A melhor Justiça

5 de janeiro de 2004

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Um longo período de ditadura construiu uma lógica de funcionamento do sistema político e administrativo no Brasil: o Estado sugando a sociedade em beneficio de si próprio e de uma elite parasitária.

Em determinado momento de nossa história, a sociedade cansou de servir de insumo para o Estado resolveu inverter a lógica e impulsionou um movimento de democratização. Acontece que a democracia não tem efeito universal imediato. Ela ao exemplo dos rios segue seu curso preenchendo os espaços à medida que vai se estendendo. No caminho, no entanto pode encontrar saliências maiores que vão criar represas.

A política define a velocidade e a força das águas do rio de tal maneira que a democracia possa ampliar e modelar as margens; a Justiça aplaina o terreno evitando as represas e abrindo o acesso da democracia aos menos favorecidos.

Uma das reformas que a sociedade pretende obter na estrutura do Estado Brasileiro nestes tempos de adaptação à democracia é a da Justiça, porque não o fazendo a democracia não ultrapassará as saliências do terreno social e não atenderá os impotentes; os menos favorecidos. Não havendo reforma na estrutura da Justiça não haverá a inserção dos marginalizados ao ambiente democrático.

Neste ponto quero separar os ramos do debate que se trava no Brasil a respeito da reforma.

Defendo uma reforma na maneira como o Estado fornece o acesso à Justiça antes de defender uma reforma na estrutura do judiciário. E a questão não é semântica; é funcional.

A lógica da reforma e os seus fundamentos vieram à luz em 1920 na Faculdade de Direito de São Paulol pela pena de Rui Barbosa: “Não vos mistureis com os togados que contraaíram a doença de achar sempre razão ao Estado ao Govemol à Fazenda (…) Antes com os mais miseráveis é que a Justiça deve rer mais atenta a redobrar de escrúpulo; porque são os mais mal defendidos, os que suscitam menos interesse e os rontra cujo direito conspiram a inferioridade na condição com a mingua de recursos”.

A Oração aos Moços contém cada uma das preocupações, ou se preferirem, cada um dos passos que se deve dar na direção de se reformar a Justiça no Brasil.

Entendo que a primeira providênda prática num processo de interação social deva ser unificar a linguagem. A reforma deve almejar a interação sociall unindo o que a ditadura desuniu: a sociedade ampla e o Estado. O idioma que se fala na Justiça deve ser inteligível para o cidadão ou cidadã mais humilde menos letrado.

O idioma da Justiça Brasileiral definitivamente não é o idioma do brasileiro comum e a sua tradução tem sido tarefa difícil mesmo para alguns militantes do Direito.

Não são poucas as minhas experiências com réus estupefatos assustadosl plenos de interrogação, ouvindo o falatório de promotores, defensores seus advogados e juízes. O processo de inserção de rompimento das represas-se dará pela unidade da língual DNA de identificação de um povo.

A interação do idioma não se faz a partir de dispositivos legais mas a partir da mudança em toda uma cultura. Os operadores do Direito precisam refazer a sua compeensão do que seja o Estado a Justiça e o cidadão.

O segundo ponto de uma reforma deve ser o esforço de aproximação do Juiz ao cidadão que bate às portas da Justiça quer compulsória ou voluntariamente. Como estão hoje os códigos rituais e costumes a interação da Justiça com o cidadão personalizada na pessoa do Juiz é quase impossível. Os códigos e os rituais inibem a aproximaçãot e muitos juízes de certa forma apreciam esta parte dos códigos e dos rituais. Também aqui a questão é de alteração genética.

O terceiro ponto e vou interromper com ele a dissertação para não avançar e abusar do espaço, é um exercício de alquimia. O papelório que forma os processos e define os prazost precisa ganhar alma; ganhar vida.

Advogados Defensores, Juízes, enfim, todos os operadores da Justiça, neste quadro incluídos as funcionárias e funcionários dos cartóriost, precisam reciclar as suas emoções e ver além dos processsos e dos papéis e prazos, o ser humano que depende do trabalho da Justiça.

Ao lado de se buscar uma reforma na estrutura funcional do Judiciário, perseguindo um conforto maior para os operadores da Justiça, devemos nós, políticos, legisladores e partidos, encontrarmos um caminho – uma maneira de reformar a Justiça, tendo presente a inserção social. A Justiça deve servir ao cidadão; deve ser um instrumento de equalização social política e econômica.

Nisto deve estar a lógica de uma reforma no sistema.

Dostoievski alertou que o melhor homem do mundo pode tomar-se insensível pelo hábito. A melhor Justiça do mundo também pode tornar-se insensível pelo hábito. O nossos hábito, francamente, tem sido o de ministrar Justiça para o Estado e para alguns poucos favorecidos pela sorte, esquecendo o cidadão comum.

Mas, é tem de mudar!