A mulher juíza na Justiça Militar da União

12 de março de 2024

Juíza Federal da Justiça Militar da União e Ouvidora da Mulher da Justiça Militar

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A igualdade de gênero é um pressuposto fundamental da democracia; assim, é primordial que sejam fomentadas ações para sua efetivação, devendo ser assegurada a presença e participação feminina em todos os cargos e funções do Poder Judiciário.

Apesar de ser a justiça mais antiga do Brasil, criada em 1808, apenas no ano de 1979 as mulheres participaram do concurso público para ingresso na magistratura militar, e três foram aprovadas: Zilah Maria Callado Fadul Petersen, Iara Alcântara Dani e Rosali Cunha Machado Lima. Nas palavras da Dra. Zilah, “coragem e competência se aliaram para o desempenho das funções jurisdicionais dessas magistradas, realçando o valor da mulher nessa atividade judicante, atraindo e facilitando o acesso de outras mulheres à aludida Justiça. E hoje, a Justiça Federal Militar apresenta uma grande participação feminina no seu corpo de magistrados, inclusive com a primeira mulher no Superior Tribunal Militar, a Ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha”.

No total até hoje, 26 Magistradas integraram a 1a instância da JMU. Três exerceram importante papel na Corregedoria: Eli Ribeiro de Brito foi Juíza Corregedora (2012/2014); e em 2018, após transformação do cargo da atividade correicional para Ministro Vice-Presidente do STM como Corregedor, por meio da Lei 13.774/18, as Dras. Telma Angélica Figueiredo (2014/2019) e Safira Maria de Figueredo (2019 até a presente data) foram destacadas para atuação no cargo de Juíza Corregedora Auxiliar (art. 13 da LOJMU).

Outrossim, em 2023, foi criada a Ouvidoria da Mulher na Justiça Militar, por meio da Resolução no 319/2022, tendo sido nomeada a primeira Ouvidora da Mulher,Mariana Queiroz Aquino, representando um grande avanço rumo à equidade e à proteção dos direitos das mulheres.

Atualmente, a 1a instância da JMU conta com dez magistradas mulheres, em um total de 37 (mais dois cargos vagos, decorrentes de aposentadorias). Na segunda instância, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha foi a primeira e única mulher a assumir o cargo de Ministra do Superior Tribunal Militar, em 27 de março de 2007, oriunda da advocacia, com uma extensa trajetória acadêmica e profissional. Também fez história ao assumir a presidência da Corte, em 16 de junho de 2014. 

Nesse viés, tendo em vista a assimetria na ocupação de cargos no Poder Judiciário, a Resolução no 255, de 4 de setembro de 2018 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu a Política Nacional de Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário. Dentre outras, estão previstas a necessidade, sempre que possível, de observância da participação equânime de homens e mulheres, com perspectiva interseccional de raça e etnia.

Observa-se que na Justiça Militar a referida resolução está sendo cumprida, tendo em vista atualmente haver uma Juíza Auxiliar da Presidência; juíza que compõe o Conselho Consultivo da Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados e Magistradas da Justiça Militar (ENAJUM), e Juízas que fazem parte e/ou presidem comissões, além de uma magistrada ocupar o cargo de Juíza Corregedora Auxiliar. No entanto, é importante que a Resolução seja observada no tocante a composição de mesas em eventos institucionais, pois, em face do quantitativo menor de mulheres na magistratura castrense, muitas vezes as mesas dos eventos são compostas integralmente por homens. Ainda há muito que se caminhar.

Outro grande avanço nesse rumo foi a edição do Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, que tornou-se obrigatório por meio da Resolução CNJ no 492, de 17 de março de 2023. Sua aplicação deve ser levada a efeito tendo em vista as especificidades da Justiça Militar; dessa forma, é importante destacar que tanto o Código Penal Militar (CPM) quanto o Código de Processo Penal Militar (CPPM) foram promulgados em 1969, época em que não havia uma participação expressiva de mulheres na área militar. Assim, os referidos diplomas legais não foram pensados sob o prisma do recorte de gênero.

Ademais, como a apuração de crimes militares é realizada pela Polícia Judiciária Militar (ou seja, por militares), seria importante delegar a função de encarregado de Inquérito Policial Militar (IPM), em crimes em que haja violência contra a mulher, a uma oficial do sexo feminino, o que permitirá que a vítima se sinta mais confortável para relatar os fatos, buscando evitar o processo de revitimização, pois, na seara castrense, a mulher militar é duplamente atingida pela violência de gênero: em sua condição de mulher e na quebra do binômio hierarquia-disciplina, como militar, uma vez que tal conduta a coisifica e a impede de exercer sua autoridade perante seus subordinados, também a diminuindo perante seus pares e superiores hierárquicos.

No tocante à fase processual, sobreleva notar que a estrutura da Justiça Militar é predominantemente masculina, tendo em vista o quantitativo de magistradas togadas ser bem inferior aos de magistrados (tanto em primeiro grau quanto no Superior Tribunal Militar – em que existe apenas uma Ministra), bem como na composição dos Conselhos de Justiça (compostos pelo juiz (a) togado (a) e por quatro militares de carreira sorteados e convocados, em que a presença de oficiais do sexo masculino é infinitamente superior ao número de oficiais do sexo feminino).

Nesse giro, a fim de que seja respeitada a igualdade de gênero no próprio órgão julgador, seria interessante haver paridade de gênero na composição dos Conselhos quando se verificar a prática de crime de violência contra a mulher.

Em nenhuma hipótese a hierarquia pode ser utilizada como fundamento para a prática de arbitrariedades, ilegalidades ou atitudes criminosas. Ao revés, o Comando deve sempre buscar implementar medidas que visem a preservação e bem-estar do seu efetivo, especialmente no que tange à mulher militar, em face do desequilíbrio de gênero nas instituições militares.

Na seara judicial, é necessário que os (as) julgadores (as) – tanto os juízes (as) togados (as), quando atuarem monocraticamente, quanto todos os membros dos Conselhos de Justiça (togados (as) e militares) – atuem observando as diretrizes do Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, a fim de conscientizá-los e capacitá-los para identificar e eliminar os estereótipos de gênero. Dessa forma, nos óculos da hierarquia e da disciplina, deve o julgador da seara militar colocar as lentes de gênero.

Nesse sentido, a realidade da Justiça Militar demanda um olhar às suas especificidades, sendo imprescindível a participação da mulher em sua composição e em todos os espaços para o aperfeiçoamento da cidadania.

Referências Bibliográficas______________________________

NEVES, Cícero Robson Coimbra. Manual de direto processual penal militar. 3. ed.  São Paulo: Saraiva, 2018, p. 552.

Org. BORGES, Maria Juvani Lima; LEITE, Karine Araujo; PEREIRA, Eduardo Monteiro. Entenda a Justiça Militar da União. Brasília, DF: Superior Tribunal Militar, Diretoria de Documentação e Gestão do Conhecimento, 2022, p. 109.

MD. Ministério da Defesa conta com mais de 34 mil mulheres em seus quadros. Disponível em: Acesso em: 20 fev. 2024.

SOCIEDADE MILITAR. Elas estão em alta o número de mulheres militares está aumentando nas forças armadas brasileiras. Disponível em: https://www.sociedademilitar.com.br/2022/07/elas-estao-em-alta-o-numero-de-mulheres-militares-esta-aumentando-nas-forcas-armadas-brasileiras.html. Acesso em: 20 fev. 2024.

Nota__________________________

1 Org. BORGES, Maria Juvani Lima; LEITE, Karine Araujo; PEREIRA, Eduardo Monteiro. Entenda a Justiça Militar da União. Brasília, DF: Superior Tribunal Militar, Diretoria de Documentação e Gestão do Conhecimento, 2022, p. 109.

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