uma vaga nos tribunais inferiores. Todos se dizem vocacionados, mas não enfrentaram a Magistratura, seja porque não quiseram se submeter ao concurso público, ou à remuneração incompatível com o seu nível econômico, seja porque não aceitaram a árdua trajetória iniciada nas cidades interioranas. Enfim, não se compatibilizaram com as dificuldades no exercício da Magistratura.
A distorção na formação da Corte leva a uma outra perplexidade: os magistrados de carreira chegam ao STJ com nada menos que cinquenta anos, exatamente pelo longo caminho a percorrer, diferentemente dos colegas que, com apenas dez anos de advocacia podem se tornar desembargadores e assim aportarem ao STJ com pouca ou pouquíssima experiência na judicatura e idade cada vez menor.
A face mais perversa da disfunção aqui registrada, sob o ângulo subjetivo do juiz, são as poucas chances de um magistrado de carreira, dentro do STJ, as funções reservadas aos juízes mais antigos: como presidência, vice-presidência, corregedoria, Justiça Eleitoral, Escola de Magistratura, etc. ficam cada vez mais nas mãos dos representantes do quinto. Os magistrados de carreira chegam à Corte Superior com idade média de sessenta anos e como tal permanecem na Corte por apenas dez anos, em média, sem tempo de chegar aos cargos de direção, diferentemente dos magistrados oriundos do quinto, que, na plenitude dos quarenta e poucos anos, podem ter trajetória de mais de vinte anos e assim assumirem as funções de direção da Casa.
Tenho observado a absurda distorção, tenho lamentado estar a Magistratura brasileira sendo dirigida e conduzida quase que exclusivamente pelos advogados transformados em juízes pelo mecanismo constitucional do quinto, e tenho me indignado com a omissão dos órgãos representativos como Associação dos Magistrados Brasileiros, Associação dos Juízes Federais e até da Associação dos Juízes para a Democracia. Defendem a abolição do quinto, desmancham-se em pronunciamentos contra a regra constitucional, mas são incapazes de encetar uma eficiente defesa institucional em favor dos magistrados de carreira no aspecto mais perverso da sua sobrevivência.
Até aqui tenho mantido a discrição necessária ao exercício do meu mister, na esperança de ver corrigida a distorção. Entretanto, chego à conclusão da necessidade de falar para que se possa ver o óbvio: as insensatas e injustas escolhas, sob o aspecto subjetivo, desestimulam a Magistratura, desprestigiam os juízes de carreira que, céticos quanto ao acesso, vão aos poucos se transformando em modestos servidores públicos, sem a pujança que se espera de um agente político como deve ser o magistrado. Sob a ótica objetiva, a disfunção traz a preocupação de prejuízos institucionais irreversíveis pela inserção de julgadores com pouca vivência e sem formação adequada em um tribunal eminentemente técnico como é o Superior Tribunal de Justiça. Não questiono a sobrevivência do quinto constitucional, no momento acho  muito mais grave o que se passa no STJ.
A minha preocupação, se guardada e só timidamente esboçada interna corporis, e inteiramente sem sucesso, faz-me parecer covardemente acomodada e fugitiva de uma realidade inexorável. É preciso combater todas as práticas que possam macular a última das trincheiras de cidadania: O JUDICIÁRIO.