Falta uma voz na CPMI dos Correios

5 de julho de 2005

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Nas manhãs das terças, quartas e quintas-feiras, quando os relógios vão um pouco além das nove horas, o senador Delcídio Amaral, com voz firme e calma, anuncia o início dos trabalhos da CPMI dos Correios, “com as bênçãos de Deus e havendo número regimental”. Religiosamente, em seguida, abre-se um tumulto de vozes a reclamar “pela ordem”, artifício regimental que permite aos parlamentares firmar posições iniciais, esquentar o clima, inserir pronunciamentos e dar a linha dos procedimentos de investigação. Vencida essa fase, que por lá chamamos de “expediente”, seguimos em direção aos depoimentos e no curso deles indagamos aos depoentes, para, num trabalho artesanal, construir a nossa convicção para, ao final, votar o relatório e sugerir as providências devidas.

Ao presidente da CPMI, esta afeta a tarefa adicional de separar as providências de investigação do brilho político que alguns, por vezes, procuram por lá. Mas, afinal, o que estamos buscando com os trabalhos da CPMI? Investigar o comportamento de um funcionário qualquer dos Correios que, de modo público, recebeu dinheiro vivo para facilitar os negócios de agentes privados? Saber quem gravou a cena de corrupção explícita e por que gravou? Evidente que não! Seria fazer pouco das atribuições da CPMI e ocupar os parlamentares com um trabalho que não lhes cabe, porque é própria da força policial e do Ministério Público.

A CPMI dos Correios está constituída e em pleno funcionamento para descobrir a extensão política do comportamento do tal funcionário dos Correios, e o que ouvimos e assistimos até aqui já é suficiente para construir um conceito. Já está claro e comprovado que um grupo de pessoas aproveitou-se da influência política que tem sobre os que estão no governo ou próximo dele para capturar as estruturas do Estado brasileiro e imobilizá-lo, para, imobilizando-o, torná-lo presa fácil de um esquema de corrupção. Bem ao exemplo do que fazem os operadores do crime organizado.

O episódio do funcionário dos Correios tão somente abriu a oportunidade para que se anunciasse e comprovasse a existência de um plano específico e engenhoso, que tem como objetivo transformar dinheiro público em dinheiro privado para financiar partidos e políticos, que não por coincidência, estão próximos ao governo ou no interior dele. Resta à CPMI o trabalho de juntar as provas que já possui, buscar outras que sabemos existir por aí, afastar da vida pública os envolvidos e encaminhar o assunto inteiro ao Ministério Público para punir criminalmente os culpados.

Será ruim, no entanto, se terminarmos os nossos trabalhos com uma dúvida que, com certeza, está a incomodar a mente de toda a gente brasileira: E o presidente da República? Afinal, ele conhecia os fatos? Autorizou as ocorrências? Exonerou o seu ministro-chefe da Casa Civil porque comprovou que ele estava envolvido? Exonerou os diretores do IRB e de Furnas porque concluiu serem verídicas as denúncias do deputado Roberto Jefferson? Há outras denúncias do deputado que ele julga verídicas?

São perguntas que todas as pessoas me fazem por onde passo e intriga-me o silêncio do senhor presidente da República. O calar de um presidente, quando a nação inteira murmura, não é bom sinal. Sinal pior, porque o presidente Lula não é um presidente qualquer. Ele não é o resultado de uma eleição, mas de uma história, como ele mesmo admitiu no discurso de posse.

Por que se cala o presidente sobre um assunto que está na boca do povo que o elegeu? Por pouco caso? Por não ter o que dizer? Cala porque prefere que a população não conheça o seu sentimento, que pode ser de decepção com os seus, de angústia, ou mesmo de culpa? Seja por que for, o silêncio do presidente alimenta uma dúvida que, visivelmente, a nação brasileira, preferia não ter.

Mas, enquanto cala o presidente da República, nós, na CPMI dos Correios, seguimos a cumprir com a nossa tarefa, sabedores, entretanto, de que de pouco adiantará o nosso trabalho se os nossos motivos pararem na apuração dos fatos e na punição dos culpados. Para evitar a repetição desse quadro que, volta e meia, toma o nosso tempo e um pouco da nossa esperança, precisaremos ir além; construir meios e modos capazes de evitar que, depois da casa arrombada, não fiquemos a procurar os arrombadores e a tentar receber de volta o que nos foi tomado.