Edição

Entre o joio e o trigo

5 de outubro de 2003

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Uma pesquisa de opinião pública, por certo, daria a dimensão do desagrado da população do Rio de Janeiro com a decisão da Mesa Diretora da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de arquivar o relatório da Comissão de Segurança Pública e Polícia que propôs a abertura de processo de cassação do mandato do deputado estadual Francisco de Carvalho conhecido, no mundo político e adjacências, como Chiquinho da Mangueira. Mas se a indignação é um sentimento comum, a surpresa talvez não, porque todo mundo conhece a sintonia fina existente na relação do grupo que comanda a Assembléia Legislativa com aquele que está no governo do Estado. O apoio da Mesa Diretora da Assembléia ao governo estadual é incondicional e sólido, como é o relacionamento do deputado Chiquinho da Mangueira com o casal que governa o Estado. Não há como se ter dúvidas de que a decisão da Mesa Diretora representou uma ação entre amigos.

Com a preocupação natural de quem conhece os riscos, para a sociedade, de um processo de captura das estruturas públicas pelo crime organizado, venho acompanhando esse caso da intromissão do deputado no comando do 4º Batalhão da Polícia Militar desde o momento da exoneração e da denúncia do tenente-coronel Erir Ribeiro da Costa. Posso, com tranqüilidade, assegurar que os deputados estaduais membros da Comissão de Segurança Pública e Polícia da Assembléia Legislativa -Flávio Bolsonaro, Délio Leal, Paulo Ramos, Noel de Carvalho e Carlos Minc – têm consciência de suas responsabilidades e obrigações políticas e, por isso, imediatamente, um dia após a denúncia do tenente-coronel, iniciaram os procedimentos de investigação do caso. O relatório que apresentaram à Mesa Diretora da Assembléia não merece reparos e é bom ressaltar que a comissão simplesmente sugeriu a abertura de um processo de cassação, no curso do qual o acusado teria a mais ampla oportunidade de defesa.
O arquivamento, por evidente instrução do Palácio Laranjeiras, soa como confirmação de culpa do deputado Chiquinho da Mangueira, e transfere o sabor da burla e da impotência, para a população, nela incluídos os deputados autores do relatório arquivado e outros tantos que perseguem na Assembléia oportunidade para bem cumprir os mandatos.

A minha iniciativa de propor a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara dos Deputados, a partir da notícia de arquivamento do relatório da Comissão de Segurança Pública e Polícia da Assembléia, tem como ânimo investigar ações e atitudes de um grupo de parlamentares estaduais que, por atos ou omissões e para atender interesses pessoais, segue estimulando ilicitudes e impunidade. Não tive e não tenho a intenção de levar a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro ao cadafalso, como foi levado o nosso herói da Independência, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, que empresta o seu nome ao Palácio que abriga os deputados estaduais. Muito ao contrário disso, vão a minha biografia e o meu compromisso público, reconhecidos na convicção de fortalecimento das instituições democráticas. A CPI que busco tem o propósito de fortalecer o Parlamento estadual pela identificação e expurgo, com o instrumento legítimo e adequado, daqueles que são inadequados ao jogo político com as regras legais.

Não há quem não reconheça que a maneira mais rápida e eficiente de destruir as instituições públicas, e com elas a democracia, não é pela crítica que se faz aos seus erros e equívocos, mas sim pela resignação, paciência, omissão ou, mais grave, conivência com ilicitudes que comprometem o fluxo do processo político. Os parlamentares estaduais de bons propósitos, soterrados por um grupo construído por métodos políticos não ortodoxos, poderão obter da Câmara dos Deputados – com a instalação da CPI que estou propondo – uma oportunidade para realizar na Alerj um trabalho livre e soberano, comprometido somente com as expectativas e ansiedades de seus eleitores, como, aliás, é a antiga tradição da casa, circunstancialmente interrompida. É exclusivamente isso o que pretendo.